segunda-feira, 4 de novembro de 2024

A DESASTROSA SIMPLIFICAÇĀO FEITA PELOS FUNDOS DE PENSĀO, DE QUE BASTA EDUCAÇĀO FINANCEIRA PARA FAZER AS PESSOAS POUPAREM – PARTE 1

 


De Sāo Paulo, SP.


A economia funciona com base numa curva de oferta e demanda, a política é uma ciência, até as crenças humanas podem ser identificadas, mapeadas e plotadas graficamente. Usando a regressão estatística correta, acredita-se ser possível dominar até os elementos mais desconcertantes da condição humana.

Seguindo a ideia dominante (e arrogante) das ciências sociais, o mundo é tratado como um sistema que pode ser compreendido, controlado e submetido aos nossos caprichos.

Nāo pode!

Nossa historia está repleta de passagens que tentam futilmente impor ordem, certeza e racionalidade a um Universo caracterizado por desordem, acaso e caos. A despeito da montanha de dados e dos sofisticados modelos analíticos que temos hoje, não melhoramos muito em descobrir o que nos espera ao dobrarmos a esquina.

As tentativas mais rigorosas de compreender os aspetos sociais do mundo, simplesmente ignoram a natureza subjacente da causalidade, para poder explicar uma realidade complexa atraves de modelos claros e organizados.

O problema é que os cientistas sociais nāo sabem, como incorporar a não-linearidade do caos em suas análises. Por isso que disciplinas como a psicologia, a sociologia e a economia, são incapazes de antecipar os efeitos da educação financeira sobre a capacidade das pessoas virem a poupar para o futuro.

Férias, nuvens e ciências sociais

Em 30 de outubro de 1926 o casal americano Henry e Mabel Stimson desceu de um trem em Kioto, Japāo e isso desencadeou uma serie de eventos que, duas décadas depois, causaram a morte de 140 mil pessoas numa cidade a mais de 300km de distância dali.

Em seu diário o casal escreveu sobre “o lindo dia, dedicado a passear” pelas ruas de Kioto, a antiga capital imperial do Japão. Ficaram encantados com a cidade!

Dezenove anos depois, Henry Stimson havia se tornado o Secretário da Guerra dos EUA, supervisionando as operações militares na 2ª Guerra. Stimson foi incluído num comitê secreto que decidiria o local de lançamento da bomba atômica.

Um dos alvos, que preenchia todas as condições, era a antiga capital imperial. Assim, o comitê decidiu que Kioto seria destruído. Prepararam um mapa tático do bombardeio e definiram que o epicentro da destruição, coincidentemente, seria um ponto que ficava na esquina do hotel em que o casal Simson se hospedara em 1926.

Stimson implorou ao presidente Truman que não bombardeassem Kioto, enviou telegramas protestando, insistiu tanto que Truman concordou e Kioto foi retirada da lista de alvos. Em 6 de agosto de 1945, Hiroshima foi bombardeada em seu lugar.

Se um evento aleatório como esse pode levar a tantas mortes, como podemos achar se possível prever a consequência das ações humanas?

Credito de Imagem: Alamy | Harry Truman, Henry e Mabel Stimson


A segunda bomba atômica deveria ter sido lançada em Kokura, cidade no extremo sul da ilha japonesa de Kyushu. Na manhã de 9 de agosto de 1945, levantou voo o B-29 com a bomba atômica que seria lançada lá. Por volta das 10:45am, de acordo com o registro de voo, quando o avião se preparava para soltar o artefato o alvo “foi encoberto por uma pesada neblina e fortes fumaças geradas no solo.

A tripulação decidiu não arriscar a jogar a bomba no lugar errado e prosseguiu para o alvo secundário, Nagasaki que foi bombardeada, devido às nuvens que pairavam sobre Kokura, matando outras 60 mil pessoas.

