quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

O SENSO DO QUE É CERTO E O QUE É ERRADO PODE LEVAR CONSELHEIROS DE FUNDOS DE PENSÃO A DILEMAS

 



De São Paulo, SP.


Tanto na linguagem matemática como na linguagem comum, um duplo negativo se torna um positivo.

Alguém que não é desinteressante, normalmente é alguém interessante. Uma experiencia que não é desagradável, geralmente é uma experiencia agradável.

Isso, porém, não significa que essa característica possa ser extrapolada para moralidade, um campo no qual duas coisas erradas não se tornam uma coisa certa.

Não é porque uma empresa frauda sua contabilidade e engana seus acionistas (tipo a Americanas) que furtar em suas lojas seja certo.

Em questões éticas, a premissa (existência da primeira coisa errada) não é relevante para a conclusão (a segunda coisa errada ser algo correto).

Quando se trata de moralidade e ética, duas coisas erradas virem a se tornar uma coisa correta é considerado uma “falácia informal”.

Falácia informal é um tipo de argumento incorreto em linguagem natural. A fonte do erro não se deve apenas à forma do argumento usada, como no caso das falácias formais, mas pode se dever também ao seu conteúdo ou ao contexto. Falácias, a despeito de serem incorretas, geralmente parecem ser corretas e por isso seduzem as pessoas a aceitarem-nas e usá-las. Essa aparência enganosa está normalmente conectada a vários aspectos da linguagem natural, como expressões ambíguas ou vagas, bem como a premissas implícitas ao invés de explicitas.

Estranhamente, o oposto disso tem seus méritos – dois certos podem fazer um errado. Uma piada deixa isso bem claro: um professor argumentando que duas coisas certas não podem levar a uma coisa errada, se mostra errado quando um aluno gaiato e inconveniente grita do fundo da sala “Isso mesmo, está certo!”

O conceito moral de certo versus errado e a relação desconfortável entre múltiplos “certos” se manifesta algumas vezes nas decisões que tomamos.

Motivado pelo que é certo fazer

As situações em que duas coisas “certas” conflitam uma com a outra, não são incomuns em nosso dia a dia.

Em certo sentido, isso é inerente às escolhas que temos que fazer entre o que é certo e o que é errado onde há pouco ou nenhum espaço para as nuances na definição de certo e errado.

A maioria de nós considera, de forma geral, que roubar é um ato claramente errado, mesmo que haja circunstâncias nas quais julgaríamos que roubar é aceitável – por exemplo, para alimentar uma criança morrendo de fome.

Não porque consideremos menos errado roubar em determinadas circunstâncias, mas sim porque consideramos certo roubar em circunstâncias especificas.

Isso significa que nessas situações não consideramos os ganhos e perdas econômicos que consideramos em outras situações.

Podemos decidir cortar o pão na chapa que comemos na padoca pela manhã para poder economizar e ir ao cinema.

Podemos decidir acordar mais cedo e caminhar tranquilamente apreciando a paisagem para o metrô ao invés de acordar mais tarde e ter que correr feito um desesperado.

Mas não podemos decidir fazer algo um pouco menos certo em troca de algum ganho ou decidir fazer um sacrifício para ganhar um pouco mais de honestidade.

Certo e errado são absolutos para nós.

A ambiguidade entre certo e errado e a responsabilidade pelas decisões

Lidamos com conflitos adotando uma perspectiva tipicamente hierárquica: consideramos que existem coisas certas e coisas erradas, mais importantes e menos importantes.

Isso quer dizer que inevitavelmente violamos a coisa certa considerada menos importante nessa hierarquia.

Ao fazermos a coisa certa, somos frequentemente compelidos a fazer também a coisa errada. Existem casos em que tais conflitos são gritantes.

The Whale é um filme candidato ao Oscar de 2023, estrelado pelo ator Brendan Fraser. O longa-metragem é uma adaptação da peça homônima de Samuel D. Hunter.

Conta a história de Charlie, um professor de inglês de meia-idade, pesando 270 kg, que abandona esposa e a filha de 8 anos para viver com um amante gay, que acaba morrendo.

Charlie, então, passa a comer compulsivamente com dor e culpa por tudo o que aconteceu e busca se reconectar com a filha adolescente para reparar seus erros do passado.

É correto querer estar com a pessoa que você ama, mas também é correto para um pai viver com sua filha. Ao optar pela primeira alternativa, Charlie optou, também, por não fazer a segunda – fazer uma coisa certa o levou a fazer uma outra coisa errada.

Se tivesse feito o oposto – implicando que permanecer com a filha é mais importante na hierarquia do que viver com o amor da sua vida, ele estaria fazendo a coisa errada por ter decidido fazer a coisa certa.

Esse é, essencialmente, o problema entre certo e errado. Infelizmente, não há muito que possamos fazer.

Ocasionalmente podemos ser capazes de levantar um problema com o paradigma do certo e o errado, tratando o assunto como uma questão de preferência pessoal.

Porém, o mais provável é que isso funcione apenas numa minoria de casos, dificilmente podemos fugir de decisões dolorosas porque simplesmente não existe o certo correto.

A performance do seu fundo de pensão não ter sido um desastre recentemente, não significa que foi boa. Se você é conselheiro, seu papel é identificar o que está acontecendo para a performance não ser melhor que a média de mercado.

O conselho de administração da Americanas não ter detectado as fraudes na contabilidade da empresa, não significa que não falharam com seu dever fiduciário de supervisão da gestão e por isso não devam ser punidos.

O que é certo e o que é errado é, em última instancia, uma decisão pessoal pela qual nós mesmos e apenas nós, temos que assumir a responsabilidade.

 

Grande abraço,

Eder.

