segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Estamos em uma nova era, seu fundo de pensão está preparado?















De São Paulo, SP.

Anos 90, curso de mestrado profissional de administração da FGV – EAESP, primeira aula de Tecnologia da Informação. O professor entrou na sala e disse: “anotem aí, eu não sou sapo”.

Meio surpresos, meio curiosos, ninguém disse nada. Nem precisou, ele logo explicou: sapos são pecilotérmicos, também conhecidos como animais de "sangue frio", adaptam a temperatura do corpo à temperatura ambiente, não percebem mudanças lentas de temperatura, notam apenas mudanças bruscas. Se você jogar um sapo numa panela com água fervendo ele vai pular, mas se você colocar o sapo numa panela com água fria e aquecer lentamente até ferver ele não vai perceber e morrerá cozido, com um grande sorriso no rosto.

Se essa história é mito ou verdade, não importa, o que vale é que aquela foi uma das melhores cadeiras do curso e ali aprendemos a monitorar indicadores para, através deles, antecipar tendências futuras e não sermos surpreendidos pelas mudanças. Afinal, as transformações não constam nos calendários nem tem datas pré-definidas e uma nova era não é precedida de anúncio formal nas mídias sociais.

As grandes transformações tecnológicas que levaram à revolução industrial começaram por volta de 1760, bem antes de 1800 e esta só “explodiu” e foi totalmente percebida na Inglaterra, durante o reinado da Rainha Victoria, que se iniciou em 1837.

Apesar de ser difícil estabelecer com precisão uma data específica, é fato que uma nova era já chegou e com ela está emergindo uma onda de empresas cuja organização e gestão serão bem diferentes daquelas vigentes até aqui.

Muitos acham que ainda é muito cedo para dizer como essas novas organizações funcionarão e tem dificuldade para antecipar o impacto que os novos modelos de negócio terão na força de trabalho e nos fundos de pensão atuais.

Bem, se aprendi alguma coisa com o Fernando de Souza Meirelles, aquele professor da FGV que mencionei ali em cima, para antecipar muito do que deverá ocorrer com os fundos de pensão, precisamos olhar para o contexto que vem moldando os negócios do Século XXI.

Pode até parecer que as transformações surgem de uma hora para outra, mas não é bem assim. Apenas para citar um exemplo, em 1985 quando ainda estava na faculdade fiz um curso de IA - Inteligência Artificial, no Laboratório de Computação Científica da UFRJ. Apesar de todos os avanços e mesmo depois de 35 anos, a IA ainda está na sua infância. O mesmo vale para a revolução tecnológica, para as transformações sociais e para tantas outras descobertas que vêm dando forma ao mundo atual e ao mundo corporativo em particular.

É verdade que muitas das forças que tem criado novas oportunidades – inovações, tecnologias, globalização, mudanças de hábitos e costumes – já estavam em movimento na virada do milênio. O efeito dessas forças, porém, só agora começa a ficar mais claro. Os desafios gerados pelas mudanças, que não tem precedentes na história humana, não estavam no radar das empresas na virada do ano 2000, quando a maior preocupação, por incrível que pareça, era o “bug do milênio”.

Inúmeras são as forças afetando os fundos de pensão, começando pelos contratos de trabalho - meu sogro fez carreira no Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington. Integrou o quadro de funcionários do banco por 35 anos e se aposentou no final dos anos 90 com um belo plano de benefício definido e assistência médica vitalícia. Naquela altura, ali por volta de 1997, o BID já estava migrando de contratos de trabalho permanente para contratos temporários, com duração de 2 anos, renováveis a cada dois anos. Todos os organismos internacionais, da ONU ao FMI, do Banco Mundial à OEA, adotam atualmente contratos temporário para a maior parte de sua força de trabalho. Sem falar na instabilidade que um contrato de trabalho temporário carrega, os empregados regidos por vínculos temporários não têm direito a planos BD nem à planos de saúde vitalícios. Na sequência da reforma trabalhista que tivemos aqui no Brasil, não vai demorar muito (estimo uns 3 anos) para as empresas adotarem, em larga escala, contratos de trabalho temporário, contratos via pessoa jurídica e outras modalidades previstas na legislação. Esse movimento vai afetar os fundos de pensão, cujos planos são voltados para empregados com o tradicional contrato de trabalho permanente.

