De Sāo Paulo, SP.
O Presidente Joe Biden decidiu bloquear a Rússia no uso da Society For Worldwide Interbank Financial Telecommunications (SWIFT). Se você já teve que mandar ou receber dinheiro de um banco do exterior, você sabe o que é o SWIFT.
O SWIFT tem sido o principal meio pelo qual as trocas comerciais acontecem no mundo todo. É o método usado para transferir dinheiro da conta bancária de um comprador, de determinado país, para a conta de um vendedor, em outro pais.
Porém, em retaliação pela invasão da Ucrânia os EUA decidiram impedir que a Rússia, um dos maiores usuários do SWIFT, faça uso dele o que viola, inclusive, uma das regras básicas do SWIFT, que é permitir negócios justos e imparciais.
Se você quer entender a importância do SWIFT para o comercio internacional e o papel vital que ele desempenha para as trocas comerciais americanas, precisamos contar a história desde o início.
Tudo começou em 1973 com a Guerra do Yom Kippur, entre Israel e seus vizinhos árabes, principalmente, Egito e Síria.
Os EUA apoiaram Israel enviando armas, equipamentos e fornecendo apoio tecnológico. Isso enfureceu o Rei Faisal da Arabia Saudita, que exportava diariamente 700 mil barris de petróleo para os americanos.
O óleo saudita era vital para os gringos, cuja produção declinante era insuficiente para abastecer o mercado interno.
O Rei Faisal e a jogada de mestre de Henry Kissinger
Faisal bin Abdulaziz Al Saud, ou simplesmente Rei Faisal, viu no petróleo uma “arma" que poderia usar para ajudar seus colegas árabes.
Em outubro de 1973 o Rei, que era também Presidente da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) anunciou que os países produtores interromperiam a exportação de petróleo para os Estados Unidos e para outros sete países que estavam apoiando Israel.
Como era de se esperar, o boicote da OPEP causou escassez significativa de combustíveis nos EUA, onde longas filas logo se formaram nos postos de gasolina, um racionamento foi iniciado e o caos se instalou.
Coube a Henry Kissinger - Secretário de Estado americano - marcar uma reunião com o Rei Faisal para tentar um acordo, qualquer acordo. Agora imagine Kissinger, um judeu, tendo que sentar-se com um dos mais duros negociadores do mundo e notório antissemita, depois de ter dado apoio ao pior inimigo dele.
A despeito da baixa probabilidade Kissinger foi capaz de costurar um dos acordos diplomáticos mais geniais de todos os tempos.
A parte que nem todo mundo sabe, implícita no acordo, foi o sinal verde para a OPEP aumentar o preço do barril, mas com uma reviravolta significativa, o petróleo teria que ser precificado em dólares e as transações de compra e venda teriam que ser feitas através do recém-criado sistema SWIFT.
No final das contas, Faisal conseguiu a paz e um preço maior para seu petróleo, enquanto Kissinger acabara de transformar os EUA no “banco do mundo”, com o petróleo precificado em dólares e as transações dependendo do sistema SWIFT.
Foi aí que surgiu o termo “petrodólares” e foi a partir daí, também, que o dólar se tornou a jóia da coroa das transações comerciais americanas, baseadas no SWIFT. Apesar do SWIFT ter sede na Bélgica, depende totalmente dos EUA pois a maioria das transações é feitas na moeda americana.
O episódio ficou conhecido em Wall Street como: o Rei definiu o “preço”, mas Kissinger definiu os “termos” (da compra).
O SWIFT tornou tudo mais fácil
Esse foi o fator que, isoladamente, mais contribuiu para a dominância americana no comércio e no sistema financeiro mundial ao longo dos cinquenta anos seguintes.
Sem o SWIFT os EUA provavelmente não teriam sido capazes de comprar bens de consumo da Ásia, petróleo do Oriente Médio, produtos agrícolas da Europa Oriental ou máquinas e equipamentos da Europa Ocidental.
Sem um meio confiável e conveniente para pagar no exterior pelos bens e serviços, os EUA como gigante comercial provavelmente não existiriam.