Fonte: The trouble with right and wrong, escrito por Koen Smets



terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Eleições em fundos de pensão: Trocando um processo antigo, que apenas foi digitalizado, por outro baseado em ZkP

 


De São Paulo, SP.

Durante minha adolescência eu costumava ir muito para Miguel Pereira, uma cidade no interior do estado do Rio de Janeiro.

Lembro de um garoto que me impressionou muito, o Celso. Nascido e criado na roça ele simplesmente não havia sido registrado pelos pais.

Sem certidão de nascimento e já com 18 anos, o Celso não tinha RG. Sem título de eleitor, ele não votava. Sem carteira de trabalho, só podia ganhar a vida trabalhando no campo. Sem poder tirar habilitação, não podia dirigir.

O cara era invisível para a sociedade, não podia provar quem ele dizia ser – aliás, podia até não ser o Celso ...

O que é identidade?

Identidade pessoal, segundo o artigo 8º da Convenção da ONU, é um direito fundamental do ser humano. Num nível mais básico, identidade inclui:

  • Nome e sobrenome

  • Data e local de nascimento

  • Nacionalidade

  • Alguma forma de identificação, passaporte, CPF, carteira de trabalho, RG etc.

Sem uma identidade valida você não consegue votar, trabalhar numa empresa ou abrir uma conta no banco. Não consegue nem entrar numa balada.

Os problemas com a identidade “centralizada”

Se você não tem nenhum conhecido cujo cartão de crédito – débito tenha sido clonado, se belisca que você está hibernando.

O roubo de identidade tem sido um problema recorrente no mundo digital e cria uma dor de cabeça danada.

Isso acontece porque as identidades só podem ser emitidas por instituições centralizadas - Detran (CNH), Polícia Federal (Passaporte), Ministério do Trabalho (Carteira de Trabalho), Receita Federal (CPF), Título de Eleitor (TSE) etc. Todas armazenam seus dados.

Na Internet existem diferentes websites e plataformas online e cada uma requer que você crie uma forma de identificação.

Para entrar no Facebook você precisa criar um perfil, o mesmo vale para o Twitter, Youtube, Instagram, TikTok, Reddit e todas as outras, sem exceção. Isso vale, também, para você poder entrar no website do seu fundo de pensão.

O problema é que cada uma dessas plataformas está criando ou replicando uma identidade sua. Estamos emprestando nossas identidades para elas e da mesma forma que ocorre com as autoridades governamentais que emitem identidades, também não temos controle sobre a segurança ou a propriedade delas.

Nos sistemas centralizados, não temos nenhum controle sobre nossos dados, os terceiros responsáveis pela emissão e guarda de nossas identidades são vulneráveis a ataques, podem ser descuidados e nossos dados podem vazar, caindo nas mãos de criminosos e pessoas mal-intencionadas.

Lembra do caso dos CDs com listas de CPF, vendidos na Rua Santa Efigênia em São Paulo? Pois é!

Em sistemas digitais centralizados de votação – aqueles usados pelos fundos de pensão – o problema está com a confidencialidade do seu voto. Como garantir que sua identidade não poderá ser ligada ao seu voto?


Identidade digital descentralizada e sistemas de votação


Para resolver os problemas apontados acima, surgiram os sistemas descentralizados de identificação.

DID em inglês significa Descentralized ID, onde ID é o acrônimo para identification, o equivalente em inglês do nosso “RG”.

A identidade digital descentralizada (DID) vem sendo usada nos sistemas mais modernos de identificação e de votação.

Hoje a identidade serve para provar quem é você. Por exemplo: se você quer entrar em um prédio, você mostra seu RG ou um documento de identidade para provar que está autorizado a entrar. Quando você vai votar, precisa mostrar um documento de identidade com sua foto.

No novo conceito de identidade digital descentralizada, você não precisa provar quem é você. O que você precisa provar é que está autorizado a entrar no prédio ou a votar. Isso muda tudo!

Veja como isso é possível.

Zero-Knowledge Proofs ou “Provas de Conhecimento-Zero”

"Zero Knowledge Proof" (ZKP) significa “prova com conhecimento zero”, é basicamente um protocolo de validação de transações.

Foi apoiado no conceito de ZKP que matemáticos, com forte conhecimento de probabilidade e lógica, junto com a turma da computação, desenvolveram no MIT nos anos 1980 os sistemas avançados de criptografia.

O ZKP permite que uma pessoa P (que vamos chamar de Provador) possa provar para uma pessoa V (o Verificador) que ela tem conhecimento de determinada informação, sem dizer para a outra qual é essa informação.

Um bom exemplo prático do ZKP é a Caverna do Alibabá. Vamos ver como funciona.

O provador (P) está dizendo para o verificador (V) que ele sabe a senha da porta secreta que fica no fundo da caverna e quer provar para o verificador que ele sabe, sem ter que dizer qual é a senha. O desenho a seguir ajuda a entender.


 

O provador (P) pode entrar na caverna pelo caminho A ou pelo B, qualquer um dos dois. Vamos supor que ele decida entrar pelo caminho A e que atinja a porta secreta no fundo da caverna.

Quando ele chega lá no fundo da caverna o verificador (V) aparece na entrada e sem saber qual caminho o provador usou, pede que o provador apareça na entrada da caverna vindo pelo caminho B.

No diagrama acima, como você pode ver, o provador de fato aparece vindo pelo caminho B porque ele tinha a senha, abriu a porta no fundo da caverna e passou para o caminho B. Mas e se isso aconteceu por pura sorte? E se o provador não soubesse a senha, tivesse entrado pelo caminho B, ficado preso na porta do fundo da caverna e por pura sorte o verificador tivesse pedido para ele aparecer no caminho B, onde ele já estava originalmente?