Outra força que não pode ser desprezada, porque afeta diretamente a poupança previdenciária, é a estagnação ou queda da renda, por enquanto apenas nos países desenvolvidos. Entre 2005 e 2014 a renda real caiu ou não aumentou em cerca de 70% das famílias dos países ricos. Apesar da prosperidade, a desigualdade vem aumentado nesses países. Na semana passada publiquei um post no LinkedIn comentando sobre um movimento para mudar o PIB como indicador de crescimento econômico dos países, porque apesar do PIB estar crescendo em muitos deles, a renda da maioria está indo na direção inversa. A tecnologia está acelerando a desigualdade entre empresas, cidades e regiões. Cerca de 10% de todas as empresas (não apenas as de tecnologia) respondem em média por 80% do lucro econômico. O surgimento de novas potências econômicas entre os países vai criando rivalidades geopolíticas e geotecnológicas, vai rompendo as cadeias de suprimentos, mudando o equilíbrio das trocas comerciais e redistribuindo a criação de valor entre as empresas. A guerra comercial China-EUA foi apenas a face mais visível daquilo que já vem acontecendo lentamente ao longo das últimas três décadas, um movimento que vem tirando do mercado muitas empresas tradicionais e provocando fusões e aquisições em larga escala.

A retomada do crescimento econômico no Brasil vai mostrar se esse padrão de estagnação salarial com crescimento do PIB também ocorrerá por aqui, o que não será surpresa se acontecer porque tem relação direta com as mudanças tecnológicas nas empresas. A reforma da previdência social vai fazer com que muitos profissionais na faixa etária acima de 45 a 50 anos tenham uma redução em suas rendas. As regras de transição forçarão esses profissionais a permanecerem por mais tempo num mercado de trabalho refratário a trabalhadores mais velhos. Expelidos pelas empresas, terão que se submeter a ocupações com rendas inferiores e eles são muitos, a população está envelhecendo lembra? Além disso a reforma diminuirá a renda de aposentadoria oficial porque a forma de cálculo passou a considerar os salários da carreira inteira e é improvável que as empresas compensem essa perda em seus planos de previdência complementar.

A eliminação da renda vitalícia e a adoção dos planos de previdência corporativos do tipo contribuição definida, já vinham deslocando para os participantes grande parte da responsabilidade pela poupança de aposentadoria. A redução da renda e a postergação da aposentadoria deverão agravar esse quadro, a menos que os fundos de pensão ofereçam soluções criativas para essa nova realidade.

O que mais? Os impactos da tecnologia sobre os empregos. As inovações, que vem afetando não apenas um ou outro setor, mas todos os aspectos da vida moderna, são hoje essenciais para a performance de qualquer empresa. Muito além da privacidade dos dados e dos crimes cibernéticos, tecnologias como inteligência artificial, robótica, transporte autônomo e automação acelerada, vem gerando ansiedade crescente nas pessoas e são motivos de profunda preocupação dos trabalhadores em função de seu potencial de deslocar do mapa a força de trabalho. Um impacto bastante óbvio das novas tecnologias tem sido a redução no tamanho das organizações. Costumo citar alguns exemplos, como o da VW, que chegou a ter mais de 110 mil funcionários no Brasil e hoje tem cerca de 15 mil. O processo de manufatura foi o mais afetado pela substituição da mão-de-obra pela automação e novos meios de gestão (terceirização etc.), mas na medida em que o mundo se digitaliza o setor de serviços vai passando pelo mesmo fenômeno. O Instagram surgiu em outubro de 2010 e quando foi vendido para o Facebook por US$ 1 bilhão, em 2012, tinha apenas 13 funcionários. O Whatsapp surgiu em 2009 numa salinha no Vale do Silício e foi vendido por US$ 29 bilhões em 2014, também para o Facebook, tinha 55 funcionários. Exceto pelas gigantes da tecnologia, como Google, Facebook, Amazon e algumas outras, a esmagadora maioria dos setores econômicos tem visto as empresas diminuírem de tamanho. O oxigênio dos fundos de pensão é escala, mas vai se tornando difícil respirar em um ambiente que a cada dia vê cair o número de empregados. Há solução para isso, mas o formato dos fundos de pensão precisa mudar.

