Dentro de poucos anos, os serviços prestados através da rede mundial de computadores, a Internet, serão governados de modo autônomo.
Os serviços serão propriedade de uma comunidade de pessoas e serão controlados através de um sistema de governança digital, sem empresa, sem conselho, sem CEO, um algoritmo vai controlar tudo.
Nessa estrutura, o algoritmo aprova ou rejeita as atualizações propostas de acordo com o alinhamento delas com o proposito pré-programado da organização, um software que roda na web.
O token, a remuneração do sistema, funciona como um incentivo para os usuários e estes atuam como se fossem a própria força de trabalho.
Essa é a visão de governança de Dominic Williams, fundador e Chief Scientist da “The Dfinity Foundation”, uma visão que faz bastante sentido, considerando as possibilidades permitidas por novas tecnologias.
A abordagem já vem sendo usada em serviços abertos na Internet, como o ‘Hot or Not’ modelado no TikTok.
Um novo modelo de liderança
Para a maioria das pessoas quando se fala em “anarquismo”, vem a mente cenas de caos, de desordem, de bagunça, talvez de um grupo de hippies num festival de rock no deserto.
A palavra anarquia não significa “sem ordem”, mas sim “sem governante”. A historiadora Sophie Scott-Brown, uma autoproclamada anarquista, desmistifica, reformula e explica a razão do anarquismo ser um conceito aplicável na prática para fortalecer as democracias liberais contemporâneas, que vem andando de lado e retrocedendo no mundo todo.
O conceito de anarquismo discutido por Sophie é pacifista, centrado na democracia direta, nas pessoas, em comunidades, não o anarquismo que se opõe, inerentemente, a toda e qualquer forma e estrutura de liderança.
“Quando se olha para esse tipo de ideia as noções de liderança e autoridade tomam outras formas, representam desafios diferentes. As pessoas assumem que no anarquismo, por definição, não pode existir liderança nem alguma forma de autoridade ou até não existir uma organização, por isso as pessoas têm medo e acham que é algo a ser evitado”, explica Sophie.
Ela aborda algo crucial. “Não existe nenhum problema com a liderança em si, mas há algo errado quando essa liderança se torna permanente, se torna institucionalizada”, completa Sophie.
Colin Ward em seu livro “Anarchy in Action” (Anarquia em Ação, em tradução livre), fala sobre como em nossas vidas cotidianas, em casa, entre amigos, em família, estamos constantemente negociando e discutindo o que vamos fazer, como vamos fazer, aonde vamos fazer, sem precisar apontar uma forma permanente de liderança para atingir nossos objetivos.
Não é necessário chegar a um consenso completo sobre uma coisa. Às vezes alguém tem conhecimento maior sobre determinado assunto ou domina um aspecto em particular do que se quer fazer. As pessoas ouvem e seguem aquela opinião porque é mais fácil, serve de guia, facilita as coisas.
O mais importante é que isso não se torna algo permanente, quando a situação muda - mudança é o fator mais importante nesse conceito - o conhecimento muda e outra pessoa estará em posição melhor para assumir esse papel. Essa é a nuance de liderança que esse conceito, que eu chamaria de anarquismo digital, pode agregar.
A liderança, a autoridade nas empresas, vêm sendo exercida ate hoje por grandes estruturas centralizadas – o conselho e a diretoria executiva – que controlam a tudo e a todos.
Graças a tecnologia, esse tipo centenário de liderança, assim como a própria organização industrial, está a um passo de ser substituída por uma mistura da governança automatizada descrita por Dominic Williams com o conceito de liderança anárquica defendida por Sophie Scott-Brown.
Um antídoto contra a distorção da realidade dos mercados
A opinião pública levou um choque em junho de 2020 quando a Wirecard, uma gigantesca fintech alemã, entrou em colapso em meio a um estrondoso escândalo de fraudes, enviando ondas de choque para os mercados globais.
Para surpresa dos observadores alemãs e internacionais, descobriu-se que os executivos da Wirecard estavam metidos diretamente na falsificação de contas, adulteração do fluxo de caixa, subsidiarias fantasmas, pagamentos via empresas de fachada, lucros forjados e uma obscura dívida de €$ 3,5 bilhões.