Acontece que o acordo costurado por Kissinger foi muito além do comércio. Ele criou o “Banco do Tio Sam”. Os títulos do tesouro americano se tornaram a maneira mais conveniente para os países manterem suas reservas entre as compras e vendas.
Ao invés de transferir o dinheiro de volta para o país de origem, entre uma transação e outra, por que não deixar depositado nos EUA ou em algum outro pais membro do SWIFT? Deixando o dinheiro em títulos do governo americano, em dólares, evita-se o risco da variação cambial.
Isso criou um vasto pool de capital que financiou o crescimento da economia dos EUA na medida em que o Sistema SWIFT facilitou que os países transferissem fundos para o Tesouro Americano.
Conforme costumava dizer o “Head de Investimentos” da Fidelity: “quanto mais fácil for para as pessoas retirarem o dinheiro delas, mais chance elas têm de querer investir com você”.
Ao longo dos últimos 50 anos o SWIFT cresceu e se tornou um sistema dominante, com 11.000 bancos, sem contar outros tantos bancos e corretores associados. Quase 80% de todas as transações financeiras globais fluem através do Sistema SWIFT, considerado confiável e seguro.
Acima da mesquinhez de governantes e de atos muitas vezes irracionais entre países, brigas políticas e guerras não interferem no funcionamento do SWIFT. Índia e Paquistão trocaram fogo de artilharia, o Taliban invadiu o Afeganistão, a Somália entrou em guerra civil, tudo isso foi irrelevante para o SWIFT.
As transações entre todas aquelas partes, continuaram sendo honradas.
A aposta de Biden, aparentemente, pode dar ruim
Biden mudou tudo isso com suas “sanções” aos bancos Russos. Insistiu e conseguiu expelir do Sistema SWIFT os sete maiores bancos da Rússia.
O SWIFT só exclui bancos membros uma vez na vida, durante a revolução Iraniana quando os bancos do país nem usavam o sistema e serviu mais de gesto simbólico.
Ao tornar o SWIFT uma arma política, os americanos e europeus pretendem claramente cortar os laços da Rússia com o sistema financeiro e de comércio mundial, tornando impossível aos Russos venderem seu petróleo, gás natural e produtos agrícolas para o exterior.
A intenção de isolar a Rússia do resto do mundo está causando efeito oposto. As sanções foram vistas como uma ação perniciosa e injustificada que vai contra os valores fundamentais do SWIFT.
De repente, o SWIFT deixou de ser o sistema imparcial e objetivo que o mundo pensava ser. Agindo de forma partidária e direcionada politicamente para prejudicar um país membro, Biden está ordenando que o SWIFT viole normas e convenções internacionais básicas.
Encontro dos BRICs em 2023
Lembra dessa foto acima? Os BRICS - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, se revoltaram e começaram a falar de uma moeda comum para trocas comerciais. Iran e Arabia Saudita já disseram que também querem aderir.
Fim de semana passado começou a operar a Shanghai Petroleum and Natural Gas Exchange (Bolsa de Petróleo e Gás Natural de Shangai), colocando o último prego no caixão do “petrodólar”.
Meio século atrás, numa jogada inteligentíssima, Kissinger tirou os americanos do sufoco, interrompeu um futuro de baixo crescimento econômico e altos preços de energia e criou o petrodólar, que evoluiu para um sistema de reservas financeiras soberanas, consolidou o dólar como padrão global e levou ao mais longo período de crescimento econômico dos EUA.
Joe Biden começou a descontruir tudo isso ao anunciar que o Sistema SWIFT estaria sujeito a aprovação dos EUA. Uma pura demonstração de força, uma que Biden vai perder e levar junto o status do dólar como moeda das trocas comerciais mundiais e das reservas soberanas.
Fica a lição para os fundos de pensão, as vezes basta uma única decisão ruim para levar absolutamente tudo para o buraco ....
Grande abraço,
Eder.
Fonte: “President Biden Gambled Away Our Commercial Crown Jewel”, escrito por David Revill.
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