De São Paulo, SP.
A Internet do dinheiro, que vem sendo construída com base na tecnologia do blockchain e sem a necessidade de bancos, está sendo chamada de DeFi, abreviação de Descentralized Finance ou Finanças Descentralizadas em português.
Tenho partilhado por aqui, em primeira mão, algumas das histórias daqueles que estão construindo esse novo sistema financeiro global no qual os fundos de pensão, os sistemas de pagamento e tudo o mais, serão integrados (encaixados) como peças de lego.
Estamos caminhando para um futuro no qual os instrumentos financeiros terão formatos diferentes daqueles que estamos habituados a ver no mercado financeiro hoje em dia.
Títulos, ações, debentures e outros ativos cujo acesso hoje está restrito a investidores institucionais ou umas poucas pessoas detentoras de grandes fortunas, bem como ativos de baixíssima liquidez como obras de arte e imóveis, se tornarão disponíveis em mercados secundários acessíveis a uma base de investidores com uma faixa de renda muito mais ampla e global.
Nesse novo sistema financeiro a propriedade comprovada de conteúdo digital, algo que até aqui era impossível, passa a ser possível. Essa, apenas uma dentre as tantas inovaçõe que vem surgindo no mundo DeFi, tem potencial para mudar completamente setores inteiros como a indústria da música, da arte e dos esportes, abrindo um universo inteiramente novo de classes de ativos hoje inexistente.
Para entender um pouco mais sobre essas mudanças, vamos explorar as transformações que deverão acontecer na indústria da música.
Imagine um mundo no qual tokens não fungíveis permitirão que os artistas se conectem diretamente com sua audiência, removendo a necessidade de intermediários. Um mundo no qual os fãs poderão se tornar investidores na careira de seus ídolos.
Nesse futuro, possuir o token da sua banda favorita também significará ter acesso a experiências no mundo real e até poder ganhar parte dos royalties dos artistas, se beneficiando do sucesso deles.
Nota: Fungibilidade significa que as unidades individuais de um ativo são intercambiáveis e essencialmente indistinguíveis uma da outra. Ex.: todo dinheiro é fungível, uma nota de R$ 1 pode ser trocada com qualquer outra nota de R$ 1, possuindo valor individual equivalente. O mesmo vale para criptomoedas como o bitcoin, que são tokens criptográficos criados no blockchain, são fungíveis e criados igualmente. Já os “tokens não fungíveis”, conhecidos em inglês pela sigla NFT (Non-Fungible Tokens), são tokens únicos e com quantidade limitada. Como os NFTs não são intercambiáveis entre si, eles podem funcionar como prova de autenticidade e de propriedade no âmbito digital, seja de um ativo digital ou da representação digital de um ativo real.
Explicando o papel do NFT na criação de novas classes de ativos digitais
Comprar um conteúdo tokenizado nos dá a sensação de tangibilidade na propriedade de um ativo digital. A coisa, porem, não para por aí. Ativos digitais podem vir acompanhados de uma serie inimaginável de outras características que abordaremos mais adiante.
Isso faz dos NFTs o veículo perfeito para transformar itens colecionáveis, como música e arte em ativos digitais. Na verdade, a transformação de qualquer ativo real em ativo digital pode ser feita por meio de NFTs. Isso vai transformar as classes de ativos nas quais os fundos de pensão poderão investir.
Os ativos do mundo real estão entrando no mundo digital através de uma nova forma de monetização trazida pela Web 3.0. Artistas e músicos perceberam o potencial dos NFTs como meio de assumir o controle dos ganhos de suas obras. Para se ter uma ideia do que isso significa, apenas nos EUA onde a indústria da música representa US 42 bilhões, os artistas ficam com apenas 12% dos ganhos de suas criações.
Vamos fazer um paralelo entre a música e um trabalho de arte tradicional. Um pintor, escultor ou artista pode levar meses, as vezes anos, antes que sua obra encontre uma casa, uma parede ou uma sala para ser colocada. Os quadros dos pintores mais famosos podem ser vistos em uma simples busca no Google, mas a propriedade se limita aqueles que podem se dar ao luxo de possui-los. Os colecionadores de arte sentem-se orgulhosos da propriedade desses quadros, independentemente de quantas vezes ele é replicado.
Da mesma forma, uma música requer um imenso esforço criativo, mas a distribuição digital em massa torna praticamente impossível ao autor capturar o verdadeiro valor do que as pessoas sentem ao ouvirem sua música, algo que R$ 0,015 por streaming não chega nem perto de representar.
É aí que entram os NFTs. Por exemplo, uma edição limitada de NFTs representando uma música ou um álbum passa a ter mesma estrutura e ser encarada igual a uma fotografia, litografia, pintura ou obra de arte. As pessoas serão levadas a querer ter e colecionar cópias autenticadas e digitalmente assinadas pelos artistas que criaram originalmente a obra.
As músicas evoluirão para itens colecionáveis com edição limitada, na forma de propriedade fracionada dos direitos musicais, na qual os detentores dos tokens participarão dos royalties gerados pelas músicas que colecionam e poderão vender esse ativo para outros.
A música no formato de ativo digital pode vir acompanhada de outras características, como imagens, tornando o ativo em um conteúdo audio-visual onde a arte digital complementa a música e vice-versa. Músicos como RAC, Boys, Noize, Deadmau5 3LAU e outros foram pioneiros na criação dessa nova classe de ativos digitais.
