segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Veja a diferença entre “mudanças climáticas” e “aquecimento global”: cobre iniciativas do conselho deliberativo do seu fundo de pensão




De São Paulo, SP.

Muita gente acha que as atividades humanas não são responsáveis pelas transformações climáticas que o planeta vem experimentando. Vá lá, vamos abstrair isso por um momento.

É inegável que os incêndios na Califórnia estejam cada vez mais severos e as chuvas torrenciais nas cidades brasileiras venham causando prejuízos e danos que aumentam a cada verão. 

Também não se pode deixar de notar os problemas na infraestrutura viária da Rússia e dos países Nórdicos decorrente do degelo do permafrost, nem a redução das áreas anteriormente cobertas pelos glaciares mundo afora. 

Esses fatos todos colocaram no centro das discussões dois termos que  parecem sinônimos, mas tem significados bem diferentes: “mudanças climáticas” e “aquecimento global”. Vamos à eles.

Clima e Tempo (no sentido meteorológico)

Para entender a diferença entre “mudanças climáticas” e “aquecimento global”, precisamos primeiro deixar claros os conceitos de clima e tempo

“Tempo” é o estado da atmosfera no curto prazo e em determinado lugar geográfico: tipo, o tempo na Serra das Araras está chuvoso hoje. Humidade, temperatura, velocidade do vento, pressão atmosférica e visibilidade, são fatores que ajudam a determinar o “tempo” em determinado lugar e momento. Em outras palavras, o tempo no sentido meteorológico não perdura por longos períodos. As condições do tempo mudam no curso de dias, horas e até minutos, por isso buscamos constantemente nos atualizar sobre elas. Quando você quer saber se vai fazer sol em Angra dos Reis amanhã, você quer saber o “tempo” por lá. 

Já o clima tem um alcance mais amplo. O clima reflete as médias e tendências do tempo em determinada área, no longo prazo. Geralmente ao longo de décadas de observação meticulosa. Em função disso, as mudanças no clima são muito mais lentas do que no tempo. Ainda assim elas ocorrem.

Juntando todas as médias dos climas regionais temos o que os cientistas chamam de “clima global” que flutua ao longo das épocas da mesma forma que mudam seus componentes regionais. O ano de 2018 foi, até hoje, o quarto mais quente da história humana.
   
Mudanças climáticas e Aquecimento Global

Beleza! Feito o esclarecimento, o que então significa o termo “mudança climática”? Numa definição mais ampla, mudança climática inclui toda e qualquer flutuação de longo prazo verificada em uma ou mais variáveis relacionadas ao clima – tipo, média pluviométrica (chuvas) ou temperatura média – dentro da mesma localização. A mudança pode ocorrer apenas em climas regionais ou no próprio clima global.

Digamos que a região sul do Brasil experimentou um aumento dramático nas tempestades que perdurou por décadas até terminar. Esse cenário hipotético seria um exemplo de mudança climática regional, independentemente do que tivesse acontecido em outras partes do planeta. 

Por outro lado, aquecimento global é – bem, é global né! Indo direto ao ponto, o termo reflete um aumento na temperatura média da superfície de um planeta e aqui na Terra, sem sombra de duvidas, ela vem subindo.

Entre  os anos de 1880 e 2016 a temperatura media da superfície dessa nossa bolinha azul aumentou cerca de 0,95º Celsius, conforme dados do NOAA – National Oceanic & Atmospheric Administration, a agência do governo americano que monitora o clima.  

Pode parecer pouco, mas para colocar isso em perspectiva,15 mil anos atrás nosso mundo era apenas 5º Celsius mais frio do que é hoje e isso era suficiente para manter 1/3 da superfície do planeta debaixo de uma densa camada de gelo -  a chamada “Era do Gelo”. 

“Voltando à vaca fria”, hahahaha, o resumo da opera é: o aquecimento global é uma forma de mudança climática – mas nem toda mudança climática se manifesta na forma de aquecimento global. 

Um problemão sem precedentes

Por mais estranho que possa parecer, as mudanças climáticas estão provocando ao mesmo tempo seca e inundações, dependendo da região do globo que se analise.

