terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Um alerta sociológico para os fundos de pensão: a transformação acontecerá de “fora para dentro”, não de “dentro para fora” e vai muito além de poupar.

 



De São Paulo, SP.


Olhando o gráfico abaixo fica claro que em um período de 5 a 6 anos a Gen Z será o cliente primário dos fundos de pensão.



Na jornada da vida, a poupança deles para aposentadoria estará nos estágios iniciais, enquanto as gerações mais antigas, como os Boomers e Gen X, se encontram mais avançados nessa trajetória, tendo atingido ou passado o ponto de desacumulação.


A janela de oportunidades para transformação dos fundos de pensão, portanto, está se fechando porque é essa mudança geracional junto com novas tecnologias que vão direcionar a disruptura na previdência complementar como a conhecemos hoje.

 

O quadro atual de participantes dos fundos de pensão é composto por Boomers e Gen X que estão adaptados e acostumados com o funcionamento dos sistemas tradicionais da previdência. Tão acostumados que as transações e a interação com suas economias de longo prazo, são fáceis para eles. 

 

Os participantes atuais são valiosos e os fundos de pensão precisam retê-los enquanto atraem novos “clientes”. Acontece que fazer isso com um legado envelhecido de sistemas e um conjunto limitado de canais de comunicação é cada vez mais difícil, caro e ineficiente. Além disso, o desenvolvimento de novas soluções e a adoção de novos apps e sistemas precisa ser feita paralelamente a existência dos atuais, algo complexo, caro e desafiador.

 

Os fundos de pensão não devem esperar que as novas gerações de participantes se adaptem aos seus sistemas e modelo de negócios atuais, como acontecia com as gerações passadas de participantes. Esse papel agora se inverteu, são os fundos que precisam se adaptar aos comportamentos, hábitos e canais usados pelas novas gerações de participantes digitais para comprar produtos e serviços. 

 

Como você se estrutura para esse futuro? Como redesenha sistemas, estruturas e modelo de negócios que atendam as necessidades e expectativas de um novo cliente?

 

O fundo de pensão que quiser ser bem sucedido nessa mudança precisa ter um olhar “de fora para dentro” e não de dentro para fora. Expectativas, hábitos e necessidades sempre mudaram de uma geração para outra ao longo do tempo, mas a mudança atual está sendo turbinada pela tecnologia e a chegada de uma nova era digital, algo inédito no mundo. A revolução industrial esta saindo de cena e dando lugar a revolução digital.

 

Enquanto isso o tick-tack do relógio segue firme e o tempo para mudanças vai escasseando.

 

 

Alexa: como faço para ser financeiramente independente e me aposentar cedo?

 

A Gen Z é de longe a geração que mais usa assistentes virtuais com tecnologia de inteligência artificial, tipo Nest do Google, HomePodd da Apple, Alexa e Echo da Amazon e outros (Gráfico 1 abaixo). 

 

Além disso, a Gen Z também está na frente de todas as demais gerações no pagamento de produtos e serviços por meios digitais tipo wallets e apps. Eles simplesmente não usam mais meios físicos, dinheiro ou cartões, nas transações financeiras (Gráfico 2 abaixo).

 

Gráfico 1 

 

Uso de assistentes virtuais pelas diversas gerações


Fonte: Majesco, 2018

 

 

Gráfico 2



Esses dois exemplos se juntam a tantos outros para prenunciar uma gigantesca mudança de hábitos. Não obstante, o impacto dessa mudança sobre os fundos de pensão só poderá ser compreendido melhor, se analisarmos junto com ela o futuro do dinheiro e as transformações sociais que o acompanham.

 

Nem tudo tem a ver com dinheiro

 

Todo mundo que faz parte da comunidade crypto há algum tempo, à qual me juntei faz pouco mais de um ano, sabe que as cryptomoedas se originaram de uma filosofia que foi incorporando outros movimentos ao longo de sua evolução.

 

Quem quiser entender a filosofia que está na raiz da cryptoeconomia pode começar lendo o Cypherpunk's Manifesto escrito em 1993 por Eric Hughes. Hughes defendeu a criptografia como meio de assumirmos o controle sobre nossas informações e assim determinarmos quais informações os outros poderão ter a nosso respeito. Essa filosofia foi se expandindo e incorporando agendas mais amplas como a dos libertários, um movimento que procura eliminar qualquer tipo de coerção seja de governos ou particulares. 

 

Foram pontos de vista assim que deram gás para as soluções tecnológicas, que estão por trás da cryptoeconomia e que fazem dela um movimento cujas transformações vão muito além da gigantescadisruptura nos sistemas de pagamento atuais. 

 

cryptoeconomia é um movimento com implicações políticas, profundamente políticas, que se estendem pelos sistemas monetários ao minar a capacidade de nações-estado ditarem o tipo de dinheiro que todos nós usamos entre nós. Isso tem enormes desdobramentos sobre a maneira que a sociedade funciona e sobre nossas liberdades individuais.

  

Em sua definição mais ampla o dinheiro, muito além de sua função de pagamento ou meio de troca, serve de reserva de valor e unidade de conta. As cryptomoedas funcionam como um dinheiro que pode circular livremente, cuja oferta não vai se expandir só porque alguns políticos querem construir estradas ou premiar categorias que não aparecem para trabalhar. 

 

Em um livro de 1997 intitulado “The Sovereign Individual” (algo tipo: O Indivíduo Soberano) os autores James Dale Davidson e William Rees-Mogg previram de forma impressionante um futuro em que as pessoas buscariam um país da mesma forma que buscam uma empresa de eletricidade nos mercados desregulados.