Para testar a validade, o experimento é feito múltiplas vezes. Se o provador for capaz de aparecer no caminho correto todas as vezes, isso prova para o verificador que o provador de fato tem a senha, mesmo que o verificador não tenha conhecimento de qual é essa senha.

O novo conceito de identificação se torna especialmente útil, porque acrescenta uma camada de privacidade ao provador, mas o ZKP precisa satisfazer certos parâmetros para funcionar:

  • Integridade: se a afirmação é verdadeira, um verificador honesto (isto é, aquele que segue o protocolo corretamente) vai ser convencido deste fato por um provador honesto

  • Corretude: se a afirmação é falsa, nenhum provador desonesto poderá convencer um verificador honesto de que a afirmação é verdadeira

  • Conhecimento-zero: se a afirmação é verdadeira, o verificador não terá nenhuma ideia sobre qual é a informação que o provador detém

A tecnologia evoluiu e foram desenvolvidos protocolos como zk-SNARKs ou Zero Knowledge – Succint Non-Interactive Arguments of Knowledge, uma categoria particular de ZKP baseada numa equação quadrática.

As versões mais antigas do protocolo zero-knowledge proof demandavam idas e vindas na comunicação entre o provador e o verificador, por isso eram consideradas ZKP “interativas”. As novas versões são “não-interativas”, pois há pouco ou nenhuma interação entre o provador e o verificador.

Mais recentemente, em 2018, foi desenvolvido pela Universidade de Israel o protocolo zk-STARK ou  Zero Knowledge – Scalable Transparent Argument of Knowledge que, diferente do SNARK, se baseia num mecanismo baseado em funções hash cuja alegada vantagem é ser resistente a computação quântica.

Sistema de votação descentralizada

Sistemas de votação baseados em ZKP podem provar que você votou, sem revelar seu voto - as urnas eletrônicas brasileiras estão a anos luz dessa tecnologia, infelizmente.

Em 2020 tentei trazer para o Brasil um sistema assim, para eleição de conselheiros de fundos de pensão, mas estava muito avançado para a época.

A plataforma que tentei trazer funciona com um processo ponta-a-ponta, tem várias camadas de proteção e permite que a cédula de votação seja conferida pelo eleitor. Veja o funcionamento nas figuras a seguir.



O conceito de zkp – zero knowledge proof permite partilhar uma informação sem compartilhar os dados por trás dela.

A cryptoeconomia é baseada em criptografia (anonimato), há sigilo dos dados, enquanto na economia digital, não necessariamente.

O Pix tupiniquim é a melhor forma de enxergar isso: governo, receita federal e bancos têm acesso a todas as suas transações financeiras feitas via Pix.

O chamado Open Finance, então, traz um risco aumentado porque todas as suas informações pessoais e financeiras passam a ser compartilhadas entre bancos, seguradoras, instituições de crédito, corretoras de valores etc.

Isso não acontece com as transações feitas através de carteiras digitais na Web 3 (wallets), nem em sistemas de identidade e votação descentralizados.

Num futuro não muito distante, tanto você como eu seremos apenas chaves cryptografadas, bits e bytes sem nomes grudados neles.

Xô estado Orwelliano!

Grande abraço,

Eder.



quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Longevidade, Supremo Tribunal e os Problemas com o Atual Sistema de Nomeação dos Juízes - Contribuição de um atuário

 



De São Paulo, SP.

 

Com a aposentadoria dos ministros Celso de Melo em 2020 e Marco Aurélio em 2021, o presidente da república em exercício teve o privilégio de nomear em seu primeiro mandato, dois ministros para o STF - Supremo Tribunal Federal.

 

Tivesse sido reeleito, poderia ter nomeado mais dois agora em 2023 quando Rosa Weber e Ricardo Lewandowski atingirão a idade limite de 75 anos, conhecida por “expulsória”.

 

Esse privilégio, porém, tenderá a ficar cada vez mais raro conforme o tempo for passando, já que os ministros, assim como o resto da população, estão vivendo cada vez mais.

 

Os ministros do STF, indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado, possuem cargo vitalício e se aposentam compulsoriamente ao completar 75 anos (salvo casos de morte, impeachment ou se quiserem deixar o cargo).

 

Em 1900, a expectativa de vida dos brasileiros era de 33,7 anos, mas deu um salto significativo e hoje gira em torno de 77 anos de acordo com o IBGE. O fato da expectativa de vida ter aumentado mais de 40 anos nas últimas 12 décadas significa que mais pessoas atingirão os 75 anos de idade e que os mandatos dos ministros da suprema corte tenderão a ser mais longos.

 

Entre 1891 e 1917 - um período inferior a 30 anos que começa no ano em que o Visconde de Sabará (o ministro Sayão Lobato) instalou a primeira sessão do STF e termina no epílogo da I Guerra Mundial - foram 27 os ministros que tiveram o mandato interrompido por causa da morte.

 

Isso contrasta com os 14 ministros que morreram durante o curso do mandato nos últimos 100 anos, ou seja, entre 1918 e 2018 - incluindo Teori Zavacki que não morreu de causas naturais.

 

Foi uma queda de 27 para 14! Sem falar na diferença de quase quatro vezes no número de anos entre os períodos analisados.

 

Com mandatos mais cumpridos, ao longo desse século, será nomeada uma quantidade menor de ministros para a suprema corte do que no último século.

 

Isso fica evidente analisando a quantidade de ministros indicada nos mesmos períodos acima. Os presidentes do período que vai de 1891 a 1917 indicaram ao todo 61 ministros, o que resulta em uma média de 9 ministros a cada quatro anos, enquanto os presidentes do período de 1918 a 2018 indicaram 107 ministros, uma média de apenas 4 ministros a cada 4 anos.

