De Sāo Paulo, SP.
Durante a maior parte da evolução humana, nossa sobrevivência dependeu da nossa capacidade de reconstruir, de forma precisa, um mundo essencialmente 3-dimensional, a partir da projeção 2-dimensional desse mundo feita em nossas retinas, em nosso sistema visual.
Esse mecanismo de interpretação evoluiu ao longo do tempo para ser inteiramente automático, autônomo e muito além de nossa influência consciente, independente se o input (a imagem) é o mundo real ou um pedaço de papel plano.
Em contraste, a capacidade humana de representar um objeto 3-dimensional fazendo um desenho 2-dimensional, parece ser relativamente recente. O exemplo mais antigo que se tem conhecimento é a pintura de um porco feita há 45.500 anos numa caverna na Indonésia.
Credito de Imagem: Maxime Aubert
Passaram-se outros 44.000 anos até que o uso da perspectiva – representação do mundo 3-dimensional em superfícies 2-dimensionais – surgisse em pinturas. Um dos exemplos mais antigos remonta à Renascença e é atribuído ao afresco “O Dinheiro do Tributo”, pintado pelo mestre italiano Masaccio nas paredes da Capela Brancacci em Florença, por volta do ano de 1426.
Credito de Imagem: Domínio público - Wikipidia - Quadro "O Dinheiro do Tributo"
Do fundo de cavernas às paredes de igrejas, seguidos da onipresente computação gráfica e agora da realidade virtual, o surgimento da perspectiva serviu para desafiarmos milhões de anos de evolução e contornar nossa predisposição natural de vermos o mundo através dos nossos circuitos visuais de processamento autônomo das imagens.
Ao treinar nosso sistema visual para, em determinadas situações, desafiar o mundo natural e considerar que 2D não é diferente de 3D, usamos os padrões e regras da perspectiva linear, porque profundidade e iluminação são simplesmente atraentes demais para serem ignoradas.
Tudo está em nossas raízes evolucionárias
O comportamento humano, frequentemente perplexo e imprevisível, é profundamente influenciado pelos mecanismos biológicos e evolutivos programados em nosso cérebro.
Um desses mecanismos é nossa resposta às oportunidades e à imprevisibilidade das recompensas, uma característica que remonta aos nossos primeiros ancestrais.
Para entender as limitações do uso da educação financeira é preciso compreender a maneira que aquelas respostas se manifestam diante do fenômeno moderno de poupar para o futuro em planos de previdência complementar.
Nossos ancestrais distantes se baseavam na imprevisibilidade das recompensas para sobreviver. A antecipação de uma recompensa em potencial (como encontrar alimento) desencadeava a liberação de dopamina no cérebro, um neurotransmissor associado a prazer e motivação.
Esse sistema era crucial para sobrevivência em um ambiente onde os recursos eram inconsistentes e imprevisíveis.
O componente “oportunidade” desse sistema é simples: a chance de se obter uma recompensa desperta entusiasmo e motivação. O aspecto da “imprevisibilidade”, no entanto, é que realmente chama nossa atenção. Quando a magnitude da recompensa ou o tempo para encontrá-la são incertos, nosso cérebro fica mais engajado procurando aquele fluxo de dopamina.
Credito de Imagem: www.scitechdaily.com
Como isso se manifesta no homem moderno
Um exemplo clássico são as máquinas caça-níqueis. Elas são desenhadas para explorar esse sistema de recompensa, que temos programado em nosso cérebro. A incerteza de ganhar, combinada com pequenas recompensas ocasionais, mantem o jogador engajado, sempre buscando a sorte grande.
Outro exemplo é encontrado em sistemas por aplicativo, como o Uber, que também se aproveitam disso. Para os motoristas, cada notificação de uma nova corrida é uma oportunidade – uma chance de ganhar. A natureza imprevisível (onde a corrida levará e quanto ele será pago) mantem os motoristas presos, constantemente checando o app para a nova oportunidade.
Essa mesma programação do cérebro está por trás da dificuldade que as pessoas têm de poupar para o futuro. Quando confrontados com duas recompensas similares, os seres humanos preferem aquela que receberão mais cedo, do que aquela que obterão mais tarde.
Diante da imprevisibilidade de receber uma recompensa, a oportunidade de recebê-la hoje influencia inclusive em sua magnitude. Como se as pessoas aplicassem um desconto no valor que receberiam e esse fator de desconto cresce em proporção ao tempo da demora. Quanto mais distante no tempo estiver a recompensa, menor o valor que a pessoa estará disposta a receber hoje, ou seja, maior o desconto.
