De Sāo Paulo, SP.
Em momentos de grandes mudanças, é fácil priorizar o que é urgente, o comprovado, o fácil de medir, mas isso turva a visão do futuro, é a chamada miopia estratégica.
Passamos décadas construindo os fundos de pensão, trabalhando para torná-los mais eficientes. Criamos um sistema com patrimônio consolidado de R$ 1,3 trilhões, equivalente a quase 12% do PIB.
Nosso segmento de fundos de pensão é maior do que a economia de países inteiros, como a do Equador, Uruguai, Costa Rica, Paraguai e a de vários outros.
Planos de previdência complementar, que começaram do zero, são hoje gigantes com bilhões de reais acumulados. A essência dessa trajetória, tem sido o foco na eficiência, na melhoria da gestão e nos resultados - na estabilidade.
Mas ficar polindo o trabalho de ontem não é útil quando o mundo está se movendo.
Ao focarmos em melhorar a eficiência de nosso planejamento atual, inevitavelmente, perdemos a oportunidade de desenvolver uma nova estratégia para responder às mudanças em curso.
No auge da fama, o Yahoo poderia facilmente ter comprado o Google, um mecanismo de busca que tinha uma visão bem diferente sobre a Internet da época. Ao invés disso, decidiu investir esse $$$ no desenvolvimento do Yahoo Kids.
Anos antes, a Western Union teve a chance de comprar o sistema de telefonia da Bell Labs, mas optou por investir em tornar os telegramas mais baratos e fáceis de usar.
São exemplos de miopia estratégica, que prioriza o urgente, o comprovado, o fácil de medir, que leva as empresas a executar planejamentos estratégicos confiáveis, ao invés de abraçar possibilidades diferentes.
Estratégia não é o mesmo que planejamento estratégico, explica Roger Martin – Prof. da Universidade de Toronto – Canadá, de forma brilhante nesse vídeo abaixo,
Planejamento vem com garantias: “Se fizermos isso, acontece aquilo”. Estratégia, por outro lado, vem com uma advertência: “Isso pode não funcionar”. Estratégia é uma filosofia do “pode vir a ser”, uma oportunidade para se criar as condições necessárias para que aconteçam as mudanças que procuramos realizar no mundo.
Quando a diretoria de um fundo de pensão propõe ao conselho uma estratégia acompanhada de certezas e provas de resultado, o conselho provavelmente receberá uma lista de tarefas e táticas. Isso não é a mesma coisa que estratégia. Falar em estratégia, requer se debruçar em possibilidades.
O fundo de pensão que quiser ser bem-sucedido e evitar a miopia estratégica, precisa seguir alguns princípios.
1. Recuse atalhos
O que transforma um projeto em um novo produto, um novo mercado ou um novo segmento? Uma combinação de conveniência e eficiência. Conveniência ajuda a atender as necessidades óbvias dos clientes existentes. Conveniência coloca o item certo no lugar certo. Eficiência corta custos, automatiza processos, é uma ferramenta de gestão para melhorar resultados.
No entanto, novos projetos que resolvem problemas futuros são sempre menos eficientes que o status quo. Nos primeiros anos a Amazon perdeu dinheiro em quase todo livro que entregou, porque estava plantando as sementes de um novo segmento, de compras online, mais eficiente, que ela apostava que surgiria.
As lideranças, em geral, preferem métricas concretas porque elas são fáceis de mensurar e de simples comparação, mas uma estratégia útil quase sempre começa de modo ineficiente e inconveniente. Estratégias se baseiam na percepção de que aquilo que é desafiador hoje, se tornará mais fácil com o tempo.
Comprar um automóvel era um investimento complicado quando praticamente não havia estradas pavimentadas e postos de combustível eram inexistentes. Os pioneiros da indústria automobilística apostaram que a infraestrutura surgiria na sequência, porque a necessidade de transporte era insaciável.
2. Escolha seus participantes, escolha seu futuro
Miopia estratégica em um fundo de pensão ocorre quando ele não consegue identificar a quem ele deve atender e ao invés disso, foca naquilo que ele busca oferecer.
Um foco tático no curto prazo, baseia-se no passado. Você pode tentar defender os processos e soluções existentes - que já estão funcionando - e trabalhar para maximizar aquilo que você já tem. Ou pode visualizar um novo participante e atender as necessidades dele na medida em que o mundo se transforma.
Os laboratórios do próprio Google foram pioneiros na criação dos modelos de LLM da inteligência artificial, mas a empresa preferiu defender o produto (mecanismo de busca) que já existia. A OpenAI e os demais competidores perguntaram para as pessoas o que elas queriam fazer. Os engenheiros do Google optaram por insistir que as pessoas continuassem fazendo o que eles queriam que elas fizessem.
