segunda-feira, 10 de maio de 2021

A INCRIVEL HISTÓRIA DO TEMPO E A PREVIDENCIA

 

 


De São Paulo, SP.


Ninguém sabe ao certo quando o homem começou a contar o tempo, mas sabemos que o tempo já existia bem antes dele.

 

No Neolítico, o homem foi capaz de perceber que alguns fenômenos se repetiam. O dia era sucedido pela noite, depois outro dia surgia. Percebeu que havia uma época de flores e frutos em abundância, uma de muito calor, uma de folhas caídas e outra de frio intenso e que esse ciclo também se repetia. Notou que o sol e as estrelas ocupavam a mesma posição no após longos períodos.

 

Foi mais ou menos nessa época que passamos a plantar sementes para os frutos nascerem e a partir daí, passamos a criar animais ao invés de apenas caçá-los para nos alimentar. Isso nos fez perceber ser possível agir no presente para antecipar o futuro e esse foi um salto extraordinário na cultura humana. A agricultura foi, essencialmente, o primeiro sistema de previdência da humanidade.


Nasceu ali a visão de que havia não apenas o presente, mas também um futuro. A percepção do tempo ganhou novos contornos quando o homem percebeu que poderia se antecipar aos acontecimentos e não depender apenas do momento presente. 

 

Mas a necessidade de contagem do tempo só foi surgir mesmo na civilização grega, quando por motivos político-sociais houve a necessidade de se impor algum limite na fala dos oradores nos parlatórios e de estabelecer um equilíbrio nas falas da defesa e da acusação nos julgamentos. 

 

O sol e as estrelas eram totalmente ineficazes para esse fim. Então, surgiu a ampulheta, um dispositivo no qual essa “igualdade” era obtida através do tempo que a areia ou um filete de água levavam para esvaziar um recipiente. A democratização do tempo foi um passo interessante porque trouxe sua contagem de uma escala cósmica para uma mais humana, condizente com a duração dos aspectos diários de nossas vidas.


O conceito de “igualdade” na medida do tempo foi extrapolado com a invenção do relógio mecânico que dividiu o dia em períodos iguais de tempo. É nesse momento que o homem efetivamente se liberta do sol. Ao fixar o dia em 24 períodos iguais de tempo, o que passa a variar é o horário do nascer e do por do sol. Essa partição em 24 períodos iguais de tempo veio da astronomia Babilônia, há cerca de 3,5 mil anos.

 

Isso tudo nos trás aos nossos dias e ao ritmo de implantação das novas tecnologias. Levou 400 anos para a imprensa decolar e 50 anos para o telefone chegar a um publico de massa. O celular atingiu audiência mundial em sete anos e as mídias sociais decolaram em 3 anos. As grandes mudanças tecnológicas hoje em dia acontecem em um ano.

 

As coisas estão ficando cada vez mais rápidas e o tempo vai se tornando cada vez mais precioso porque temos cada vez menos tempo para nos preparar para a próxima revolução tecnológica.

 

Enquanto escrevo sobre o tempo, o futuro do dinheiro que surge com a moeda digital e a cryptoeconomia, vai tomando conta de nossas vidas num piscar de olhos. Quando insisto na necessidade de revolucionarmos os conselhos dos fundos de pensão, o senso de urgência foge à esmagadora maioria das pessoas, do segmento de previdência complementar e das autoridades reguladoras.

 

Toda essa aceleração tecnológica foi acompanhada por uma aceleração do pensamento e da percepção. As novas gerações já nasceram em um mundo onde tudo é absurdamente rápido e as transformações são instantâneas. Elas estão acostumadas com velocidade, algo muitas vezes difícil para as gerações mais antigas acompanharem. 

 

A velocidade da comunicação vem aumentando durante os últimos 200 anos. As notícias chegavam à cavalo, depois de trem, de carro, de avião. Aí surge a Internet e some com o espaço, conectando geografias e deixando apenas o tempo na dimensão física espaço-tempo. Um tempo instantâneo. Algo que acontece em Paris chega no mesmo instante no Rio de Janeiro.

 

Dia e noite já não importam mais, nem o lugar onde você está. Trabalha-se de noite, dorme-se de dia, come-se, diverte-se e vive-se, totalmente dissociado do tempo. As informações chegam a todo instante, os e-mails se acumulam, você não consegue ler todos os artigos, não dá conta de responder todas as mensagens nas mídias sociais. 

 

A vida vai ficando fugaz e gera uma sobrecarga de informações. Se você não acompanha, as pessoas acham que você ou é mal educado ou não consegue trabalhar no ritmo moderno.

