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De São Paulo, SP.
Não é de hoje que as transformações no mundo corporativo vêm reduzindo drasticamente o quadro de empregados das empresas de todos os setores, da manufatura ao setor de serviços.
O mundo não é uma curva discreta, muito pelo contrário, segue uma curva contínua. Porém, se tivéssemos que pontuar no tempo o início desse movimento no setor industrial eu ficaria com um episódio na já longínqua década de 1990.
O COMEÇO DO FIM
O protagonista foi um engenheiro Espanhol, nascido nos países Bascos, José Ignácio López de Arriortúa. Ele foi o criador de uma abordagem que começou nas fabricas de veículos, se espalhou pelo mundo industrial e revolucionou o sistema de produção.
Lopez, ex-comandante da área de suprimentos da GM e Vice-Presidente Mundial de Operações da VW, concebeu o Consórcio Modular levando o princípio organizacional da terceirização aos extremos. Nesse modelo produtivo o fornecedor ou parceiro é responsável pela montagem e garantia dos "módulos de montagem", cabendo à montadora a supervisão e teste dos veículos.
Tudo surgiu em 1994, quando Lopez propôs a estratégia de radicalização do “just in time”, que sozinho já havia economizado US$ 4 bilhões para a GM em apenas um ano. Lopez propôs levar os fornecedores para dentro da fábrica para que eles próprios instalassem seus componentes diretamente na linha de montagem. As montadoras passariam, assim, a deixar de executar atividades de montagem, cuidando somente da logística, qualidade e engenharia de manufatura.
A ideia era que se transformassem em organizações de marketing e vendas, desenvolvendo novos produtos e controlando a cadeia de valor agregado.
Em novembro de 1996 a VW, com esse conceito, iniciou a operação de sua fábrica de caminhões e ônibus em Resende no estado do RJ, um investimento de US$ 300 milhões. A capacidade de produção na época era de um veículo a cada 10 minutos ou 30 mil por ano.
Como resultado, apenas 290 dos 1.750 empregados da fábrica eram da VW. Os empregados da VW, a minoria, inspecionavam os veículos ao final do processo.
Mais: aqui
A VW, que chegou a ter mais de 100 mil empregados no Brasil, conta hoje com pouco menos de 15 mil. O mesmo aconteceu com o processo de manufatura no mundo todo, afetando desde fabricas de veículos a construção de aviões.
Esse ponto de inflexão nas indústrias de veículos (e em outras) não para aqui. Tecnologia e mudanças sociais, induzidas pelas novas gerações, estão prestes a levar a redução de empregos para outro patamar com um novo conceito de mobilidade substituindo o velho hábito das pessoas possuírem um carro e automação dominando por completo as linhas de produção.
Quem quiser saber mais sobre o assunto pode checar um artigo que escrevi no meio do ano passado sobre os impactos no setor de seguro auto: aqui
UMA ESCALA QUE É PARTE DO PROBLEMA, NÃO DA SOLUÇÃO!
A análise a seguir foi baseada em números da economia americana, mas é facilmente ampliada para a maioria das economias e países do mundo hoje. Podemos inferir que mesmo no Brasil, o cenário não é muito diferente.
Recessões são caracterizadas por perda de empregos, o que parecia afastado até dezembro/2020 ... quando o saldo foi negativo, 123 mil empregos foram perdidos nos EUA no último mês do ano que passou (gráfico abaixo). Algo que não acontecia desde abril/2020 e contrariou economistas que previam 349 mil novas posições para dezembro/2020.
Os EUA têm hoje 10 milhões de desempregados a mais do que havia em fevereiro/2020.
As maiores empresas nos EUA, aquelas com +1.000 empregados, ejetaram 169 mil pessoas de seus empregos no ano passado. Não é problema de caixa, pois foram inundadas com dinheiro barato pelo FED em março/2020 o que reabriu o mercado de créditos e jogou no chão o custo de novas dívidas.
O fato de grandes companhias estarem cortando empregos ao invés de contratar, aponta para a chegada de um novo paradigma no qual os negócios passam a fazer de tudo para aumentar a produtividade ao mesmo tempo que reduzem custos, majoritariamente através de empregos e custos trabalhistas.
As grandes corporações estão nesse momento lutando por uma fatia maior de um bolo menor. Graças ao impacto negativo da pandemia do Coronavírus sobre os orçamentos domésticos, as empresas não têm espaço para aumentos significativos de preços ao mesmo tempo que precisam investir pesado em atualizações tecnológicas para se manterem competitivas.