É preciso humildade para reconhecer que você não sabe o que os participantes sabem, não quer o que eles querem ou acredita no que eles acreditam ... e tudo bem. Mas se um fundo de pensão não está preparado para se mover na direção que as pessoas estão indo, é improvável que os elas adotem aquilo que interessa ao fundo de pensão.
Escolha seu participante, não o tipo de plano que você quer oferecer para ele.
3. Escolha bem sua equipe
Quando a Netflix mudou sua estratégia do aluguel de DVDs para o streaming de filmes na Internet, Reed Hastings, que fundou a empresa em 1997 e Ted Sarandos – Diretor de Conteúdo que virou CEO em 2023, tomaram uma decisão ousada.
Eles não convidaram ninguém da divisão de DVD para as reuniões. Embora aquelas pessoas respondessem por 100% do lucro da companhia, a liderança sabia que as exigências que elas fariam para proteger sua atividade principal fariam com que a nova estratégia falhasse.
Não se pode comprometer o caminho para viabilizar uma estratégia. Estratégias eficazes vem de pequenas equipes e indivíduos perspicazes, não de comitês. Embora seja tentador convidar pessoas com poder no organograma para se juntar ao time de desenvolvimento da estratégia, essa não é uma boa ideia e amplificará as vozes contrárias aos custos irrecuperáveis que fazem parte do processo de desenvolvimento.
Ao invés de pessoas, escolha perfis e atitudes, você precisa de gente ansiosa por construir algo que ainda não existe.
4. Grandes problemas requerem pequenas soluções
O fundo de pensão bem-intencionado, mas míope, busca lançar uma coisa nova que seja tão polida e confiável quanto as soluções já comprovadas.
Mas todo segmento começa com uma solução ineficiente, que mal funciona, atendendo poucos clientes. O difícil está em criar as condições para progredir, não em entregar perfeição. Minha dica? Desenhe soluções para pessoas de renda mais baixa, trabalhadores autônomos, a galera da economia informal, os profissionais atuando como PJ.
Encontre o menor mercado viável, não o maior possível. Se você conseguir encantar 500 pessoas enormemente, a ponto delas te indicarem para os amigos, o sistema começará a mudar.
Gastamos tempo demais em focus groups, estudos de viabilidade, pesquisas de opinião e nem de perto o mesmo tempo colocando as soluções nas mãos das pessoas para elas usarem.
Qualquer fundo de pensão que espere até que um novo produto tenha aceitação comprovada ou uma nova categoria de participantes se mostre um sucesso, permitiu que o medo e o status quo lhe custassem o futuro ...
5. Procure perguntas interessantes, não respostas corretas
Para evitar miopia estratégica no seu fundo de pensão, comece procurando problemas. Problemas demandam soluções, soluções se tornam projetos e eventualmente, projetos se tornam uma nova forma de atuação em previdência complementar.
Por exemplo: Caderneta de Poupança da Caixa Econômica Federal é a resposta para: Qual alternativa as pessoas de baixa renda procuram para poupar? Vinte anos é a resposta para a pergunta: A partir de que idade os jovens da Geração Z estão começando a poupar? Existem perguntas por toda nossa volta, elas nunca acabam.
As perguntas interessantes geralmente surgem quando há agentes de mudança. Sempre que tecnologia ou comunicação mudam, um agente de mudança aparece.
O agente de mudanças pode ser geracional ou uma nova classe de investimentos (ativos digitais) ou uma nova maneira de se comunicar. O agente de mudança causa disruptura no sistema, cria problemas novos e gera oportunidades.
Em retrospectiva, a maioria das perguntas parece óbvia. “Como a Internet vai mudar a maneira que as pessoas compram produtos”? Que tipo de plano pode substituir o plano de benefício definido? Fazer a pergunta abre a porta para achar a resposta.
Estudos mostram que a liderança, tipicamente, gasta menos de um dia por mês trabalhando e discutindo a estratégia da organização - em fundos de pensão, menos ainda. A razão mais provável: É mais fácil acompanhar o planejamento, focar na performance e monitorar o compliance.
Estratégia passa a sensação de coisa abstrata, diante de “trabalho real, concreto” que precisa ser feito agora mesmo.
Porém, como muitos estrategistas têm alertado ao longo dos anos, se o seu fundo de pensão estiver caminhando na direção errada, a velocidade que ele está indo não tem a menor importância.
Grande abraço,
Eder.
Opiniōes: Todas minhas | Fonte: “How to Avoid Strategy Myopia”, escrito por Seth Godin.
Nenhum comentário:
Postar um comentário