 

Estamos vivendo hoje um tempo diferente, onde o futuro avança no presente e o passado fica cada vez mais distante. Esse fenômeno terá implicações importantes sobre o setor de previdência. Em breve veremos a poupança de longo prazo se misturar com consumo de curto prazo e segurança financeira ganhar contornos diferentes dos atuais. Em um mundo no qual a aposentadoria vai se aposentar e ninguém vai parar subitamente de trabalhar, previdência e consumo não farão mais sentido isoladamente e um novo desenho desses termos e de seus conceitos vai se delinear.

 

Vivemos conectados em redes, no celular, no laptop, nos computadores, 24 horas por dia, 7 dias por semana, nunca desligamos verdadeiramente. Vivemos cercado por uma tela, onde quer que estejamos. Deixamos de olhar para o céu e para as estrelas. Grudados em telas, deixamos até mesmo de olhar para a frente e passamos a olhar para baixo, para nossos celulares, enquanto caminhamos distraidamente pelas ruas.

 

Por outro lado, graças ao acesso a informação temos hoje muito mais oportunidades, muito mais escolhas à nossa frente, mas como não podemos fazer tudo, temos que escolher o que fazer com nosso tempo. Temos que decidir que artigo ler, quem amar, que curso fazer. O tempo continua finito. O aumento no número de oportunidades veio acompanhado de um aumento crescente na quantidade de escolhas que precisamos fazer, muitas das quais só terão consequências mais adiante.

 

Vamos presenciando um mundo de soluções rasas, cujas consequências profissionais começam a aparecer aqui e ali. Como a informação precisa chegar de forma rápida, ela acaba sendo fragmentada para privilegiar a velocidade. Com a fragmentação das informações, as pessoas acham que lendo apenas um paragrafo já sabem das coisas, quando na verdade não sabem de nada. Devido a toda essa velocidade as pessoas não adquirem conhecimento e ficam rasas. As decisões passam a ser tomadas sem profundidade, sem análises mais densas. Soluções são baseadas na aplicação de informação e não na aplicação de conhecimento, com consequências previsíveis em diversos setores.

 


Muito se fala do futuro do trabalho, mas pouco se fala da evolução iminente do tipo de contrato social que vigorou por séculos. Temos atualmente um contrato social eminentemente baseado na relação entre pessoas e empresas. O plano de saúde, o plano de previdência, os benefícios, tudo está vinculado ao contrato de trabalho. Isso está prestes a mudar e o único papel da pandemia foi acelerar uma tendência que já vinha se delineando ao longo das últimas décadas. A revolução industrial foi engolida pela revolução dos serviços e essa está sendo substituída pela revolução tecnológica.

 

No mundo pós-Covid-19 o primeiro passo das mudanças será a substituição do contrato de trabalho permanente em tempo integral, por outros tipos de contrato de trabalho. Esse movimento será o começo do enfraquecimento da relação trabalho-empresa e seus impactos sobre os planos de previdência complementar e fundos de pensão já são bem visíveis. O próximo passo será a reinvenção do que chamamos de trabalho, um cenário no qual as empresas como as conhecemos hoje deixarão de existir.

 

Historicamente, o trabalhador que não tinha outra coisa a não ser o tempo de que dispõe, vendia uma parte dele ao patrão e em troca recebia uma remuneração. Nos séculos XVII e XVIII, o trabalho não era algo que dignificava a condição humana. Quanto mais você trabalhasse, menos nobre você seria porque quanto mais tempo livre alguém tivesse, mais tempo para pensar, filosofar, questionar o mundo se teria. O trabalho representava uma perda do tempo valioso e o realmente importante era o ócio criativo conforme muito bem definiu o sociólogo Italiano Domenico De Masi.

 

Na nova era que se avizinha, voltaremos a ter mais e mais tempo livre e o uso do tempo será resignificado. Levamos 1 milhão e meio de anos para viver em média até os 50 anos. Em apenas 100 anos atingimos uma longevidade de 80 anos. Temos hoje quase o dobro de tempo de que dispunham nossos avós. Enquanto o aumento da longevidade for analisado unicamente sob a ótica do trabalho, seus impactos positivos sobre nossa sociedade não poderão ser vislumbrados ... 

 

Vamos parar nesse ponto aqui. Feche seus olhos por um instante. Respire fundo. Fique em silencio. Costas bem retas. Rigorosamente imóvel. Fique atento ao que se passa em sua volta: bem, isso é o presente! Você verá que o presente permanece presente e você está vivendo agora alguns minutos da eternidade. Só você pode se apropriar do seu tempo e se apropriar do seu tempo é viver o presente.

 

O homem deu um salto evolutivo quando entendeu que podia agir no presente para antecipar alguns efeitos do futuro. Está na hora de darmos outro salto, dessa vez, unindo presente e futuro e soltando as amarras que nos impedem de viver melhor hoje diante da imprevisibilidade do amanhã. 


Grande abraço,

Eder.


 

Fonte: Adaptado de trechos do documentário “Quanto tempo o tempo tem”, dirigido por Adriana Dutra e Walter Carvalho, disponível na Netflix.

 



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