Nas palavras do Dr. Nathan Steiger, um climatologista da Universidade de Columbia, ao longo da história, a raça humana foi impactada por eventos climáticos disruptivos iguais aos que estão ocorrendo hoje. Nossa civilização sempre sofreu com calor ou frio extremos, períodos de seca e inundações.

A diferença entre o passado e o presente é que esses eventos aconteciam sem que a atividade humana os agravasse, ninguém tinha culpa. Hoje, porem, o efeito dos extremos climáticos disruptivos são ampliados por causa do modo que os seres humanos tratam o meio ambiente.   

Por exemplo, olhe a erosão causada pelo uso agrícola do solo. Áreas que perderam aquela camada grossa e rica de substrato, são mais suscetíveis à se tornarem permanentemente áridas durante as longas secas. Isso torna as secas muito piores do que seriam. O mesmo vale também para as catástrofes nas encostas do Rio de Janeiro. Se a cobertura vegetal dos morros não tivesse sido trocada por tijolos e cimento, não seriamos submetidos ao show de horrores transmitido pelas televisões a cada verão. 

Estudo publicado na Revista Nature pelo Dr. Steiger e sua equipe analisou as alterações – pequenas e grandes – ocorridas no clima do planeta ao longo dos últimos dois mil anos. 

Usando amostras de gelo, corais e outras evidencias, eles constataram ter havido alguns períodos de alteração no clima. Um deles foi o “Período de Anomalia Medieval” caracterizado por um aquecimento incomum do Atlântico Norte que durou entre os anos de 800 a.c. e 1200 a.c.. Teve também duas “Pequenas Eras do Gelo” entre 1290 d.c. e 1400 d.c. e entre 1645 d.c. e 1715 d.c. durante as quais as temperaturas médias da Europa e da América do Norte caíram 2º Celsius em relação às atuais. A maioria dos eventos foi, essencialmente, regional.

Entretanto, o estudo mostrou que nesses últimos 2.000 anos, o único período de aquecimento global, que atingiu 98% do planeta, foi o Século XX, quando as temperaturas globais dispararam. 

Em suma, ao longo dos 20 séculos da historia humana nossos ancestrais nunca enfrentaram um fenômeno climático com impacto tão universal – e alarmante - como a mudança climática dos tempos modernos. Uma pequena amostra do que aconteceu entre os anos de 1900 e 2017 pode ser vista no gráfico abaixo.



Mesmo que você ache que isso é uma mera coincidência e que fomos premiados pela história, podemos ajudar a amenizar os efeitos dessas mudanças e deixar um mundo melhor para nossos filhos e descendentes. 

Basta direcionar os investimentos dos nossos fundos de pensão para investimentos responsáveis, que busquem (de verdade) o bem social, a preservação do meio ambiente e um propósito maior.  

Fale com o conselho deliberativo do seu fundo de pensão. Peça a inclusão dos princípios ESG na analise dos seus investimentos. Solicite a adoção voluntaria das recomendações do TCFD - Task Force on Climate Related Financial Disclosure, para que os impactos financeiros materiais dos riscos e oportunidades ligados ao clima - incluindo aqueles relacionados a transição para uma economia de baixo carbono - sejam reportados no relatório anual do seu fundo de pensão. A mudança começa em cada um.

Conforme o Claudio Maes - Gerente de Desenvolvimento de Normas da CVM me contou ter ouvido de um gestor de investimentos (e eu achei o máximo): “de que adianta eu entregar o melhor alfa, se amanhã você não tiver um mundo para gastar?”.

Fica a dica.

Grande abraço,

Eder.

Fonte: Adaptado do artigo “What's the Difference Between Global Warming and Climate Change?”, escrito por Mark Mancini

Credito de Imagem: www.americannursetoday.com/older-citzens-climate-change/


quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Você pode não saber, mas sua vontade de “seguir o líder” tem 480 milhões de anos e foi herdada de invertebrados tão antigos quanto a vida na terra.