Onde, nos modelos que preveem as consequências das ações sociais, deveriam ser incluídas variáveis como itinerários de turismo e céus nublados? Em 1970 o matemático britânico George Box brincou que todos os modelos estāo errados, mas alguns são uteis. Hoje sabemos que a maioria dos modelos usados para prever a realidade social nāo estão corretos, nem são uteis.

Existe uma maneira melhor de fazer isso e perante a louca complexidade da vida, não tem nada a ver com a busca fútil por padrões regulares e sim com aprender a navegar pelo caos de nossas realidades sociais.

Deuses e ciência

Antes da revolução cientifica, olhávamos para os deuses para explicar os fenômenos que nos afligem.  Então, no século XVII, Newton surgiu com uma explicação baseada em leis naturais.

A física Newtoniana transformou os mistérios do universo em problemas que poderiam ser investigados, ajudou a empurrar a causalidade de coisas inexplicáveis na direção de coisas meramente desconhecidas.

Um mundo controlado por deuses é desconhecido dos mortais, mas com as equações de Newton se tornou possível imaginar que nossa ignorância é apenas temporária e que a incerteza pode ser eliminada com engenhosidade intelectual.  

Se as equações são nossos verdadeiros deuses, então o mundo seria definido por uma ordem elegante, apesar de evasiva. Destravar os mistérios dessas equações seria a chave para domar aquilo que parecia indisciplinado apenas por causa da nossa ignorância. Nesse mundo de equações, a realidade inevitavelmente convergiria para uma serie de leis gerais.

A busca por padrões, regras e leis não se limitou ao reino da física. Na medida que o sucesso das ciências naturais se disseminava, os estudiosos que procuravam entender a dinâmica da cultua começaram a acreditar que padrões e regras também poderiam ser usados para explicar e descrever o comportamento humano.

Se havia uma lei teórica para explicar algo tão misterioso como a gravidade, talvez também existissem regras similares que pudessem ser aplicadas os mistérios do comportamento humano?

A aplicação de uma abordagem mais sistemática e cientifica às organizações sociais foi primeiro proposta pelo teórico social francês Henri de Saint-Simon. Um contemporâneo dele, o filosofo Auguste Comte, fundador da disciplina de sociologia, chegou a se referir ao estudo das sociedades humanas como “física social”.

A Teoria do Caos

Porém, havia furos no mundo das métricas e previsões, antecipadas pelo matemático francês Henri Poincaré em 1908: “pode ser que pequenas diferenças na condição inicial produzam diferenças muito grandes no fenômeno final. Um pequeno erro no primeiro produzira um enorme erro no último.”

Um dia, em 1961, o matemático e meteorologista americano Edward Norton Lorenz, modelava o clima usando um pequeno conjunto de variáveis usando uma versão simplificada dos computadores modernos. Lorenz decidiu economizar tempo reiniciando uma simulação que havia sido interrompida no meio do caminho.

Credito de Imagem: www.journals.com | Edward Norton Lorenz

Ele imprimiu as variáveis, programou os números de volta na máquina e esperou a simulação terminar. Tudo parecia idêntico à simulação que havia sido rodada anteriormente, mas na medida que as simulações eram repetidas no tempo, os padrões do clima começaram a divergir dramaticamente.

Lorenz achou que era um erro computacional, mas ao analisar os dados com mais cuidado fez uma descoberta que mudou para sempre nossa compreensão de alterações sistêmica. Ele percebeu que a impressão que havia feito das variáveis que usou para rodar as simulações partindo da metade do processamento, haviam sido truncadas em três pontos decimais: um valor de 0,506127 virou 0,506.

 A surpreendente revelação foi que usar medidas com diferenças ligeiramente inferiores às originais – erros de arredondamento aparentemente infinitesimais – poderiam mudar radicalmente a forma como um sistema meteorológico evoluiu ao longo do tempo. Tempestades podem emergir a partir da sexta casa decimal.