Outra grande força transformadora, até aqui menosprezada pelos fundos de pensão ao redor do mundo, surgem das mudanças de atitude de uma geração cuja voz é cada vez mais influente na sociedade. Esses jovens, que estão às vésperas de compor o mercado de trabalho do futuro, esperam – na verdade, demandam – que as empresas parem de fazer “purpose washing” e partam para realmente adotar a diversidade, inclusão e sustentabilidade em suas operações. A preocupação crescente dessas novas gerações com o meio ambiente e com as ameaças do aquecimento global, está levando a sociedade a exigir que as empresas ajam: mais de ¾ dos empregados pesquisados pelo Edelman Trust Barometer - 2019 disseram esperar que seus empregadores liderem as mudanças ao invés de esperar que os governos as imponham.

No 40º Congresso dos Fundos de Pensão, que aconteceu em outubro passado, tive a chance de enviar uma pergunta sobre esse assunto para os palestrantes de uma das plenárias. A pergunta foi: “as novas gerações são movidas por propósitos, vocês não acham que os fundos de pensão deveriam ouvir os participantes sobre onde eles gostariam que seu dinheiro fosse investido? Não deveria haver um alinhamento entre os propósitos dos participantes e os investimentos do fundo?”. A resposta, bem, deixo para vocês tirarem suas próprias conclusões. Ouvi coisas tipo: “... é impossível ouvir todos os participantes” ou “ ... os participantes já tem um representante no conselho para isso”. Desculpe aí pessoal, mas parece que vocês não entenderam as transformações sociais a pleno vapor. Para quem acha que a preocupação com os princípios ESG é coisa da “garotada”, recomendo dar uma olhada nesse vídeo aqui: Business Round Table 2019. Em agosto passado, o "Business Roundtable", uma organização originalmente criada para defender interesses corporativos em Washington, publicou em seu "Statement on the Purpose of Corporations" (uma espécie de declaração das finalidades das corporações) as principais responsabilidades de uma empresa. No novo documento, antes do foco nos acionistas, aparecem: “criar valor para clientes”, “investir nos empregados”, "fomentar diversidade e inclusão", “tratar fornecedores de forma ética e justa", “apoiar as comunidades onde trabalham" e “proteger o meio ambiente". Num documento de 300 palavras, os acionistas vão aparecer lá pela palavra 250. Os fundos de pensão sempre tiveram dificuldade para atrair os jovens para poupar para a aposentadoria, mas as transformações sociais levantaram uma bola e tanto: alinhar o destino dos investimentos dos fundos de pensão com o propósito das novas gerações, adotar princípios ESG, ouvir os participantes.

A convergência de todas essas forças e seus efeitos positivos e negativos sobre os negócios estão se desenrolando diante de nossos olhos. A nova era vai avançando, os problemas vão mudando, mas muitas das soluções que adotamos continuam as mesmas. Tem um ditado muito engraçado que diz: "quando a única ferramenta que você tem é um martelo, você tende a ver todo problema como um prego". Os fundos de pensão sempre focaram em aumentar o retorno dos investimentos e esse foco não vai mudar, isso é o que eles sabem fazer melhor. Porém, não podem ser meros expectadores das transformações sociais do nosso tempo, principalmente quando essas transformações cruzam com suas atividades. Os fundos de pensão precisam desenvolver novos produtos, oferecer soluções e serviços inovadores e não podem ignorar o efeito de seus investimentos e de suas ações sobre as comunidades onde operam. Se quiserem surfar nas oportunidades dessa nova era, liderar as mudanças e moldar o mercado, terão que ajustar seu curso para entregar resultados num mundo sustentável e inclusivo.

Nossos fundos de pensão precisam dar uma freada de arrumação. Revisitar nossa missão, propósitos e horizonte de tempo. Quais são nossas responsabilidades? Quem se beneficia do nosso sucesso? Participantes e patrocinadoras, claro, mas também prestadores de serviço, meio ambiente, comunidade, sociedade como um todo. Como usar os dados pessoais e as novas tecnologias de forma responsável para alavancar nossos objetivos? Será que termos conselhos deliberativos apenas com representantes das patrocinadoras e dos participantes está alinhado com essa nova realidade? O conselheiro independente não seria uma forma de agregar valor nessa equação? Os conselhos deliberativos dos fundos de pensão dos funcionários públicos federais (dos três poderes), dos fundos estaduais e municipais, não deveriam ter representantes da sociedade, que no fim do dia é quem paga a conta das decisões tomadas ao redor daquelas mesas?