Credito de Imagem: 123RF - Frender

De São Paulo, SP.
Um estudo publicado na Revista Nature, conduzido por Jean Vannier e sua equipe da Universidade de Lion – França, mostra que “seguir o líder” é um comportamento coletivo que já era praticado por artrópodes trilobitas há 480 milhões de anos, cujos fósseis foram descobertos no Marrocos.
Aquele seu sonho recorrente de ser promovido, ganhar muito dinheiro e ter mais poder, diferentemente do que você pode imaginar, não acontece por acaso.
Trata-se de um comportamento inato e mecânico que, conforme descrito por paleontólogos, serve para manter o grupo coeso durante a locomoção, sendo essencial para otimizar as chances de sobrevivência.
Marchar em fila Indiana reduz a resistência – da água ou vento em sentido contrário – poupa energia e diminuiu a probabilidade de detecção e de ataques por predadores porque, segundo os cientistas, cria confusão na percepção visual dos predadores.
Os trilobitas que foram encontrados fossilizados, eram da espécie “Ampyx priscus”. Tinham cerca de 6 cm de cabo a rabo, uma espinha oca glabelar (centro da cabeça), reta e sem pelos e duas espinhas librigenais despontando lateralmente e apontando para trás (figura a seguir).
Essas coisas não tinham olhos, então, para se manterem em linha se comunicavam por contato tátil, da mesma forma que as lagostas fazem quando se locomovem no fundo do mar (vídeo abaixo).
Essas conclusões são especulativas e não poderia ser diferente num estudo baseado em informações limitadas sobre o que acontecia 500 milhões de anos atrás. Seja como for, nos fornece uma rara janela de oportunidade para enxergar o nosso próprio comportamento olhando como se portavam invertebrados em um passado distante.  
Na próxima vez que o RH da sua empresa te incluir em um daqueles infindáveis cursos de liderança - fiz inúmeros ao longa da minha carreira - diga para eles que é mais eficaz vocês dançarem a Conga, puxado pelo líder de ocasião. 
Ah, para quem não sabe, Conga é aquela dança do “trenzinho”, um atrás do outro com as mãos na cintura ou no ombro do colega da frente, derivada do carnaval de rua de Cuba e que ficou famosa nos EUA entre os anos 30 e 50. Aqui no Brasil foi popularizada pela Cantora Gretchen através do seu inesquecível “Conga, Conga, Conga”, considerado o “single” mais vendido do mundo em 1981 (curta o vídeo clip copiando e colando esse link no seu navegador: https://youtu.be/pF3zTkk4DZ0).
Conclusão, nossos instintos de liderança não evoluíram tanto assim desde o Período Ordoviciano, o segundo dos seis períodos da Era Paleozoica ... portanto, se você quiser entender muito do que acontece acima do seu “job  grade”, olhe para o passado.
Quem quiser ler o estudo completo publicado da Nature, clique aqui.
Grande abraço,
Eder. 
Fonte: Adaptado do artigo “Fossilized trilobites preserved parading in line. But why did they do this?”, escrito por Jerry Coyne

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Você ja sentiu a “Síndrome do Impostor”? Veja como se livrar dela



De Sao Paulo, SP.

Nikolas sempre foi um menino estudioso, terminou o ensino médio aqui em São Paulo como o melhor aluno da turma dele e na formatura ganhou uma placa cromada em reconhecimento à sua “integridade e serviços prestados ao colégio”.

Ao escolher uma universidade, ele optou pela Minerva, uma nova escola localizada no Vale do Silício, em São Francisco – EUA, que não tem salas de aula e quer revolucionar o ensino superior.

Entrar na Minerva é mais difícil do que entrar em Harvard ou no MIT. A cada ano são aprovados 200 alunos num universo de 20.000 candidatos, conforme mostra o gráfico abaixo, publicado numa matéria da Revista Exame em novembro de 2017 (artigo: aqui).