 

Replicando esse ritmo de redução, nos próximos 100 anos começando em 2018, a partir do mandato do próximo presidente, apenas cerca de 50 ministros serão nomeados e estes, permanecerão por mais tempo em suas confortáveis poltronas do STF.

 

O ministro Dias Tofolli, nomeado ainda jovem, aos 42 anos de idade, poderá ficar na corte por mais de oito mandatos presidenciais, já que se pode esperar que ele viva pelo menos mais 33 anos após sua nomeação, conforme indicam as projeções atuariais do IBGE.

 

De forma semelhante, o ministro Alexandre de Moraes, nomeado aos 49 anos deverá permanecer ativo por mais 26 anos, o que equivale a quase sete mandatos presidenciais.

 

Esse declínio nas nomeações para a suprema corte deve ser visto com preocupação pelos partidos políticos e por toda a sociedade. Com ministros servindo, daqui para frente, por mandatos que durarão em média 30 anos, o processo de escolha de um novo membro da suprema corte vai se transformar numa verdadeira batalha.

 

Presidentes que não controlarem o senado, muito provavelmente não conseguirão nomear ninguém deixando cadeiras vagas no tribunal e afetando o equilíbrio do colegiado. Por outro lado, presidentes que puderem fazer múltiplas nomeações terão influência desproporcional sobre as interpretações das leis e da própria constituição, como já podemos perceber no conjunto atual.

 

Essas interpretações poderão perdurar por anos, indo muito além do tempo em que os ministros ocuparam suas cadeiras.


Atual composição do STF

O momento é oportuno, portanto, para a sociedade discutir propostas para lidar com a longevidade dos ministros do STF. Chegar numa solução para o problema não é tarefa fácil e muitos anos terão se passado até que uma mudança finalmente venha a ocorrer.

 

Uma proposta seria limitar os mandatos a 18 anos, o que mitigaria os desafios que a longevidade está criando. Porém, um olhar mais atento perceberá que uma limitação simples desse tipo criaria outro problema.

 

Aumentaria a chance de um presidente poder apontar a maioria dos ministros da corte. Instituir um limite de 18 anos faz surgir 43% de chance de um presidente que venha a ser reeleito possa nomear a maioria dos ministros.

 

Na era republicana, além do Marechal Deodoro da Fonseca que nomeou os 15 primeiros ministros da suprema corte, somente oito dos trinta e três presidentes puderam até hoje apontar mais de 5 ministros. O último presidente a conseguir isso foi Lula.

 

Desatrelar o limite da figura pessoal dos ministros e associá-lo às cadeiras que ocupam seria uma forma mais eficiente de assegurar rotatividade no STF e ao mesmo tempo evitar que qualquer presidente tenha influência excessiva sobre o tribunal.

 

Isso faria surgir uma nomeação a cada quatro anos, sempre no segundo ano do mandato presidencial, fazendo com que 41 ministros ao invés de 50 sejam nomeados no próximo século. Além disso, haveria uma probabilidade de apenas 12% de que um presidente reeleito pudesse nomear a maioria dos ministros do supremo.

 

Esse sistema também asseguraria que cada presidente possa, ao longo de um mandato de quatro anos, indicar pelo menos um ministro.

 

Seja qual for a solução que vier a ser adotada, está claro para todo mundo que chegou a hora de lidarmos com a questão dos mandatos do STF.

 

O que talvez não estivesse claro até agora é o impacto da longevidade sobre o sistema atual. Sendo assim, essa é uma singela contribuição dos atuários para assegurar que o saudável equilíbrio entre os poderes continue existindo, algo que um supremo tribunal estático certamente colocará em risco.

 


Grande abraço,

Eder.


 

 

Nota: Esse artigo foi originalmente publicado em agosto de 2018 e o assunto continua mais atual do que nunca. 

 

Fonte: Adaptado do artigo “The Supreme Court Has a Longevity Problem, but Term Limits on Justices Won’t Solve It“, escrito por David Fishbaum


terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

A CHAVE PARA O FUTURO DOS FUNDOS DE PENSÃO ESTÁ NA DIFERENÇA ENTRE SABER SEU NOME E ENTENDER O QUE ELES SÃO

 

Richard P. Feynman

De São Paulo, SP. 


Richard Feynman (1918 – 1988) foi um físico teórico norte americano, ganhou o Nobel em Física de 1965 por suas contribuições para o desenvolvimento da mecânica quântica, física dos superfluidos, física das partículas e diversos outras campos.

 

Imbuído de um espírito extremamente curioso, Feynman se interessava por qualquer coisa que cruzasse seu caminho e entendia como ninguém o significado de aprender.

 

No curto vídeo ao final desse texto, Feynman fala sobre a diferença entre saber o nome de alguma coisa e de entendê-la. A certa altura, ele diz:

 

Vê aquele pássaro? É um Tordo de Garganta Marron (Sabiá Laranjeira), na Alemanha é chamado de Halzenfugel, na China eles chamam de Chung Lingand e mesmo você sabendo todos esses nomes, você não sabe nada sobre o pássaro. Você sabe apenas sobre como os (diferentes) povos o chamam. Esse pássaro tem um dos cantos mais bonitos dentre todos os pássaros, ensina os filhotes a voar e durante o verão eles voam muitos quilômetros de distância, atravessando o país, mas ninguém sabe como eles se orientam.  

 

O ponto para o qual Feynman chama a atenção é que saber simplesmente o nome de alguma coisa não significa que você entenda sobre aquilo. Precisamos de palavras para falar com os outros, mas frequentemente as usamos para ofuscar nossa deficiência e falta de compreensão sobre os fatos em geral. 

