De São Paulo, SP.
Desesperados para permanecer relevante numa economia cada vez mais digital, os fundos de pensão no mundo todo vêm adotando soluções, otimizando processos e melhorando a gestão, impulsionadas muito mais por FOMO ao adotar as novas tecnologias, do que pela busca de uma transformação efetiva.
FOMO é um acrônimo em inglês que significa Fear Of Missing Out, em tradução livre seria algo como “medo de perder o bonde”
Os fundos de pensão, seja no Brasil, no Reino Unido, nos EUA, na Suíça ou na Holanda, têm experimentado de tudo, desde a disponibilização das informações sobre o plano na palma da mão do participante até o reconhecimento facial no processo de prova de vida do aposentado, numa interpretação do que a transformação digital chegou para fazer.
Não obstante, muitos participantes nos quatro cantos do mundo ainda se veem perplexos ao chegaram à aposentadoria sem o conforto de uma efetiva segurança financeira, mesmo tendo passado a vida toda contribuindo para isso.
Nem mesmo participantes de planos de benefício definido se sentem protegidos hoje porque numa era de profundas transformações, como colocou de forma brilhante o ex-ministro da fazenda Pedro Malan ao falar de ações judiciais no Brasil, “até o passado é imprevisível”.
Planos BD baseados no sistema mutualista, que deveriam cultivar o senso de comunidade, conexão e colaboração, alavancando o individuo com a força do “todo”, podem ser varridos do mapa da noite para o dia com a quebra da patrocinadora, algo cada dia mais comum, entregando cada participante a sua própria sorte. Mesmo nos poucos países onde o governo assume o plano em caso de falência da empresa, como nos EUA onde existe o PGBC – Pension Benefit Guaranty Corporation ou no Reino Unido onde há o PPF – Pension Protection Fund, a continuidade de pagamento dos benefícios de aposentadoria é limitada a certo valor por mês, não muito alto.
Planos CD caminharão rapidamente para o mesmo destino, por vários motivos. Primeiro, porque a equação que alavancava a acumulação baseada em retornos financeiros razoáveis está ficando cada vez mais difícil de fechar, com a voracidade das taxas de administração antes pagas pelas empresas, comendo cada vez mais os retornos que por sua vez também vem diminuindo. Segundo, porque a partir de determinada idade as pessoas são enxotadas do mercado de trabalho e as contribuições que faziam com contrapartida da empresa são interrompidas ou diminuem drasticamente, afetando a acumulação. Terceiro, porque a longevidade está fazendo as pessoas sobreviverem às suas poupanças previdenciárias.
As organizações que conseguirão evitar a disruptura são as que vem criando novos modelos de negócios, por uma razão simples, todos os negócios desenvolvidos para a era analógica serão incapazes de sobreviver na era digital. Só que a maioria tem uma percepção errada do que é transformação digital e ao invés de construir um novo modelo de negócios, com novos produtos, novos canais, novos sistemas, para uma nova geração de consumidores, está apenas substituindo sistemas legados (antigos) e usando a tecnologia para tentar fazer crescer o negocio atual e a base atual de clientes.
No slide abaixo uma lista das 10 maiores empresas por capitalização de mercado nos EUA em 2008, 2015 e 2019. Em 2019 continuaram na lista apenas quatro empresas que apareciam na lista de 2008 mostrando que uma nova economia chegou.
Há executivos corporativos demais concebendo o que deveria ser o fundo de pensão do futuro e profissionais de previdência complementar e órgãos que traçam políticas governamentais, de menos. Precisamos de uma reconciliação entre os objetivos de negócio das empresas, as necessidades de segurança financeira dos indivíduos e os benefícios disso para a sociedade como um todo.
Ao vernos emergir uma infinidade de novas tecnologias, do blockchain à web 3.0, do metaverso aos tokens não-fungíveis (NFTs), das organizações autônomas descentralizadas (DAOs) às cryptomoedas, temos diante de nós uma oportunidade única para criar e tornar realidade uma previdência complementar mais aberta, inclusiva e financeiramente mais segura para todos.
Precisamos engajar os indivíduos através de experiencias de poupança que tenham impacto mais amplo e agreguem valor real à vida das pessoas, estabelecendo uma conexão mais profunda entre o investimento da poupança de previdência complementar e propósitos pessoais, entregando de volta muito mais do que apenas retornos financeiros, entregando também aquilo que é o desejo legitimo dos indivíduos: viver num mundo melhor no futuro.
Os executivos do mundo corporativo que se sentam nos conselhos dos fundos de pensão e os tecnocratas governamentais a quem cabe definir políticas publicas, parecem não entender o impacto da economia digital sobre os fundos de pensão, no longo prazo.
Persiste hoje uma visão equivocada sobre os planos corporativos de previdência complementar, de que as pessoas trabalharão em empresas (ainda que várias delas) por muitos e muitos anos, continuarão parando totalmente de trabalhar ao atingirem determinada idade, de que devem participar do plano os empregados com vínculo empregatício tradicional - permanente, na folha de pagamentos, por tempo indeterminado – e que o dinheiro dos participantes deve ser investido com a visão de mundo de um grupo limitado de pessoas.
Mas se você pensa que depois dessa pandemia, daqui a cinco ou dez anos, as empresas vão continuar existindo da maneira que existem hoje e que a Gen Z e a Gen Alpha vão buscar segurança financeira através dos fundos de pensão que não se reinventarem, você está enganado. Gen Z e Gen Alpha já estão piscando os faróis e pedindo passagem para os Millenials (GenY) e a visão de mundo deles não bate com a visão de mundo dos conselhos deliberativos atuais.