Na primeira ocasião em que minha esposa e eu conversamos com o Nikolas pelo Skype, ele nos disse que os outros alunos eram extremamente inteligentes. Uma colega, nos disse ele, com menos de 20 anos de idade havia criado um projeto de saneamento básico para a vila pobre onde vivia, num pais da Ásia. Outro, havia montado uma startup bem sucedida na área de tecnologia antes mesmo de entrar na faculdade.

Lá pelas tantas o Nikolas ponderou: “deve ter havido algum engano, eu não deveria ter passado nos testes e não deveria estar aqui”. Ele estava sentindo o que a Psicologia Social chama de Síndrome do Impostor.

Muitas pessoas – talvez já tenha até acontecido com você – quando alcançam um alto desempenho podem ter o sentimento de que não pertencem àquela situação. Uma sensação de que deve ter ocorrido um erro no processo de seleção ou um engano na avaliação de suas competências e habilidades. Então, isso logo virá a tona, o erro será descoberto e essas pessoas serão tratadas como fraudes.

Como se deve lidar com a Síndrome do Impostor quando ela surge e o que não se deve fazer? Um estudo publicado no "Journal of Vocational Behavior", de autoria de Richard Gardner, Jeffrey Bednar, Bryan Stewart, James Oldroyd e Joseph Moore, fornece o caminho.

Todos passamos por alguma situação em que nos sentimos uma fraude

Os pesquisadores entrevistaram 20 estudantes com alto desempenho em um curso superior de contabilidade. Perguntaram para os estudantes a frequência com que “se comparavam com os colegas e tinham a sensação de não pertencer ao grupo” e a frequência que “sentiam a necessidade de esconder dos demais que eles eram uma fraude”.

Numa escala de 1 a 10, variando de “nunca me sinto assim” a “sinto isso o tempo todo”, mais da metade dos estudantes de contabilidade estavam acima de 5. Os pesquisadores perguntaram, então, qual estratégia eles usavam para combater a sensação de impostor e se a estratégia funcionava.

A única razão dos pesquisadores terem entrevistado apenas 20 estudantes é que as respostas foram todas iguais e nenhuma estratégia diferente surgiu. Os pesquisadores reconheceram de imediato os pontos comuns entre os estudantes: a maioria havia obtido boas notas no ensino médio e começou a se sentir menos excepcional quando foi aceita por um curso conceitudo, junto com outros alunos inteligentes.

Apesar de nem todos os estudantes do curso estarem se saindo bem, muitos entrevistados achavam que todo mundo estava indo melhor do que eles. “Como vim parar aqui?” Como foram me aceitar? Devo ter escapado da peneira”. Os alunos que sentiam ter sido aceitos por engano, tinham mais dificuldade no curso, como se o sentimento de impostor pesasse sobre seus ombros, tornando mais difícil se saírem bem.

A Síndrome do Impostor pode ser assustadora se ela prejudicar sua performance. Esse sentimento te faz sentir mal no trabalho? O estudo mencionado acima pode te ajudar.

Após entrevistar os 20 estudantes, os pesquisadores entrevistaram outros 200 alunos de contabilidade e chegaram a algumas dicas do que fazer para lidar com o problema.

O que funciona: ajuste sua medida de sucesso

Como resultado das 200 entrevistas, os pesquisadores descobriram que os estudantes que mudaram a forma de medir seu próprio sucesso, sentiram menos pressão. Alguns reviram seus pontos fortes e se convenceram não haver problema nenhum em ter algum ponto fraco. Outros perceberam que não precisavam ser “o melhor” da turma para serem bem sucedidos em suas carreiras no futuro. Conforme um deles disse: “acho que eu só precisava pensar que tudo daria certo. Que eu conseguiria um bom emprego. Que poderia fazer um mestrado mais tarde. Essas coisas diminuíam o desconforto”.

O que também funciona: recorra a pessoas de fora, não de dentro

Outra descoberta dos pesquisadores foi que os estudantes se sentiam pior quando buscavam ajuda de um colega do curso ou da área de contabilidade. Se recorriam a ajuda de familiares, de amigos fora da universidade ou de outras áreas, se sentiam melhor.