 

Em Surely You’re Joking, Mr. Feynman, ele ilustra o problema que existe no processo de aprendizagem de ciência pelas crianças.

 


 

Ele cita um livro infantil que começava apresentando quatro fotografias: a primeira de um brinquedo que funcionava dando-se corda, depois um carro, então um menino andando de bicicleta e por fim uma outra coisa em movimento. Debaixo de cada foto havia a pergunta: “O que o faz andar?”  

 

Feynman pensa: Já sei do que se trata: eles vão falar sobre mecânica e como as molas funcionam dentro do brinquedo, sobre química e como os motores do carro a combustão funcionam e sobre biologia e como os músculos funcionam.

 

Ele lembra de como seu pai ensinaria esses conceitos: 

 

Começaria perguntando: “O que os faz andar?” e diria que tudo se movimenta porque o sol brilha. Então se divertiria discutindo o assunto. Feynman responderia: “Não, o brinquedo anda porque as molas em seu interior enrolam”. O pai provocaria: “Como as molas enrolam?” e ele responderia: “Porque eu dou corda no brinquedo”. O pai perguntaria: “E como você tem força para dar corda no brinquedo?” e ele retrucaria: “Porque eu me alimento”. O pai concluiria dizendo: “Os alimentos só crescem porque o sol brilha e por causa do sol é que todas essas coisas se movimentam”. Assim, ele ensinaria o conceito de que movimento é simplesmente a transformação de energia (do sol).

 

Mas quando Feynman virou a pagina do livro infantil com as quatro fotos, a resposta para o que faz o brinquedo de corda andar era: ”a energia o faz andar”. A resposta para o menino na bicicleta era: ”a energia o faz andar”, todas as respostas eram: ”a energia o faz andar”.

 

Ele argumenta que isso não significa nada, pois ensina apenas uma palavra e não o princípio geral por trás dos vários movimentos. Não transmite nenhum conhecimento para a criança, é apenas uma palavra. Feynman prossegue:

 

O que as crianças deveriam fazer é olhar o brinquedo de cordas, ver que tem molas dentro dele, aprender sobre molas, aprender sobre rodas e deixar para lá, não se preocupar com “energia”. Mais tarde, quando a criança souber algo sobre como o brinquedo funciona, pode-se discutir os princípios gerais de energia. 

 

Nem é verdade que a energia os faz andar. O que eles estão falando é sobre energia concentrada sendo transformada em formas mais diluídas, o que é um aspecto muito sutil de energia. Nesses exemplos, a energia não aumenta nem diminui, apenas muda de forma e quando as coisas param, a energia se transforma em calor.

 

Na opinião de Feynman, os livros infantis de ciência dizem coisas inúteis, misturam conceitos, são ambíguos, confusos e parcialmente incorretos. “Como alguém pode aprender ciência com esses livros, eu não sei, porque não aquilo não é ciência”, conclui ele.

 

Um bom teste para os conselheiros do seu fundo de pensão


Marciano querendo saber: O que são fundos de pensão?

Uma forma simples de testar se você sabe uma coisa ou apenas o nome dela é um método popular de aprendizado chamado Técnica Feynman, em homenagem ao próprio Feynman.

 

Quando você quiser testar seu conhecimento sobre um conceito ou sobre alguma coisa, sem usar o nome da coisa, tente explicar em seus próprios termos o que sabe sobre aquilo. Explique em palavras simples, em sua própria linguagem.

 

Se você não conseguir explicar satisfatoriamente, você não tem uma perfeita compreensão de tudo que gira por trás das palavras, do conceito, do funcionamento.

 

Técnica Feynman envolve quatro etapas:

  1. Quando aprender algo, aprenda o conceito, não apenas o nome;
  2. Então, tente explicar de forma simples, de modo que até uma criança de 10 anos seja capaz de entender;
  3. Identifique as lacunas na sua explicação, provavelmente você não será capaz de explicar perfeitamente logo na primeira tentativa, mas tudo bem. Volte à fonte para ter uma melhor compreensão;
  4. Finalmente, tente explicar novamente, simplificando mais ainda a explicação original.   

Vamos lá? 

Tente explicar o que é um fundo de pensão, o que ele faz, para que serve, sem falar a palavra fundo de pensão. Parece fácil, mas não é.

Faça conforme o pai de Feynman fez certa vez com ele.

Suponha que um punhado de Marcianos acabou de chegar na Terra e nunca ouviu falar de fundo de pensão. Suponha que eles não tenham fundos de pensão em Marte e te perguntem: 

O que é exatamente um fundo de pensão? Quando você vive centenas de anos como nós vivemos em Marte e você não se aposenta nunca, o que acontece com sua renda de “aposentadoria”? Ela simplesmente termina ou vai ficando pequeniniiiiiiinha até que você não consegue mais pagar suas contas? E aí, então, o que você faz? Se os fundos de pensão não garantem mais sua segurança financeira futura, como os terráqueos estão resolvendo isso? 

 

Pois é, para construir o futuro dos fundos de pensão, talvez tenhamos que torcer para os Marcianos chegarem logo por aqui ...

 

Video do Richard Feynman:

 



 

Grande abraço,

Eder.

 

Fonte: “Richard Feynman On The Difference Between Knowing the Name of Something and Knowing Something”, escrito por Abhishek Chakraborty. 


REINVENTANDO OS FUNDOS DE PENSÃO POR DENTRO

 

Aaron Dignan autor de Brave New Work


De São Paulo, SP.