Qualquer erro, até um trilionésimo de ponto percentual a menos em qualquer parte do sistema poderia tornar previsões sobre o futuro inúteis. Lorenz havia descoberto a Teoria do Caos cujo princípio é: sistemas caóticos são altamente sensíveis às condições iniciais.

Isso significa que esses sistemas são totalmente determinísticos, mas também totalmente imprevisíveis, conforme antecipado por Poincaré em 1908 e provado por Lorenz em 1961.

A Teoria do Caos explica porque previsões meteorológicas se tornam inúteis depois de uma ou duas semanas. Para prever mudanças meteorológicas com precisão, teríamos que ter um entendimento perfeito dos sistemas climáticos e – não importa o quão avançados os supercomputadores possam ser – nunca teremos tal entendimento.

Prever o futuro com absoluta confiança, portanto, é domínio de conhecimento apenas de charlatões e tolos ou como explica a teóloga americana Pema Chödrön:

Se você está se dedicando a obter segurança e certeza, você está no planeta errado

Na segunda parte do artigo vamos abordar a razão por traz da educação financeira ser necessária, mas insuficiente para fazer as pessoas pouparem.

Grande abraço,

Eder.


Opiniōes: Todas minhas | Fonte: “The forces of chance” escrito por Brian Klaas.


sábado, 2 de novembro de 2024

A PERIGOSA ASCENCĀO DO “NACIONALSMO PREVIDENCIÁRIO” NA REGULAÇĀO DOS INVESTIMENTOS DOS FUNDOS DE PENSĀO

 


De Sāo Paulo, SP.


Sem espaço no orçamento e engessado por despesas obrigatórias que não param de crescer, o governo brasileiro quer que seus grandes fundos de pensão invistam em infraestrutura e financiem projetos de seu interesse.

Em agosto passado o próprio presidente Lula e seu ministro da fazenda, Fernando Haddad, se reuniram com os maiores players do segmento para discutir como as entidades de previdência complementar poderiam investir, por exemplo, em obras do novo PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, usando recursos que os participantes juntam para a aposentadoria.

No cardápio está desde a possibilidade de investimento em debêntures de infraestrutura (hoje vedado aos fundos de pensão), até aplicações em crédito de carbono e fundos do agronegócio (Fiagro).

Na Grã-Bretanha a primeira-ministra, Rachel Reeves, diz que herdou a pior situação fiscal desde a II Guerra e para aliviar o aperto, quer buscar a ajuda dos participantes dos fundos de pensão britânicos.

Em julho desse ano a ela disse querer que os fundos de pensão do país “direcionem seus investimentos para negócios locais e proporcionem maiores retornos aos poupadores”. Seu predecessor, Jeremy Hunt, já havia aprovado regulamentação obrigando os planos de contribuição definida do Reino Unido a divulgarem (até 2027) a dimensão dos investimentos que fazem na economia local.

Outros países seguem na mesma toada.

No Canadá, Stephen Poloz - ex-presidente do Bank of Canada, o Banco Central canadense - procura meios do governo aumentar os investimentos dos fundos de pensão do país na economia doméstica.

Enrico Letta, um ex-primeiro ministro italiano, defendeu a ideia de países da Europa adotarem a adesão automática e destinarem os recursos para um fundo destinado a financiar transporte e infraestrutura de energia limpa (energia verde).

O que explica a ascensão daquilo que o The Economist rotulou de “nacionalismo previdenciário”? Porque muitos países ocidentais, exceto os EUA, vêm enfrentando esse mesmo dilema?

Altas taxas de juros e enormes dividas publicas significam que o dinheiro é escasso e quando isso acontece, diminui o nível de investimentos publico e privado nos negócios. Os tecnocratas de plantão mundo afora acham que dá para resolver isso adotando medidas que levem os fundos de pensão a preencher essa lacuna, sem prejudicar os retornos.