Na economia digital, segurança financeira de curto e de longo prazo serão indistinguíveis e as opções de investimento, pagamento, poupança e gasto serão tão abrangentes, que a interação entre esses dois mundos ocorrerá sem fricção.
As pessoas que trabalham hoje em dia no segmento de fundos de pensão e isso vale para quem trabalha no governo também, precisam se dar conta de que não se pode seguir repetindo aquilo que era feito no passado e achar que vai continuar dando certo. A economia digital vai trazer as maiores transformações que o mundo já viu, mudar o segmento de previdência complementar requer criatividade, imaginação e visão de futuro.
Isso significa que é preciso sair da zona de conforto, mas a maioria das empresas que patrocina fundos de pensão não quer fazer isso. A esmagadora maioria dos executivos e profissionais que trabalha no mundo corporativo e dos tecnocratas que atuam nos governos, é treinada para manter o status quo, seguir processos, seguir o fluxo de trabalho, jogar o jogo jogado.
Mas a economia digital não tem a ver com essa segurança, tem a ver com todo um novo sistema financeiro, uma nova estrutura corporativa e um novo contrato social. Por isso as empresas estão sendo incapazes de construir o futuro dos fundos de pensão.
A cryptoeconomia ou economia da cryptografia é hoje um espaço muito volátil e de alto risco, mas a revolução digital está acontecendo e nesse exato momento os ativos digitais já são uma realidade. Estamos basicamente no momento zero, no big-bang da economia digital, por isso a aversão ao risco está turvando a visão das pessoas sobre o que virá pela frente.
Em termos simples, estamos nos deslocando e afastando de um paradigma centenário, caracterizado pelo modelo corporativo industrial, no qual as pessoas eram ensinadas a obedecer, aprendiam um ofício, trabalhavam para uma empresa de segunda a sexta, no horário de 9-5, participavam passivamente do plano de previdência corporativo, se aposentavam e ficavam em casa sem ganhar dinheiro, apenas gastando o que juntaram a vida toda com a garantia (rendas vitalícias) de que não sobreviveriam a sua poupança previdenciária.
Na economia digital esse velho e desgastado paradigma muda radicalmente. As pessoas aprendem a pensar, são incentivadas a empreender, nunca param de assimilar novas competências, trabalham para várias empresas ao mesmo tempo, na hora que quiserem, de onde quiserem, montam o seu plano de previdência como quiserem, decidem onde e como investir, misturam filantropia com retornos, alinham seus propósitos aos seus investimentos, diminuem ou aumentam o ritmo de trabalho de acordo com suas necessidades, gastam e ganham dinheiro a vida toda e ... não se aposentam mais.
O mundo digital tem tudo a ver com o protagonismo do individuo, em assumir seu próprio destino, em desenvolver suas criações e deter a propriedade intelectual delas, colaborando com os outros em comunidades abertas. A tecnologia vai transformar o modo que os negócios funcionam, vai nos afastar do modelo corporativo, no qual tudo girava em torno das empresas, no qual você era o “fulano da empresa X”, algo que está terminando praticamente junto com o cartão de visitas.
Nessa nova era, as pessoas se reunirão em torno de comunidades para resolver colaborativamente os problemas, investindo de forma conjunta em projetos, trabalhando naquilo que acreditam e lhes fornece proposito, ou seja, bem diferente de como as coisas funcionam hoje.
As mulheres ganharão preponderância, não porque nos conscientizamos da importância da igualdade de gênero no mercado de trabalho, mas porque diferentemente de todas as outras épocas da história humana, marcadas por competição, a nova realidade é caracterizada por co-criação, colaboração e espírito comunitário, áreas em que elas nadam de braçada por natureza.
E talvez, ironicamente graças a tecnologia, as pessoas por meio de avatares (tipo eu no Reddit, figura abaixo) poderão se expressar no mundo digital sem que interesse sua origem, através de conexões digitais genuínas que transcenderão raça, religião, gênero, orientação sexual ou qualquer outro tipo de diferença ou divisão que hoje segregam as pessoas no mundo real. Daqui a várias décadas, as pessoas se unirão em torno de causas e interesses comuns.
Claro que vai haver fricção para atuarmos dessa forma completamente nova. Essas transformações não estão acontecendo por causa da tecnologia, elas estão acontecendo graças a tecnologia, induzidas por mudanças sociais e na forma como vemos o mundo, igualmente profundas.
O Conselho Deliberativo do seu fundo de pensão já se perguntou: “Para onde vamos?
O termo Qvo vadis? No titulo desse artigo é uma frase latina que significa "Para onde vais?" ou "Aonde vais?". Um trecho do evangelho apócrifo conhecido como "Atos de Pedro" (Manuscrito Vercelli XXXV), narra o episódio no qual, ao fugir de uma provável crucificação em Roma, São Pedro encontra Jesus ressuscitado e pergunta: Qvo vadis? E Jesus responde: Romam vado iterum crucifigi ("vou a Roma para ser crucificado de novo"). Prontamente Pedro ganha coragem para continuar seu ministério e acaba por se tornar um mártir após ser crucificado com a cabeça para baixo.
Grande abraço,
Eder.
Fonte:'Not About Playing It Safe': Krista Kim on How Artists Inspire the Metaverse, entrevista transcrita por Leah Callon-Butler.
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