“Aqueles fora do grupo social parecem ser capazes de ajudar os estudantes a terem uma visão mais ampla da realidade e recalibrar os grupos de referencia”, comentou Jeffrey Bednar, um dos autores da pesquisa.

Ao buscarem apoio fora do grupo social (área de contabilidade), os estudantes se enxergavam de forma mais holística, amenizando a eventual deficiência em apenas uma área do conhecimento.

O que não funciona: fingir não se sentir um “impostor”

Escapismo ou esconder de si mesmo o sentimento não ajuda a superar a sensação. Quando tentavam mascarar o sentimento jogando vídeo games ou buscando outras formas de distração, isso apenas prejudicava o trabalho que tinham que entregar na escola.

Mesmo quando os entrevistados tentavam esconder seus sentimentos mostrando aos colegas um falso entusiasmo pela sua performance, eles continuavam a se questionar por que estavam se sentindo inferiorizados.

Quanto mais você receber apoio de familiares, amigos e pessoas queridas de fora de seu campo de atuação e ouvir deles que você não é uma fraude, maior será a chance de você creditar em si mesmo.

* * * * * *

Quanto ao Nikolas, bem, ele está no terceiro ano da Minerva. Falamos com ele há alguns dias e ele andava chateado, porque no semestre passado a media dele foi de 3,90 (de um máximo de 4,0) e nesse semestre, que mal começou, a media dele andava em 3,77. “Quero melhorar”, disse ele ... e nós respondemos: “você esta indo muito bem, não precisa ser o melhor”.

Grande abraço,
Eder.



Fonte: Adaptado do artigo “The Best Way to Deal With Impostor Syndrome, According to a New Study”, escrito por Kelsey Donk.

Credito de Imagem: https://www.ssww.com/item/classic-disguise-glasses-and-mustache-pack-NL409/

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Paradoxos de nosso tempo – III: O Envelhecimento





De São Paulo, SP.

Conforme reza a historia, Benjamin Franklin (1706-1790) teria escrito em uma carta para Jean-Baptiste Leroy em 1789 que existem apenas duas certezas na vida: impostos e a morte.

Todos nós envelhecemos, mas cada geração envelhece de maneira diferente da anterior porque cada uma é afetada por fatores próprios de sua época. Por isso, é improvável que meus filhos passem pelo mesmo ciclo de vida que eu passei, que por sua vez difere daquele vivido pelos meus pais.

A geração dos meus pais viveu uma guerra mundial e passou por uma depressão econômica profunda e prolongada nos anos 30.

Meu pai me contou uma vez sobre as dificuldades que a família dele enfrentou quando meu avô ficou desempregado em 1929 e teve que morar com a toda família em uma favela em Fortaleza. Ouvindo a historia de vida do meu pai , fica fácil entender porque a geração dele valorizava a segurança acima de qualquer outra coisa e porque trabalhavam até o fim dos dias. 

As coisas não funcionam mais assim. O trabalho dentro das empresas simplesmente sumiu para a maioria das pessoas na faixa dos 50 anos de idade, criando para muitos uma crise na meia idade, uma crise que nossos pais nunca viveram. 

A longevidade não para de aumentar. Minha geração, essencialmente uma geração “sanduiche”, está cuidando dos pais e dos filhos ao mesmo tempo. Os pais envelheceram e precisam de apoio, os filhos estão finalizando os estudos e ainda não são totalmente independentes. 

As mudanças ganharam velocidade e o tempo virou a mais importante das dimensões. As distâncias encurtaram e o mundo ficou menor.  As crianças já não morrem mais nas primeiras idades. As famílias hoje são planejadas. O divórcio substituiu a morte para decretar o fim de um casamento, algo que para nossos pais era uma raridade.

Os problemas que enfrentamos são novos. As crises, diferentes. As leis vão sendo adaptadas ao momento vivido. Previdência, trabalho, gêneros diversos, novos hábitos. Usos e costumes vão se transformando. Às vezes as mudanças demoram, outras não e cedo ou tarde acabam sendo incorporadas pela sociedade. 

A sociedade, no entanto, continua envelhecendo da mesma forma que ocorreu com todas as gerações precedentes. Vai acontecer novamente. 