No estágio atual em que se encontram as organizações, filosoficamente falando, o trabalho está dando trabalho - “work is not working”, como coloca Aaron Dignan, escritor norte-americano que senta no conselho consultivo para transformação digital de empresas como General Electrict, American Express e PepsiCo.


As empresas ficaram presas por muito tempo na revolução industrial, mas na era do conhecimento praticamente ninguém mais trabalha em fabricas que adotam processos lineares de produção e seguem instruções claras. 


A forma que atuamos nas empresas, herdada das gerações que vieram antes da nossa, precisa mudar. Hierarquias, chefes, gerentes, caixinhas, linhas de organogramas, agendas, metas trimestrais, orçamentos, surgiram cerca de 80 a 100 anos atras na época das fabricas, quando tudo tinha a ver com previsibilidade, confiabilidade, consistência, escala.


O que chamamos de “sistema operacional”, nossa forma de trabalhar, surgiu para atender a esse fim. Mais de um século depois, a maioria dos problemas que temos nas empresas nada tem a ver com produção modular.


Existe uma enorme desconexão entre a forma que continuamos trabalhando e achamos normal, inevitável e a realidade na qual escolhemos onde trabalhar, como tomamos decisões, pensamos e agimos.


As empresas operam em diferentes contextos hoje, enfrentam problemas diferentes. Talvez em algumas delas faça sentido a abordagem Taylorista, uma gestão baseada em comando e controle, mas certamente isso não é mais o centro do universo e não se aplica na maioria das situações.


Os fundos de pensão, historicamente, se pautavam por expectativas de terceiros, as patrocinadoras, e suas agendas | objetivos eram definidas por gente de fora.


Isso faz com que haja um desencontro, um descompasso, entre a direção que estão tomando os fundos de pensão e aquele para onde caminham as patrocinadoras.


Para tornar as coisas ainda piores, existe um problema de timming que afeta fortemente a maneira pela qual os fundos de pensão são atualmente administrados.


O horizonte de tempo, de existência, de um fundo de pensão é de centenas de anos, mas os conselheiros têm um horizonte de quatro, cinco anos na cadeira e apenas um pouco a mais do que isso até se aposentarem e começarem a retirar seu dinheiro.


Eles, então, param de procurar por coisas novas, novos tipos de plano, novas gerações de participantes, tem pouca preocupação com aquilo que vem depois deles, seu compromisso imediato é com o resultado dos investimentos do ano em curso. Suas decisões seriam bem diferentes se tivessem que administrar a organização pelos próximos 50 anos.


Isso não é novidade, mas no contexto atual isso é muito perigoso para o futuro dos fundos de pensão, que demandam por mudanças. Os fundos precisam começar a mudar por dentro.


A forma como as organizações cometem sabotagem a partir de seu interior


Tendemos a ficar presos a métricas, que se tornam incentivos e acabam sendo direcionadores de uma má gestão.


Quando uma métrica se torna um objetivo, ela deixa de ser uma boa métrica.


Métricas

A ideia é que você está otimizando algo que é uma proxy (aproximação) da realidade ao invés da própria realidade. 

Você abre mão de julgar o que está acontecendo e passa a focar na melhoria do número em si - vou fazer o que for preciso para melhorar o número - e não em tudo que está acontecendo por trás dele.


Passa a ser a perseguição de uma meta abstrata ao invés da busca por objetivos absolutos, baseada em princípios.


As empresas confundem o contexto no qual estão operando, não sabem a diferença entre complicado e complexo e isso acaba levando-as a um caminho equivocado.


  • Sistemas complicados: a turbina de um avião, um reator atômico, são previsíveis, tem causa e efeito dentro deles, são complicados, se você é um especialista você sabe desmontar e colocar as peças juntas de novo. Então, se houver problemas com eles, os problemas podem ser resolvidos, podem ser consertados e os sistemas voltam a funcionar novamente sem problema nenhum. Há extrema confiança nas soluções existentes nessas áreas
  • Sistemas complexos: a previsão do tempo, um jardim ou uma criança de seis anos, eles são “deposicionais” (são influenciadas por características internas que determinam seu comportamento, seguem vontade própria), você não consegue fundamentalmente prever o comportamento deles, não se pode ter certeza do que vai acontecer, do resultado que vai obter, se você fizer alguma intervenção.

Se em contextos complexos você adotada as abordagens para tratar assuntos complicados, como Gantt Charts, checklists de projetos, acompanhamentos de metas trimestrais, gestão por objetivos, você vai enfrentar dificuldade e vai falhar.


Os conselhos deliberativos tendem a tratar tudo como complicado, tipo, “mudamos nosso modelo de negócios, nossa visão e valores no ano passado, colocamos a mensagem em banners, canecas de café, espalhamos por todo o escritório, mas ninguém está se comportando de modo diferente, por que?”   


Bem, porque não é assim que sistemas complexos funcionam. Se você tem um processo de manufatura que está produzindo peças fora da margem de tolerância, traga um checklist e verifique o que esta está acontecendo. Tem um motor quebrado, leve para a autorizada. Pronto, resolvido.


Mas se você está tentando educar um filho, montar uma equipe de sucesso ou criar uma cultura comercial de venda de planos de previdência complementar num fundo de pensão, as abordagens para lidar com problemas complicados simplesmente não vão funcionar e sua organização vai estar apenas se auto-sabotando ao trazer as abordagens erradas para mesa de discussões nas reuniões do conselho.   


As iniciativas para implantação de uma nova cultura comercial estarão concluías em dezembro de 2023, vamos atingir esses cinco indicadores para chegar lá. Esse é o pilar do nosso novo modelo de negócios.