Essa inconsistência nas escolhas intertemporais, que distorce o valor relativo das opções e leva as pessoas a preferirem pequenas recompensas recebidas no curto prazo em detrimento a recompensas maiores recebidas no longo prazo, é conhecida por desconto hiperbólico. Isso porque o desconto que as pessoas tendem a aplicar nos valores, como função da distância no tempo, segue uma curva hiperbólica, daí o nome desse comportamento. Você quer R$ 5 hoje ou R$ 20 daqui a seis meses?
Integrando mecanismos evolucionários na educação financeira
A educação financeira é vista pelos fundos de pensão como bala de prata para levar as pessoas a poupar para aposentadoria. Porém, em seu formato atual, conforme amplamente explicado acima, ela é incapaz de superar limitações desenvolvidas ao longo de milhões de anos de evolução humana.
Para torná-la eficaz - alavancando o engajamento e aumentando a experiência de aprendizado - é preciso usar engenhosamente os princípios de oportunidade e imprevisibilidade, repetidos em ciclos rápidos.
Veja como as áreas de comunicação e relacionamento dos fundos de pensão poderiam se unir à desenvolvedores de e-learning para fazer isso:
1. Recompensas aleatórias pela Participação
Os alunos que participam de palestras, apresentações e cursos online de educação financeira, poderiam ganhar recompensas aleatórias em retribuição a sua participação, tipo, badges digitais, pontos de programas de fidelização (ex.: Livelo e outros) ou vouchers dando acesso a produtos (cofrinhos para os filhos etc.) e serviços (cinema etc.). Por exemplo: contribuir para um fórum de discussões durante um curso, poderia gerar um número imprevisível de pontos, incentivando a participação mais frequente.
2. O elemento surpresa na experiência do usuário
Embutir elementos surpresa no conteúdo das iniciativas, tipo, esconder chocolates (entregar de verdade), vales-almoço em restaurantes conveniados etc. no conteúdo dos cursos, pode aumentar a curiosidade dos participantes alavancando o engajamento. A imprevisibilidade acrescenta uma camada de excitação ao processo de aprendizado.
Da mesma forma que uma máquina caça-níqueis mantém o jogador em expectativa permanente, embutir os elementos “surpresa” (quando) e “imprevisibilidade” (qual recompensa) no aprendizado, engaja o usuário e o faz querer retornar constantemente para ver o que vem depois.
3. Abordagem de games no aprendizado
A gamificaçāo envolve incorporar elementos usados no desenho de jogos em contextos não relacionados a jogos, como educação. Introduzir a progressão de níveis no aprendizado, separando-o em módulos, faz os alunos experimentarem uma sensação de realização e progressão. Espelhar o sistema de imprevisibilidade das recompensas no aprendizado, mantem os alunos engajados e motivados.
4. Ciclos de repetição rápida
Para manter os usuários engajados, o tempo entre as ações e as recompensas, deve ser curto. Os likes e comentários imediatos que os usuários recebem como feedback ao publicarem algo nas mídias sociais, acontecem em ciclos rápidos que reforçam o comportamento e encorajam o usuário a postar com maior frequência.
5. Considerações éticas
É importante usar essas técnicas de forma responsável, considerando as implicações éticas dessas abordagens. O objetivo deve ser aumentar o engajamento e levar ao aprendizado e não manipular as pessoas. Os objetivos de negócio devem ser equilibrados com uma abordagem responsável que não explore as vulnerabilidades psicológicas das pessoas.
Entender as raízes evolucionárias que fazem nosso cérebro ter forte atração por oportunidade e imprevisibilidade, ajuda a explicar por que certos comportamentos como poupar para o futuro são tão difíceis e porque algumas soluções tecnológicas são tão cativantes.
Se no passado os sistemas que levaram o cérebro a funcionar como funciona nos ajudaram a sobreviver, hoje, eles podem levar a comportamentos que têm menos a ver com sobrevivência e mais com busca de prazer e decisões irracionais.
Reconhecer esses padrões de comportamento é só o primeiro passo para explorarmos em nosso benefício os aspetos profundamente arraigados em nossa psicologia, superando a dificuldade de poupar para o futuro.
Foram necessários 89.500 anos para desenvolvermos a capacidade de representar com certa fidedignidade um mundo 3-dimensional em um 2-dimensional. Mesmo cientes, racionalmente, da diferença, continuamos tendo ilusões de ótica, como se a natureza insistisse em nos lembrar que a capacidade de sobreviver é mais importante do que a de enxergar o mundo como ele é.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: “The Evolution of Reward: How Our Brains Keep Us Hooked on Uncertainty and How to Build Interesting Apps”, escrito por Dr. Ernesto Lee.
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