Um documentário recente da Netflix acompanhou os passos do repórter Dan McCrum, do Financial Times (FT), em sua investigação para revelar o esquema da Wirecard. O momento do “aha” aconteceu quando McCrum e seus colegas do FT apareceram num endereço de uma suposta subsidiaria em Singapura e descobriram que se tratava de uma fazenda.
Por trás da estrutura opaca da Wirecard não havia nada: nenhuma conta corrente, nenhum escritório, nenhum dinheiro. A maior parte dos alegados negócios da empresa simplesmente não existia.
Mas afinal o levou tanta gente, inclusive empregados e vítimas, a acreditar em promessas de retornos estratosféricos mesmo diante de nuvens obscuras pairando no ar? Como foi possível um banco listado na DAX-30 (as 30 cias abertas de maior performance na Alemanha), que contava com o apoio da própria Ângela Merkel – ex-chanceler alemã, ser uma grande pirâmide financeira?
A explosão do sistema financeiro em percentual da economia real nas últimas décadas foi acompanhada pari-passu pelo aumento exponencial das fraudes.
As fraudes financeiras não sāo um desvio em um sistema essencialmente racional, mas sim uma janela pela qual enxergamos uma distorção na realidade dos mercados.
As fraudes acontecem, muitas vezes, com auxílio de órgãos reguladores, agencias de classificação de riscos e firmas de consultoria, que consolidam essas distorções da realidade através de ações ou de inação.
Do escândalo da Enron no início dos anos 2000 ao esquema de pirâmide de Bernie Madoff – ex-presidente da Nasdaq (a maior fraude da história) passando pelo recente esquema da FTX no mercado de cryptomoedas, a realidade vem sendo distorcida, tornando indistinguíveis a falsa verdade dos fatos verdadeiros.
As fraudes são parte de uma história maior que está se desenrolando diante de nossos olhos, longe dos pregões e das salas dos conselhos de administração: a natureza, a governança e a preocupaçāo com a realidade das empresas.
De certo modo essa preocupação é alimentada por startups, big techs e “tudo techs”, que alavancam seu valor financeiro por meio de inovações ostensivamente apoiadas em promessas futuras, criando ameaças existenciais através da produção de realidades simuladas.
Quer exemplos? O lançamento do metaverso pelo Facebook, uma promessa de revolucionar o mundo do trabalho e nossas vidas cotidianas, que não conseguiu ir além de um mundo restrito, habitado por avatares, criticado como sendo uma tentativa de afastar o foco dos enormes problemas jurídicos da empresa.
Ou o lançamento mais recente pela OpenAI de ferramentas como o ChatGPT e DALL-E, que intensificaram as preocupações sobre a capacidade da inteligência artificial resolver problemas reais, ao invés de problemas fabricados.
Muita gente impressionada com o realismo da IA tem usado essas soluções em seu trabalho diário, mesmo com a OpenAI admitindo que seus modelos de linguagem (large language models) sofrem do que vem sendo chamado de problemas de alucinação ou hallucinatioon em inglês: tendencia de trapacear, incorporando fatos fictícios em suas respostas, quando o usuário pergunta algo que ela não sabe.
A linha borrada entre fatos autênticos e falsos está refletida em todo lugar, das mídias sociais aos balanços das empresas e os meios que tínhamos para buscar e identificar a verdade vem sendo desmantelados.
Na medida em que esse estado de confusão e dúvidas vai tomando conta de nossas vidas, nossa capacidade de distinguir fatos de ficção vai enfraquecendo.
Nesse mundo, no qual o governo divulga números de crescimento do patrimônio dos fundos de pensão brasileiros como se a previdência complementar corporativa estivesse crescendo, tudo parece “quase verdade” e nada parece “totalmente mentira”.
É nesse mundo que a Governança Automatizada e a Liderança Digital caem como uma luva para pavimentar nosso caminho em direção a um futuro melhor
Grande abraço,
Eder.
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