De São Paulo, SP.
A decisão da Holanda de abraçar a contribuição definida (CD) na previdência complementar é apenas o movimento mais recente de uma mudança global e ampla de afastamento do mundo garantido dos planos de benefício definido (BD) em direção a responsabilidade individual pela previdência.
Os jovens se aposentarão em planos CD, mas seu funcionamento não foi desenhado estrategicamente para refletir essa mudança de conceito e o que ela significa para as novas gerações.
Atrair Milênios e Gen Z’s para os fundos de pensão e fazê-los se engajarem mais ativamente com sua poupança para o futuro, requer muito mais do que apenas uma política de investimentos atual, voltada para investimentos responsáveis.
Os conselhos deliberativos dos fundos de pensão estão diante de uma encruzilhada temporal. Precisam olhar para um lado (BD) e para o outro (CD) antes de atravessar e se não o fizerem, serão atropelados pelo trem da história.
Precisamos de outra abordagem além das adotadas hoje
Richard Thaler, Nobel de Economia em 2017, deveria ter enfatizado que o surgimento da economia comportamental se deu graças ao trabalho de Daniel Kahneman e Amos Tversky.
O mérito de Thaler foi integrar os estudos de Kahneman e Tversky aos modelos econômicos. Porem, sem a catalogação dos inúmeros vieses de comportamento humano, feito pelos dois psicólogos, não existiria um novo ramo do conhecimento. Escrevi sobre isso: aqui
Deixada apenas na mão dos economistas, as soluções da economia comportamental ficarão mancas e os ganhos de curto prazo poderão ser ofuscados por perdas no longo prazo.
Um estudo feito pelo fundo multipatrocinado do governo Britânico, o NEST DC Master Trust, mostrou os problemas que vem junto com a estratégia de “adesão automática” nos planos de previdência complementar. Diga-se de passagem, já adotada por fundos de pensão de funcionários públicos federais aqui no Brasil, como o Funpresp-Exe e o Funpresp-Jud.
Os participantes que aderiram aos planos de forma automática mostravam, no estudo do NEST, estarem satisfeitos com seu novo benefício, mas 40% deles não tinham a menor ideia de que podiam alterar o nível de contribuição e 16% nunca verificaram seus extratos e saldos.
O estudo do NEST lançou luz sobre o problema e resultou em algumas recomendações para endereçar o desafio.
A comunicação, diz o estudo, deve ser:
- Positiva e focar naquilo que os participantes podem fazer, ao invés de enfatizar o que eles devem fazer;
- Plausível, usando exemplos em dinheiro ao invés de baseados somente em percentuais e estatísticas;
- Personalizada e não voltada para um perfil genérico médio de participantes ativos e aposentados.
Ao tentar contornar o viés de comportamento da procrastinação, a adesão automática acaba ficando no meio do caminho. Resolve a adesão ao plano, o que é louvável, mas não remove a procrastinação do comportamento nem a falta de engajamento do participante com o plano.
Isso é terrível em planos CD, cuja responsabilidade pela renda de aposentadoria foi deslocada para o individuo, requerendo uma gestão ativa da poupança que deveria acompanhar seus investimentos, checar periodicamente o nível de contribuição e fazer projeção anual do benefício.
Tecnologia como estratégia de engajamento
As soluções de tecnologia adotadas pela maioria dos fundos de pensão ainda estão nos primeiros degraus de transformação digital. Portais na Internet, por exemplo, são usados mais como penduricalhos para documentos e informações.
Os jovens acessam e gerenciam o dinheiro deles hoje por dispositivos moveis e apps, enquanto os fundos de pensão seguem tendo websites e portais como a linha de frente na interação com participantes.
Sinceramente, até eu mesmo que sou velhinho preferiria aderir hoje a um plano de previdência mandando uma simples mensagem de WhatsApp.
Sabe por que o engajamento dos jovens com o fundo de pensão é vital? A Customer Experience (CX) ou Experiência do Consumidor entrou na pauta das áreas de marketing pela mesma razão.
Quando uma empresa ou fundo de pensão aumenta o engajamento de clientes e participantes, melhoram o entendimento deles sobre seu produto. Uma vez que eles entendam o produto, estarão mais inclinados a acessar mais frequentemente apps (até mesmo websites e portais) e no caso dos planos de previdência, poupar um pouquinho mais.
Você já se perguntou o que faz os jovens acessarem as mídias sociais dezenas de vezes por dia? As pessoas checam o Facebook, Instagram, Youtube, TicToc, Snapchat e cia em busca não apenas de interação, mas principalmente de ... informação. Saber o que rola no mundo, no momento.
A disruptura no modelo de previdência complementar que está prestes a ocorrer, acontecerá com a vinculação do objetivo de longo prazo dos fundos de pensão aos objetivos de curtíssimo prazo de seus participantes, ie, aquilo que move as pessoas todo santo dia, o proposito que faz cada um de nós se levantar da cama e viver.
Da mesma forma que estamos vendo ruir as muralhas que cercavam as entidades “fechadas” de previdência complementar, logo veremos desmoronar a fronteira abstrata da previdência complementar que dividiu o consumo entre o hoje e o amanhã.
O problema gerado pela portabilidade
A associação britânica de técnicos em contabilidade a UK’s Association of Accounting Technicians, fez uma pesquisa em 2015 mostrando que as pessoas trabalham, em média, para seis empresas ao longo da vida.
Enquanto isso o departamento de estatísticas do trabalho americano, o US Bureau of Labor Statistics, estima que sejam muito mais, de 12 a 15 empresas diferentes.
Além da falta de engajamento, a adesão automática acabou potencializando outro problema. Ao trabalhar em um monte de empresas durante a vida profissional as pessoas acabam detentoras de múltiplas poupanças de previdência complementar.
Aqui no Brasil, mesmo sem a adesão automática, a fragmentação da poupança em inúmeras contas de previdência complementar teve início no começo dos anos 2000 quando a regulamentação da portabilidade nos planos de aposentadoria corporativos foi aprovada pelo governo. De lá para cá, o problema só vem se agravando porque as pessoas vão deixando para trás contas de previdência muitas vezes com saldos pequenos que somem com o tempo, consumidos pelas taxas de administração.
Falta um sistema de consolidação simples e eficiente e isso vem causando muita fricção nos fundos de pensão, principalmente com as novas gerações que mais mudam de emprego.
Escrevi sobre uma possível solução desse problema com ajuda da tecnologia do blockchain: aqui
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São inúmeros os desafios que os fundos de pensão têm pela frente não só para atrair os jovens, mas principalmente para engajá-los e quem tem papel fundamental para resolver isso é o conselho deliberativo.
Vamos revolucionar o conselho do seu fundo de pensão?
Abraço,
Eder.
Fonte: Adaptado do artigo "Defined Contribution: ESG not enough to get young on board", escrito por Nick Reeve.
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