quarta-feira, 12 de abril de 2023

A CURIOSA CIÊNCIA CAPAZ DE FAZER MÁGICA COM MARCAS, NEGÓCIOS E REDEFINIR O MODELO DE NEGÓCIOS DOS FUNDOS DE PENSÃO – PARTE 1

 



De São Paulo, SP.


PARTE 1 – ESTAMOS OLHANDO NA DIREÇÃO ERRADA


Introdução


Os formuladores da política de previdência complementar e as patrocinadoras dos fundos de pensão no Brasil e no mundo, vem mantendo o foco no curto prazo e tem patinado para reformatar o sistema que um dia garantiu segurança financeira para as pessoas nas idades mais avançadas.


ciência do comportamento (behavioral science, em inglês) mostra que o caminho para chegarmos lá pode ser ir contra a maré e ultrapassar os limites da racionalidade, porque essa talvez seja a forma mais eficaz de fazer as pessoas pouparem em prol de sua segurança financeira no futuro.


Nessa série especial vamos discorrer sobre a ciência do comportamento e como ela pode ajudar os fundos de pensão.


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Os modelos econômicos se baseiam na hiper racionalidade do consumidor e isso tem consequências quando se aborda a tomada de decisões, por exemplo, na busca de segurança financeira de longo prazo.


Como contraponto, a ciência do comportamento vem surgindo como meio de influenciar os fatores que levam às preferências das pessoas | consumidores, sendo uma excelente oportunidade para transformar a previdência complementar.


Governos e players do segmento de previdência consideram que a educação financeira é o melhor caminho para convencer as pessoas a poupar, porque pressupõe que a questão se resume a um problema de otimização quantitativa, com uma resposta única que pode ser demonstrada e provada.


Precisamos dar àqueles que procuram desenhar o futuro, espaço para serem um pouquinho mais criativos e como consequência, expandir a ceara de soluções possíveis. Não precisar justificar nem ter que defender para todo mundo o processo de decisão para levar as pessoas a pouparem, representa um custo de oportunidade que as soluções hoje existentes não permitem.


É muito mais fácil você ser demitido por ser irracional do que por ser um profissional sem criatividade. Tendemos a achar que a qualidade do raciocínio é um bom indicador para a qualidade do resultado, mas essa hipótese não é necessariamente correta. Fazer as pessoas pouparem para o futuro, na cabeça de quem desenha as soluções, requer convencê-las racionalmente a fazê-lo, quando o que realmente interessa é faze-las poupar, não convence-las de que é bom fazer isso.


Quando se pensa da forma direta vigente hoje, nega-se espaço para a mágica, para a inovação na previdência complementar, porque a economia como disciplina possui uma armadilha mental que pressupõe que tudo tem que ser visto à luz de trocas econômicas.


Porém, nem tudo se resume a trocas econômicas, às vezes pode-se obter resultados maravilhosos que beneficiam um monte de gente, de múltiplas maneiras, que não custam nada em termos econômicos ou custam muito pouco.



Unidade de Ciência do Comportamento do FBI


A diferença entre sistemas complicados e sistemas complexos


Na semana passada participei de um evento no qual atuei como moderador em um painel sobre inovação nos fundos de pensão. Um dos palestrantes apresentou um case mostrando a implantação de uma nova estratégia comercial na previdência complementar corporativa.


O palestrante mostrou de modo muito competente a implantação de processos, sistemas e pessoas, que estavam em andamento, com metas e resultados alcançados até o momento.


Minha pergunta, ao final da apresentação, foi: “você poderia nos dizer se o maior desafio que vocês estão enfrentando está nos processos, nos sistemas ou nas pessoas – i.e., na transformação cultural?


Antes da fazer a pergunta eu havia explicado a diferença entre sistemas complicados e sistemas complexos.


  • Sistemas complicados: uma turbina de avião, um reator nuclear, um motor elétrico, são exemplos de sistemas complicados. Eles são previsíveis, tem causa e efeito dentro deles, um especialista (um expert) sabe desmontar e colocar as peças juntas de novo. Os eventuais problemas podem ser consertados e os sistemas voltam a funcionar novamente. Há extrema confiança nas soluções existentes nessas áreas.

  • Sistemas complexos: a previsão do clima, um jardim, uma criança de 6 anos, são exemplos de sistemas complexos. Eles são deposicionais, ou seja, seu comportamento é determinado por características internas, eles seguem vontade própria. Se você fizer uma intervenção, você não consegue prever o comportamento resultante. Não se pode ter certeza do que vai acontecer, do resultado que se vai obter.

Se você tem um processo de manufatura (industrial) que está produzindo peças fora da margem de tolerância (erro), traga um checklist, revise as etapas da produção, analise a qualidade das saídas, verifique o que está acontecendo. Tem um motor quebrado, leve para a autorizada. Pronto, resolvido.


Mas se você está tentando educar um filho de seis anos, montar uma equipe de sucesso ou criar uma cultura comercial de venda de planos de previdência complementar num fundo de pensão, as abordagens para lidar com problemas complicados simplesmente não vão funcionar.