Um DJ chamado Justin Blau que se denomina 3LAU se juntou a um produtor de animação e criou uma peça artística sob o nome de SSX3LAU com batidas de som inéditas que reagem visualmente.
Dá uma sacada no SSX3LAU nesse link: aqui.
Os músicos poderão acrescentar uma camada digital às suas músicas transformando-as em itens colecionáveis, lançando no mercado NFTs com canções inéditas e exclusivas que nunca estarão disponíveis em plataformas de streaming tradicionais.
O fã ou colecionador que comprar o token com a música terá a opção, se quiser, de compartilhar aquele som, mas a propriedade do áudio continuará exclusiva daqueles que participaram da venda primaria do token.
Além disso, o token poderá fornecer benefícios e privilégios adicionais aos seus detentores, destravando o acesso à músicas ainda não lançadas, tickets para shows vistos dos bastidores e até pagamentos de royalties retroativos criando valor de longo prazo na propriedade do token (NFT) e fazendo surgir um mercado secundário de ativos digitais musicais com alta liquidez.
Música, arte e itens colecionáveis, classes de ativos digitais pioneiras
Veremos uma revolução surgir da intersecção entre a Web 3.0 e a criação de conteúdos digitais exclusivos. O fluxo de caixa consistente que resultará da emissão de tokens não-fungíveis (NFTs), levará efetiva securitização de música, arte e outras criações e ao permitir uma distribuição eficaz de royalties criara uma nova classe de ativos.
Algo que, sem sombra de dúvidas, interessa a poupadores de longo prazo em nível individual ou coletivo, como investidores institucionais e fundos de pensão.
Não é a toa que os lançamentos da chamada Crypto Art explodiram em 2021 (gráfico abaixo)
Imagine um token não-fungível (NFT) que represente 100% da propriedade dos direitos sobre a matriz de gravação de uma música ou um álbum. A partir desse NFT o autor poderá emitir outros tokens no formato DAO, fracionando a propriedade dessa música ou álbum enquanto mantem a propriedade de 51% do total de tokens disponível.
Mais sobre DAO: aqui.
Imagine seu fundo de pensão investindo em royalties de musica e permitindo, através de uma UI / UX, que além dos participantes terem retornos para seus investimentos, tenham também acesso a musicas e experiências inéditas? Isso sim é colocar seu dinheiro (digital) a seu serviço!!!
Mais sobre UI / UX: aqui.
Os tokens não-fungíveis (NFTs) poderão redefinir a propriedade e os ganhos das mídias digitais tornando-se mais uma peça de lego na construção da próxima geração de investimentos e classes de ativos num mundo em que os fundos de pensão podem se transformar num simples app.
Os ativos digitais poderão assumir diversos formatos e abordagens no futuro, mas inequivocamente chegarão para democratizar o acesso aos investimentos e ligá-los de uma vez por todas ao proposito de seus donos.
Reflexão final: jogue fora os livros do seu MBA em fundos de pensão
Se você quiser apenas uma evidência do quanto mudou o mundo do qual os fundos de pensão fazem parte, basta olhar para a área de investimentos.
Nos últimos cinquenta anos os ativos intangíveis ultrapassaram os ativos tangíveis como proporção dos ativos totais de uma empresa. Patentes, softwares, dados, marcas valem mais hoje do que edifícios, máquinas, equipamentos, estoques e ativos físicos.
De acordo com Ben Carlson que escreve para a Revista Fortune, os ativos intangíveis das 500 maiores empresas listadas no índice S&P500 saltou de 17% dos ativos totais em 1975 para 90% em 2020.
Isso explica a razão de empresas tipo a Tesla – que vale quase US$ 1 trilhão na bolsa de valores – terem valores muito maiores do que produzem de bens e serviços na economia real, onde a vida e os empregos realmente acontecem.
As implicações desse deslocamento do valor das empresas e do surgimento do DeFi e do MOIP – Money Over Internet Protocol (a Web 3.0) que se opõem ao TCP/IP – Transmission Control Protocol / Internet Protocol (Web 2.0) e ao sistema financeiro tradicional, são muito mais amplas e profundas e não se limitam às questões acima.
Poderíamos listar inúmeros outros impactos dessas mudanças para investidores institucionais em geral e fundos de pensão em particular, mas o ponto é que estamos sendo guiados por ideias e teorias desenvolvidas para explicar uma economia que não existe mais.
Muito do que aprendemos na faculdade e nos cursos de economia e atuaria sobre sistemas mutualistas de previdência, longevidade, responsabilidade fiduciária, governança, política fiscal, lucros, risco e por aí vai, não se sustenta mais.
Os livros acadêmicos sobre a nova economia, bem como a forma de governos, empresas e fundos de pensão operarem na nova era, ainda estão para ser escritos.
Precisamos de um novo Bismark, mas de um que seja digital!
Grande abraço,
Eder.
Fonte: The Defiant: "I'm Imagining a World Where Every Song Has an Investable Layer", podcast no qual o DJ e produtor musical DJ 3LAU (Justin Blau) é entrevistado por Camila Russo. "Building the Investable Layer of Music", escrito por 3LAU e “Fortune – CEO Daily”, escrito por David Meyer.
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