Fazer isso é trazer para uma festa complexa um papo complicado. As mudanças necessárias nos modelos de negócios dos fundos de pensão vão muito além de inovações, novos produtos e sistemas, envolvem a transformação de uma cultura centenária de gestão de pessoas e de negócio. Pivotar isso é algo muito mais complexodo que complicado.


O paradoxo dos valores corporativos


Na peça Hamlet, Prince of Denmark, escrita por Wiliam Shakespeare em cinco atos entre 1599 - 1601, há uma passagem em que a Rainha Gertrude (a mãe de Hamlet) diz: “The lady doth protest too much, methinks”.


Traduzida para o português, a fala seria: “A senhora protesta demais, eu acho”. A fala, usada comumente em inglês, implica que quando alguém nega muito fortemente alguma coisa é porque está escondendo a verdade.

Quanto mais uma organização expõe seus valores, menos eles efetivamente são valorizados.

Rainha Gertrudes em Hamlet

Se constantemente se exaltam os valores corporativos, para dizer o quão importantes eles são, é sinal de que algo não anda bem. Sabe aquela história de se bater constantemente na tecla: integridade, integridade, integridade, pois é ... depois do problema com as Americanas, pode esperar ouvir mais disso.


As mudanças culturais, os padrões de correção, as boas mudanças, acontecem de modo fluido, natural, sem a necessidade de um esforço descomunal. Os comportamentos vão se adaptando de modo natural, com base em exemplos, em liderança, em casos práticos e não em posters “dos cinco pilares”, afixados no espaço do cafezinho.


Isso vale também para aquele bando de gente nas mídias sociais expondo o quão felizes, bem-sucedidos, alegres e de bem com a vida eles são (só que não).


Quando alguém te perguntar o que precisa mudar na governança dos conselhos dos fundos de pensão para evitar escândalos de corrupção e desvios como os vistos no setor em vários momentos ao longo da história, explique para ele(a) que para se desenvolver uma cultura de integridade é preciso saber a diferença entre sistemas complicados x sistemas complexos e se evitar o paradoxo dos valores corporativos.


O problema de apenas seguir os procedimentos


Procedimentos, normas, regras, políticas, tem por objetivo diminuir a possibilidade de se cometer erros, de diminuir a variação dos resultados indesejados em alguma medida. O problema é que regras e procedimentos acabam inibindo a capacidade de julgamento (decisão) das pessoas. O pensamento comum é que, se você seguir os procedimentos, nunca vai se dar mal, mesmo se o que estiver fazendo for absolutamente errado e for te levar a um resultado indesejado.


As pessoas simplesmente jogam as mãos para o alto e dizem: “... mas eu segui as regras!” - então estou absolvido de qualquer responsabilidade por ter exercitado meu julgamento e decidido dessa forma.


Estou compliant, estou seguindo as regras, então o problema é com a burocracia, as normas, as regras, os procedimentos, as políticas. O problema está no sistema, não comigo.


Nesse ponto você já abriu mão do direito de pensar, de assumir responsabilidade por uma opinião. Isso é confortável para muita gente, porque se eu estiver seguindo os procedimentos, quando algo der errado, “não é minha culpa”.

Ao longo da minha carreira de +30anos em empresas internacionais de consultoria em riscos financeiros e atuariais, aprendi que os americanos chamam isso de CYA, Cover Your Ass (o famoso: “tirar o c* da reta”).


Geralmente quando alguém evoca o CYA é porque algo deu ruim ... no palco dos processos e de compliance, isso é mais comum do que se pensa. As pessoas preferem fazer o que é defensável, mesmo quando deveriam estar fazendo aquilo que é certo.

O que é certo pode ser difícil e complicado para se explicar.


Seguir os procedimentos leva a um resultado conhecido e na maioria das vezes as pessoas devem mesmo segui-los, no entanto, o processo de decisão e julgamento individual existe para sabermos quando é preciso haver um desvio do procedimento.  


Shuhari e as artes marciais

Shuhari ou 守破離 é um termo usado em artes marciais japonesas para o processo de aprendizagem e maestria de uma técnica, mas que pode ser aplicado a qualquer processo de aprendizagem, inclusive no mundo corporativo.


No nível básico Shu, o lutador segue as regras, aprende os golpes básicos da arte marcial. No nível seguinte, o Ha, o lutador quebra as regras de vez em quando, improvisa, faz as coisas um pouquinho diferente. No último nível, o Ri, ele escreve novas regras, cria novos golpes, atinge um nível de inovação que vai tão além das regras originais, que ele cria uma nova arte marcial.


Um bom exemplo foi o que fez Bruce Lee, criando o Jeet Kune Do em 1967 (derivou no Brasil para o Jiu Jitsu), a partir de diversas outras artes marciais que aprendeu, como o Tai Chi, o Kung Fu e o Wing Chu.


No setor de fundos de pensão estamos no nível básico, no dafault dos produtos e soluções que fornecem segurança financeira futura. Se quisermos atingir a maestria, reinventar a previdência complementar, chegar no fundo de pensão do futuro, teremos que superar a cultura de que é proibido se desviar do default, do nível básico.


Teremos que aceitar um desvio dessas regras básicas, atuar num espaço de experimentação, tentar, testar outros tipos fenomenais de plano de previdência e ao longo do tempo ir incorporando-os nas regras básicas, de modo a se tornarem o default de sua época. 


Porque as pessoas não assumem riscos


Falhar é percebido como fracassar, é a morte do ego, uma coisa horrível, tóxica, ninguém quer errar, mas se você conversar com qualquer um que tenha alcançado algum feito, sempre vai ouvir histórias sobre aprendizado, erros & acertos.


É preciso ter um ambiente nos fundos de pensão no qual se possa falhar – as chamadas falhas nobres – na qual os erros sejam compreendidos e aceitos como um ingrediente necessário para o aprendizado.