Um estudo feito pelos economistas - Keith Ambachtsheer, Sebastien Betermier e Chris Flynn – mostrou que os fundos de pensão canadenses investem majoritariamente no país quando se trata de renda fixa, renda variável e imóveis. Mas investem relativamente pouco em infraestrutura doméstica porque o governo não disponibiliza tais ativos para eles.

O trio propõe que o governo canadense siga o exemplo de países como Australia e Índia, que transformaram suas infraestruturas em uma classe de ativos na qual os fundos de pensão domésticos e estrangeiros possam investir.

Só tem um problema, investir mais na economia doméstica e na infraestrutura do país, não significa produzir retornos maiores. Até porque os fundos de pensão já têm por viés aplicar mais dinheiro nos mercados locais do que fora deles.

Ao longo da última década o IBOVESPA cresceu em dólar, uma média de 7% ao ano e o MSCI (índice de bolsa) do Canadá e da Grã-Bretanha apresentaram, no mesmo período, retornos de 4% e 3% ao ano respectivamente. Enquanto isso, as bolsas americanas entregaram retornos de 13% ao ano!!!

Esses mercados não tiveram performance inferior por falta de capital, mas sim porque suas bolsas são dominadas por empresas de setores como bancário, mineração e energia, todos superados pela disparada das empresas de tecnologia  nos EUA.

Os países do leste asiático também podem fornecer uma lição valioso sobre os méritos do “globalismo previdenciário”, o oposto ao nacionalismo previdenciário.

Não muito tempo atrás, os governos do Japão e da Coreia do Sul mobilizaram os fundos de pensão estatais em prol de objetivos nacionais, da mesma forma que querem fazer agora os tecnocratas das Terras de Cabral, das Terras de sua Majestade e de outras Terras altas.

No entanto, preocupados com o rápido envelhecimento da população e diante de baixos retornos, mudaram de ideia. Até 2010 mais de dois terços ou 66% do patrimônio do sistema de previdência do governo do Japão (Japan Government Pension Investment Fund) e da Coreia (Korean National Pension Service) estavam aplicados em títulos dos respectivos mercados domésticos.

Hoje, esse percentual está reduzido a 30% e 70%, respectivamente. Ambos os países estão investindo mais no exterior e em ativos de maior risco. Resultado, os retornos aumentaram.

A turma da PREVIC, do ministério da fazenda e outras curiolas de tecnocratas querem limitar a possibilidade de os fundos de pensão brasileiros investirem INDIRETAMENTE em ativos digitais, ou seja, em criptoativos.


Alegam ter feito análises - as quais ninguém sabe, ninguém viu - que mostram ser uma classe de ativos arriscada, indo na contramão dos países desenvolvidos.

Dar aos fundos de pensão mais opções de investimento é uma coisa. Limitar as opções que eles têm para encorajar investimentos domésticos que favorecem governos, é outra totalmente diferente.

Ainda mais quando tais governos enfrentam desafios formidáveis e mal conseguem pagar a previdência social para uma população que insiste em viver indefinidamente.

Obrigar os fundos de pensão a reduzirem seu potencial retorno, inevitavelmente, deixará esses mesmos governos com a “broxa na māo”, tendo que arcar nos anos vindouros com o custo social de rendas de aposentadoria socia e complementar insuficientes.

Quando isso acontecer, eles lamentarão não ter deixado os fundos de pensão investirem em ativos digitais ou outras alternativas que sob sua própria discricionaridade e gestão de riscos,  lhes forneçam retornos maiores.   

Todo brasileiro, inglês ou canadense que prefira alocar o $$$ de seu fundo de pensão na economia doméstica e na infraestrutura de seu país, em detrimento de outras alternativas, é um patriota verdadeiramente altruísta.

Perseguir investimento interno à custa de retornos é não apenas imprudente, mas contrario aos ditames de uma economia livre.

Grande abraço,

Eder.


Opiniōes: Todas minhas | Fonte: “The dangerous rise of pension nationalism”, artigo do The Economist


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