As mudanças necessárias nos modelos de negócios dos fundos de pensão vão muito além de inovações, novos produtos, processos e sistemas, envolvem a transformação de uma cultura centenária de gestão de pessoas e de negócios.


Levar as pessoas a pouparem para o futuro é lidar com um sistema complexo para o qual estamos usando hoje as ferramentas que servem para tratar sistemas complicados.


A barreira impedindo o avanço da previdência complementar


A previdência complementar é um sistema complexo porque a economia está emaranhada consigo mesma e as muitas variáveis causais que levam um indivíduo a decidir poupar para o futuro tornam altamente imprevisível qual será seu real comportamento em diferentes momentos no tempo.




Em sistemas complexos as coisas improváveis de acontecer são a norma, elas surpreendem nossas mentes estreitas e as parcas ferramentas que temos para lidar com elas.


Isso não significa que não devamos tentar modelar a maneira que essas coisas - como os sistemas de previdência complementar – funcionam, de entender como funciona a decisão pessoal de poupar. Mas significa que não devemos ficar obcecados com um detalhe em particular para explicar os resultados.


Explicações simplistas e determinísticas, tipo “educação financeira faz as pessoas pouparem”, deixam escapar completamente o que é um indivíduo e sua limitada capacidade de viver em um ambiente altamente complexo e multidimensional.


Então, inicialmente, existe uma barreira natural na previdência complementar que é a premissa – falsa em sistemas complexos – de que o tamanho da intervenção é proporcional ao tamanho do efeito produzido: educação financeira leva todo mundo a poupar. Isso é falso em psicologia, assim como é falso em qualquer outro campo em que um sistema complexo está operando.


A ideia de que o custo de oportunidade tem que fazer sentido, faz com que você tenha que fingir uma pre-racionalização para demonstrar a qualidade do seu raciocínio, da sua solução. Essa deferência excessiva à racionalidade limita massivamente o espaço das possíveis soluções, não deixa margem para criatividade e elimina até o papel da sorte.


Nas discussões do mundo corporativo ou na definição de políticas públicas que buscam um novo modelo de negócios para os fundos de pensão, é muito difícil ver o que se chama serendipidade, alguém dizer: “não tenho a menor ideia do que devemos fazer, então vamos fazer essas cinco coisas e ver qual delas decola”.


Serendipidade significa uma descoberta não prevista cujo resultado se deu por meio do acaso, através de incidentes que criam oportunidades ou que fazem surgir ideias e inovações incríveis.

 

Ironicamente, se você voltar no tempo, foi exatamente isso que a Microsoft fez nos seus primórdios, quando basicamente estava apostando em cerca de quatro sistemas operacionais em paralelo com o Windows, que esperava (o Windows) ter menos chance de ganhar.


Sempre nos deixamos levar pelo viés da quantificação, que é otimizar tudo que pode ser medido e não o que realmente importa.


Como no exemplo do trem: focamos em tornar o trem mais rápido porque isso é quantificável, não em tornar a jornada (viagem) mais agradável, que envolve qualidade, que é subjetiva, para a qual não temos nenhum número ou métrica. 


Se o seu objetivo (fazer as pessoas pouparem), de alguma forma tem a ver com comportamento ou psicologia, focar em quantidade é uma premissa nada razoável. Na verdade, a relação entre quantidades numéricas e reações psicológicas é tudo, menos simples e linear.


Roger L. Martin diz que se você seguir um curso de ação absolutamente estanque, logico, sequencial, baseado em dedução, para definir uma estratégia de negócios, você nunca vai chegar a nenhum lugar realmente interessante.

     

Aristóteles já alertava extensivamente para as limitações do método científico e o filosofo americano Charles Sanders Peirce defendia uma abordagem que chamava de “inferência abdutiva”, uma hipótese para solução de problemas quase que baseada num ato de imaginação, num desejo.


Você não vai chegar no futuro dos fundos de pensão apenas tentando deduzir e inferir como ele será porque o futuro, acima de tudo, não é uma mera extrapolação do passado.

  

Então, o que precisamos é dar espaço para novas soluções, novos modelos de previdência complementar, sem um racional preexistente. Dito de outra forma: pode haver mais boas ideias que possamos pós-racionalizar do que ideias boas que podem ser pré-racionalizadas.


Resumindo, o comportamento humano é essencialmente irracional de modo que novos modelos de negócio para os fundos de pensão que se baseiem no pressuposto de que somos guiados por logica e racionalidade, estão fadados a falhar.


O futuro dos fundos de pensão tem uma infinidade de soluções aparentemente irracionais esperando para serem descobertas, mas ninguém está procurando por elas porque todo mundo está muito preocupado com a lógica, para procurar em qualquer outro lugar.


Estamos olhando na direção errada – há muito tempo.



Grande abraço,

Eder.



Fonte: Essa série foi produzida a partir do episódio do Podcast Hub Dialogues no qual Sean Speer entrevista Rory Sutherland – Vice-presidente da agência de propaganda Ogilvy, sobre: “Porque é razoável ser irracional: a força surpreendente das ideias que não fazem sentido”. (Why it’s reasonable to be irrational: Rory Sutherland on the surprising power of ideas that don’t make sense).

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