Isso só é possível onde houver uma cultura de liderança que não seja mais voltada para assegurar uma perfeita execução, como acontecia na visão Taylorista. O papel dos gestores costumava ser o de assegurar que todos os empregados executassem suas tarefas de forma perfeita, essa era até aqui a essência da gestão de pessoas.


A ideia agora é que a gestão de pessoas deve assegurar que elas tenham possibilidade de crescimento contínuo, o que demanda liderança e gestão totalmente diferentes. Requer um sistema que permita aprendizado permanente na medida em que os processos vão sendo executados.


Tem mais. É preciso que haja um trade-off (uma troca) entre performance de curto prazo e performance de longo prazo, algo bem desafiador num mundo corporativo que cobra resultados imediatos.


Uma liderança que entenda isso e implemente as mudanças necessárias, vai se deparar num primeiro momento com queda na performance. O conselho vai se desesperar, as patrocinadoras vão criticar, o mercado vai ficar preocupado. Somente num segundo momento a performance vai melhorar, mas quando isso acontecer vai ser uma melhoria de 90%, 95% e a transformação estará ocorrendo.


Se quiserem avançar, os conselhos deliberativos dos fundos de pensão precisarão entender a verdadeira natureza do aprendizado e abraçar um sistema no qual assumir riscos esteja embutido nesse processo.


Terão que superar aquele componente emocional que é impresso em nosso cérebro ao longo da vida, que reforça apenas a importância de vencer. Tipo, o aluno que tira nota vermelha fica de castigo, não ganha um troféu.


Nosso sistema educacional é monolítico, desenhado para produzir pessoas que executem, para trabalhadores de fábricas, não para pessoas que questionem, pensem e decidam. As pessoas são ensinadas e incentivadas a seguir regras. Se você não assume riscos e erra, as consequências são “X”, mas se você assume riscos e erra as consequências são muito piores.


Enfim, é preciso mudar o sistema, não as pessoas.

 

Um processo decisório que crie condições para o sucesso coletivo



Existem basicamente dois tipos de cultura para tomada de decisões nas empresas: uma cultura baseada em permissão e outra baseada em delimitação.


Na primeira, você precisa ter permissão para fazer qualquer coisa, não se pode fazer nada, a não ser que se tenha permissão para tal, que alguém diga que você pode fazer. Um exemplo perfeito de cultura de permissão é o passe que a professora dá a um aluno do ensino fundamental para ir ao banheiro. Não se pode nem mesmo ir ao banheiro sem antes perguntar se pode.


A cultura de permissão nas empresas se traduz na forma de instruções, protocolos, manuais, roteiros e coisas assim. A permissão pode vir de várias formas, uma promoção, por exemplo. Agora você é o “head” de novos produtos do fundo de pensão, então você pode (tem permissão) decidir quais produtos serão desenvolvidos, em quais inovações o dinheiro será investido.


O problema com a cultura de permissão é que tudo precisa ser definido, não pode haver espaço para julgamentos, para decisões, a menos que você tenha permissão.

O CEO entra na sala e o cesto de lixo está lotado, ninguém esvaziou e as pessoas dizem: “não é o meu trabalho esvaziar o lixo, então não farei isso, só faço o que me mandam fazer” (o famoso job description).


Já a cultura da delimitação é absolutamente o oposto, você pode fazer qualquer coisa a menos que digam que você não pode. Então, o papel dos processos, das políticas, das regras, das equipes de trabalho, é deixar claro quais são os limites, restringir, moldar de alguma forma o espaço geral de atuação.


A “declaração de propósitos” de um fundo de pensão numa cultura de delimitação estaria estabelecendo a direcionalidade, tipo: o vetor dessa organização é fornecer segurança financeira futura para nossos participantes. Estaria delimitando o escopo de atuação, i.e., aquilo que pode ser feito, não vamos trabalhar diretamente com planos de saúde.

Uma política contra assédio sexual é uma politica de delimitação que basicamente está dizendo: “não faça isso”. Está eliminando uma área de comportamento dentre todas as que são possíveis.


O bacana de uma cultura de delimitação é que quando você elimina as possibilidades de atuação que não são seguras ou são arriscadas para se tentar, sobra todo um espaço de possibilidades no qual as pessoas podem pensar, inovar, usando seu julgamento próprio e criatividade. O campo para atuar é massivamente maior.


A sabedoria das multidões, de Francis Galton e os conselhos deliberativos


Sir Francis Galton

Em 1907 Sir Francis Galton, um matemático e estatístico inglês, pediu para 787 aldeões de um vilarejo estimarem o peso de um boi. Nenhum deles acertou o peso correto, mas quando Galton calculou a média das 787 estimativas, checou praticamente ao peso certo. 

A diferença foi de 400 gramas, o peso do boi era de 543 kg.


Esse é um exemplo clássico da “sabedoria das multidões”, quando um grupo de indivíduos reúne suas habilidades mostrando a inteligência coletiva.

Se temos 6 membros num conselho deliberativo é porque cada um deles tem alguma contribuição a fornecer, então, todos os participantes de um conselho devem ter a mesma oportunidade de se manifestar nas reuniões.


Os fundos de pensão precisam se reinventar e o melhor lugar para começar é pelo conselho deliberativo.

A realidade é complexa, você não consegue descrever a realidade sob apenas uma perspectiva de mundo, do contrário você estará descrevendo apenas a sua realidade.


Abaixo, o video com a entrevista de Aaron Dignan que deu origem a esse post: 




Grande abraço,

Eder.



Fonte: Practical Ways to Reinvent the Way You Work | Aaron Dignan | Knowledge Project Podcast


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