Responder a todas essas perguntas é uma questão de estratégia, não circunscrita apenas a uma responsabilidade social e corporativa. Os conselhos deliberativos dos fundos de pensão que forem capazes de imprimir uma nova dinâmica ao seu funcionamento e que forem capazes de responder a essas questões, irão diferenciar suas patrocinadoras da competição, conseguirão encantar seus participantes, sejam eles jovens ou mais experientes, entregarão resultados superiores e ao mesmo tempo superarão as expectativas crescentes no cumprimento de suas obrigações sociais e de sustentabilidade.

Os fundos de pensão terão que vislumbrar como fazer uso das plataformas de mídias sociais e de novas tecnologias e conhecimentos, como blockchain, inteligência artificial, e avanços da neurociência, em suas atividades. Como fazer a transição de entidades “fechadas” de previdência para organizações “escancaradas”, que oferecerem “cobertura financeira futura” para profissionais (e seus familiares) tenham eles contratos permanentes, temporários, PJ ou outras abordagens.

Apenas algumas organizações criaram plataformas verdadeiramente digitais e globais, os fundos de pensão ainda não estão entre elas. Para gerar valor e operar no complexo ecossistema digital, os fundos de pensão terão que expandir seu alcance e abrangência, espichar seus horizontes abraçando parceiros, prestadores de serviço, cadeia de suprimentos, clientes/participantes e comunidade. Terão que fazer uso das tecnologias que já se encontram a disposição para adotar práticas mais verdes, socialmente responsáveis e com governança elevada, porque caso não o façam, serão “incentivados” por participantes/consumidores, comunidades e governos.

Seu fundo de pensão está preparado? Seu conselho deliberativo vai assumir a responsabilidade por levar adiante as mudanças? As transformações necessárias para seu fundo de pensão navegar por esses e pelos novos desafios que surgirão ao longo desse século não acontecerão da noite para o dia. Avanços, retrocessos, acertos e erros farão parte do processo. Não existem roteiros, modelos, nem soluções padronizadas.

Uma nova era nos espera, façam suas apostas. Quer liderar as mudanças? Comece a construir hoje o fundo de pensão do Século XXI.

Grande abraço,
Eder.
Fonte: Adaptado doartigo “The Questions Companies Should Ask Themselves to Prepare for a New Era of Business”, escrito por James Manyika e Lareina Yee
Crédito de Imagem: https://revistanegociospet.com.br/tecnologia-pet/parecia-transformacao-mas-era-silada-sic/

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Cuidados na Portabilidade

Hora no Mundo?

--------------------------------------------------------------------------

Direitos autorais das informações deste blog

Licença Creative Commons
A obra Blog do Eder de Eder Carvalhaes da Costa e Silva foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não-Comercial - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.
Com base na obra disponível em nkl2.blogspot.com.
Podem estar disponíveis permissões adicionais ao âmbito desta licença em http://nkl2.blogspot.com/.

Autorizações


As informações publicadas nesse blog estão acessíveis a qualquer usuário, mas não podem ser copiadas, baixadas ou reutilizadas para uso comercial. O uso, reprodução, modificação, distribuição, transmissão, exibição ou mera referência às informações aqui apresentadas para uso não-comercial, porém, sem a devida remissão à fonte e ao autor são proibidos e sujeitas as penalidades legais cabíveis. Autorizações para distribuição dessas informações poderão ser obtidas através de mensagem enviada para "eder@nkl2.com.br".



Código de Conduta

Com relação aos artigos (posts) do blog:
1. O espaço do blog é um espaço aberto a diálogos honestos
2. Artigos poderão ser corrigidos e a correção será marcada de maneira explícita
3. Não se discutirão finanças empresariais, segredos industriais, condições contratuais com parceiros, clientes ou fornecedores
4. Toda informação proveniente de terceiros será fornecida sem infração de direitos autorais e citando as fontes
5. Artigos e respostas deverão ser escritos de maneira respeitosa e cordial

Com relação aos comentários:
1. Comentários serão revisados depois de publicados - moderação a posteriori - no mais curto prazo possível
2. Conflitos de interese devem ser explicitados
3. Comentários devem ser escritos de maneira respeitosa e cordial. Não serão aceitos comentários que sejam spam, não apropriados ao contexto da dicussão, difamatórios, obscenos ou com qualquer violação dos termos de uso do blog
4. Críticas construtivas são bem vindas.




KISSMETRICS

 
Licença Creative Commons
This work is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Brasil License.