Meus filhos, diferentemente das gerações anteriores, terão mais dificuldade para seguir uma carreira convencional, com empregos tradicionais. Iniciarão a vida profissional mais tarde e trabalharão até mais tarde também – a reforma da previdência social que o diga.          

O período entre a adolescência e a fase adulta encurtou e as responsabilidades estão chegando mais cedo. O relacionamento deles será diferente dos nossos. As mulheres trabalharão por toda a vida e os filhos serão uma decisão, não um acidente. O papel dos sexos mudará ainda mais e essa mudança trará consigo diferentes valores e prioridades.

Por terem crescido sem guerras, terão mais liberdade para perseguir seus sonhos, seus propósitos e planos de vida. Os estudos deles serão mais prolongados, senão por tempo indefinido. O trabalho terá um significado, não será visto apenas como um meio para ganhar dinheiro “per se”.

O paradoxo do envelhecimento é que cada geração se vê profundamente diferente da geração que a precedeu, mas vive como se a geração seguinte vá ser do mesmo jeito que a sua. 

Dessa vez, porem, será bem, bem diferente.  

Grande abraço,

Eder


Fonte: Adaptado do livro "The Age of Paradox", escrito por Charles Handy
Credito de Imagem: www.crossfitwaterloo.com

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Paradoxos de nosso tempo – II: O Tempo