Tudo isso para dizer que a escala, da qual os fundos de pensão dependem hoje e sobre a qual seu modelo de negócios foi erigido, faz parte do problema e não parte da solução.
O QUE VEM DEPOIS
Vai ficando claro que o modelo de negócios dos fundos de pensão precisa mudar. Em artigos publicados na mídia durante essa semana, técnicos do setor defendem a soltura das amarras dos planos corporativos. Os fundos de pensão passariam, nessa concepção, a poder receber empregados de qualquer empresa e não apenas os empregados da empresa que os criou.
Se por um lado essa ampliação dos planos corporativos para um publico maior parece resolver o problema da escala, da mesma forma que tentam fazer os planos família, por outro não muda o paradigma.
Os fundos de pensão permanecem, assim, girando em torno de um mesmo modelo de negócios, comprovadamente desgastado e baseado em um contrato social erigido em torno do vínculo de emprego.
O futuro da previdência complementar, por mais paradoxal que pareça, não resta em cima de planos corporativos nem de planos individuais, mas sim de um novo paradigma. Reconheço que é bastante difícil para o momento, vislumbrar a disruptura que está por vir no modelo atual de fundos de pensão e dos planos individuais.
Não basta apenas acompanhar todas as mudanças sociais, tecnológicas e humanas em curso no mundo ao longo das últimas décadas e depois projetar o que vem pela frente. É preciso um “quê” de escritor de ficção cientifica :)
Arrisco um palpite, então:
1. O atual modelo de previdência complementar vai se misturar com as contas bancárias e juntos, fundos de pensão e o sistema financeiro atual darão lugar a mecanismos de gasto e poupança de curto, médio e longo prazos. Ou seja, previdência e consumo deixarão de ser segregados no tempo e farão parte de uma mesma solução;
2. Os investimentos saltarão do mundo físico e entrarão no mundo digital, de onde nunca mais sairão, ampliando as classes de investimentos que existem, fragmentando os ativos (hoje reais, amanhã digitais), democratizando o acesso à poupança e alcançando indivíduos de todos os extratos de renda e matizes sociais, sem aquela historia de que pessoas de baixa renda não precisam poupar porque são cobertas pela previdência social;
3. A pessoas se unirão em torno de projetos - termo usado pela comunidade de criptoativos e blockchain, ao invés de empresas - cujas soluções de poupança e consumo se alinhem com seus propósitos, objetivos e visões de vida. Solidariedade, comunidade e escala ganharão uma nova perspectiva, livre inclusive das fronteiras entre países e regiões;
4. Os projetos serão pulverizados uma vez que focados no que as pessoas pensam e buscam, não naquilo que as empresas pretendem e querem. Suas soluções de investimento, poupança e consumo serão construídas como peças de lego, com parcerias que transcenderão as limitadas ofertas atuais. Escrevi sobre isso numa serie de artigos, o primeiro deles: aqui
5. Lucro e retorno de investimentos deixarão de ser um fim em si mesmos e sua maximização clássica, presente nos livros de economia, perderá sentido se não vierem alinhados com os propósitos dos verdadeiros donos do dinheiro. Empresas e investimentos que não se preocupem (de verdade) com aspectos ESG, serão marginalizados, senão banidos da legalidade. Algo muito maior e individualizado do que o simples “stackeholder capitalismo”; e
6. O surgimento de uma economia da longevidade abrirá as portas para que o dinheiro dos poupadores seja investido em inovações na area de saude (healthtechs e agetechs) que estenderão seu tempo de vida, reverterão o envelhecimento e permitirão melhores condições de vida para os idosos, além dos retornos financeiros desses investimentos. Escrevi um ensaio, cuja primeira parte é essa: daqui.
Bem, poderíamos continuar divagando sobre o futuro dos fundos de pensão por muitas e muitas linhas a mais. Ainda que meus palpites acima precisem ser mais bem calibrados, creio que já deu para vocês terem uma ideia do quanto mudarão as estruturas e modelos atuais.
Que venha essa nova era! Se você quiser chegar nela antes, vamos juntos revolucionar o conselho do seu fundo de pensão, muitas dessas mudanças começam por ele!
Grande abraço,
Eder.
Fonte: "Job losses suggest labor markets 'dark days' could return", escrito por Dion Rabouin.
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