De São Paulo, SP.
Nessa era turbulenta que vivemos, parece que nunca sobra tempo suficiente para fazermos as coisas que gostaríamos, no entanto, nunca tivemos tanto tempo disponível como hoje.
O aumento da longevidade vem nos dando cada vez mais tempo para viver e graças ao aumento contínuo da produtividade e à tecnologia, gastamos  muito menos tempo para produzir e fazer as coisas. Não deveríamos, então, ter mais tempo a nossa disposição?
Houve uma época em que sabíamos quanto tempo tínhamos sobrando. Foi na era da revolução industrial, quando associamos pela primeira vez o tempo ao trabalho. A produção era uma função da quantidade de horas trabalhadas e o turno era de oito horas por dia. O tempo que não estávamos nas fábricas, era tempo livre.
Isso vigorou por mais de um século e era comum até bem recentemente. A galera da minha época vai se lembrar de um clássico escrito e cantado pela Dolly Parton (adoro) em novembro de 1980 e que foi trilha de um filme homônimo: “9 to 5” – vídeo clip abaixo.
Não mais. Uma pesquisa da YouGov apontava em 2018 que apenas 6% dos Britânicos trabalhavam em turnos tipo “9 às 5”. Outro estudo feito há uns três anos pela CareerBuilder (2016), mostrou que 3 em cada 5 trabalhadores americanos, i.e. 59%, acreditavam que esse esquema de trabalho era coisa do passado. 
O novo normal, há algum tempo, não é mais um dia de trabalho de nove às cinco. Uma minoria trabalha dentro desse parâmetro atualmente. 
O tempo está ficando indeterminado. A distinção entre trabalho em tempo integral e trabalho em tempo parcial já não é tão clara como antes. A “aposentadoria” está sendo aposentada e se tornando um termo puramente técnico, usado apenas para sinalizar o direito a um beneficio financeiro. O conceito de “hora extra” vai ficando fora de moda da mesma forma que aconteceu com o termo ”servidor”.
As empresas perceberam que a semana tem 168 horas (24 x 7) e não apenas 44. Ativos que dormem não produzem dinheiro, porque então “desligá-los” por 124 horas por semana, enquanto metade do mundo está acordada? As fabricas que funcionavam de “9 às 5” cederam lugar à produção e lojas que ficam abertas 24 horas  por dia, sete dias por semana. Empresas hoje abrem aos sábados, domingos e feridos. A demarcação de tempo não é mais sacrossanta.
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A reforma trabalhista de 2017 trouxe vários tipos diferentes de contrato de trabalho e há uma longa lista de formas pelas quais as empresas vão  redefinindo tempo. Temos o horário flexível, a jornada parcial, o trabalho intermitente, a terceirização via PJ, o banco de horas, o sabático ...
Diante de tanta flexibilidade, porque então nunca se trabalhou tanto como hoje? Porque cunhamos termos como “Síndrome de Burnout” (Herbert J. Freudenberger) para dizer que a vida profissional está causando esgotamento físico e mental intenso nas pessoas?
Talvez porque as empresas prefiram ter menos gente trabalhando por mais horas para economizar no “hedcount” (nº de funcionários) e as pessoas queiram o dinheiro. No entanto, esse “Pacto Faustiano” que troca tempo por dinheiro criou um ciclo insidioso de ganhar e gastar. As pessoas se voltam cada vez mais para o consumo em busca de satisfação e de um sentido para a vida. Os ganhos de produtividade dos últimos 70 anos foram transformados em dinheiro ao invés de tempo livre, retroalimentando a dinâmica do “ganhar x gastar”.
O paradoxo? As pessoas sabem que isso não faz sentido. Uma pesquisa feita aqui no Brasil pela empresa de softwares Unify (2014), revelou que 43% das pessoas preferem um trabalho flexível a um aumento de 10% no salário. 
Mesmo quando questionadas sobre a possibilidade de um aumento salarial de 20%, quase 40%  continuaram optando pela flexibilidade no tempo de trabalho. 
As pessoas querem mais tempo livre para lidar com responsabilidades familiares (43%) ou simplesmente para aproveitar a vida (38%). Isso já não é de agora. Um estudo do Ministério do Trabalho dos EUA mostra que 84% das pessoas trocariam mais tempo de laser por futuros aumentos salariais. Sabe de quando é essa pesquisa? É de 1978!
Toda a confusão começou no momento em que transformamos o tempo em uma commodity. Quando as organizações  começaram a comprar o tempo das pessoas ao invés de comprar o que elas produzem. Então, quanto mais tempo você vende, mais dinheiro você ganha levando a uma troca inevitável de tempo por dinheiro.
Nesse processo as empresas são seletivas. Elas querem menos tempo das pessoas que elas pagam por hora e mais tempo das pessoas que elas pagam por mês, porque toda hora adicional dessas últimas sai de graça.
Ocorre que tempo é uma commodity contraditória. Algumas pessoas gastam dinheiro para economizar tempo – pegam um taxi ao invés de um ônibus. Outras gastam tempo para poder economizar dinheiro – vão de ônibus ao invés de taxi. Há, ainda, aqueles que trocam dinheiro por tempo, preferindo ganhar menos e trabalhar menos. Tempo é uma commodity que nos deixa confusos. 
O irônico é perceber que estamos caminhando para um paradoxo dentro do paradoxo. O tempo se tornou algo tão importante que um engenheiro do Facebook inventou em janeiro do ano passado (2018) uma nova unidade de tempo batizada de “flick”.
flick é maior do que um nano segundo e menor do que um micro segundo. Para ser exato é 1/705.600.000 de um segundo. Foi criado para que as frequências de 24, 25, 30, 48, 50, 60, 90, 100 e 120 Hz, bem como suas divisões por 1.000, pudessem ser representadas por números inteiros. Com isso os programadores podem incluir nos softwares de realidade virtual as medidas de tempo entre os quadros de um filme sem usar frações, o que introduziria erros de aproximação nos programas.
O novo paradoxo? Conforme escrevi no meu blog (link aqui:http://nkl2.blogspot.com/2018/03/estamos-preparados-para-um-mundo-pos.html) no inicio do ano, estamos caminhando rapidamente para um mundo pós-trabalho, em que teremos todo o tempo disponível.Você já pensou o que faria se acordasse amanha e não precisasse mais trabalhar porque dinheiro não seria mais um problema para ninguém? Sem trabalho, a aposentadoria e um montão de outras coisas perdem sentido. O que você faria com todo o tempo do mundo à sua disposição?  
Grande abraço,
Eder.
Fonte: Adaptado do livro "The Age of Paradox", escrito por Charles Handy 
Crédito de Imagem: www.newfoundnation.wordpress.com


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