 

O livro previu que o dinheiro desempenharia um papel chave em minar a autoridade do Estado, principalmente por causa da decisão dos países desvalorizarem continuamente suas moedas. De forma notável, eles vislumbraram que um dinheiro nativo da Internet -que chamaram de “cybermoney” ou “dinheiro cibernético” - desempenharia papel fundamental para isso acontecer. 

 

Não foram os únicos. Friedrich Hayek, um economista nascido na Austrália, apresentou uma ideia muito semelhante bem antes da Internet surgir. Em seu livro “The Denationalisation of Money” (algo como: “A Desnacionalização do Dinheiro”) publicado em 1976, ele defendeu a emissão de formas privadas de moeda competitivas e descentralizadas.

 

Hayeck entendia a descentralização como solução bem melhor do que o planejamento central e divulgou isso muito antes da publicação do paper de Satoshi Nakamoto e da disseminação das cryptomoedas que estamos vendo hoje, como se esses fossem uma extensão de suas ideias.

 

Por tudo isso, há quem se pergunte: a cryptoeconomia é uma filosofia tecnológica ou uma tecnologia filosófica?

 

Filósofos digitais, monopólio do dinheiro e da poupança previdenciária

 


Cryptomoedas geralmente são criadas em quantidades limitadas. No caso do Bitcoin, não haverá mais do que 21 milhões de moedas digitais em circulação. O mesmo vale para outras como o DAI, que foi criada para não haver mais moedas no mundo do que os usuários do MakerDAO se dispõem a emprestar e amparar com garantias colaterais.

 

As cryptomoedas não funcionam dessa maneira apenas porque foram desenhas assim, mas porque tem um propósito por trás delas. Construídas em cima de blockchains, tendem a ter visões bem desenvolvidas da sociedade e seus criadores manifestam o modo de ver o mundo em seus protocolos de programação.

 

Existe uma classe de filósofos atualmente que são nativos da Internet, estou chamando-os de filósofos digitais. São pensadores para quem as cryptomoedas vão além de softwares e linhas de programação, expressam uma convicção social e a externam para o mundo.

 

Ole Bjerg da Copenhagem Business School é um desses filósofos. O Bitcoin, argumenta ele, mostrou a verdadeira face do sistema bancário. Mostrou que os bancos tem tudo a ver com monopólio. Em entrevista recente concedida para a CoinDesk, Bjerg disse que os bancos não têm convicções. Os bancos e o sistema financeiro se autorretratam como: “Nós somos capitalistas. Gostamos e precisamos de competição e inovação. Inovação é bem vinda é algo bom”. 

 

Aí, continua Bjerg, quando os empreendedores surgem com algo genuíno e realmente inovador, desintermediando os meios de pagamento, de repente, os bancos se transformam em socialistas de carteirinha dizendo: “Não, não, não ... só podemos ter uma moeda”. O Bitcoin, diz Bjerg, mostrou que o sistema bancário tem tudo a ver com monopólio.

 

Isso tudo também soa familiar quando nos voltamos para a indústria de previdência complementar e a antiga batalha entre seguradoras e fundos de pensão. Os primeiros, advogando que poupança de longo prazo individual e intermediação de riscos é sua prerrogativa, enquanto os segundos defendendo a primazia e vantagens da atividade não-lucrativa e os planos corporativos. 

 

No meio do tiroteio, desorientados, os participantes e potenciais clientes assistindo a briga pelo monopólio da previdência complementar já que a regulamentação não lhes fornece outra alternativa para onde correr (pelo menos, até aqui).

 

Um futuro no qual apenas os indivíduos terão controle sobre seus ativos

 

A tecnologia do blockchain parece ter chegado para virar o jogo em um sistema em que a confiança precisa ser negociada, as interações em grande escala são invasivas e a privacidade é colocada de lado nas transações. 

 

É nesse contexto que o blockchain, a tecnologia por trás das cryptomoedas, se apresenta como uma ferramenta algorítmica para forjar confiança onde ela falta, como em áreas envolvendo capital social, compartilhamento de residências e gestão profissional de recursos de terceiros.

 

Adam Ludwin, que foi CEO da uma firma de infraestrutura de Bitcoin, explicou isso maravilhosamente bem em uma carta aberta envida para o Presidente do Conselho do JPMorgan Chase em 2017, sabidamente um cético das cryptomoedas. Escreveu ele:

 

“Aplicativos descentralizados são uma nova forma de organização e uma nova forma de software. Um novo modelo para criação, financiamento e operação de softwares de serviços, descentralizados de cima para baixo. Resistência à censura significa que o acesso aos aplicativos descentralizados é livre e aberto. As transações feitas por meio desses serviços, simplesmente não podem ser impedidas”

 

De fato, a tecnologia do blockchain possui apenas uma vantagem sobre os outros tipos de software, mas uma vantagem crucial e distinta: funciona como um meio de contornar a capacidade dos poderes coercitivos de nos silenciar. 

 

É exatamente essa capacidade que distingue os cryptoativos dos demais ativos que existem hoje: é muito difícil confiscá-los.

 

Se no começo as cryptomoedas tinham mais a ver com transações financeiras, atualmente tem tudo a ver com os indivíduos manterem o valor e o controle de seus ativos. Isso sem precisar de intermediários e sem estar sujeitos a capacidade de governos e bancos exercerem controle sobre os mesmos. 

 

Teoria da Propriedade desenvolvida por John Locke (outro filósofo) em seus tratados sobre governança é central na doutrina da cryptoeconomia ao reafirmar de modo extremamente forte que ninguém pode interferir nos direitos de propriedade. Essa novidade dos cryptoativos os distingue de outros ativos conforme disse Nic Carter da Castle Island Ventures: “é muito difícil confiscá-los”.

 

Transformação de fora para dentro

 

disruptura que a cryptoeconomia causará no sistema financeiro e nos fundos de pensão não será resultado de uma grande batalha nem de um enfrentamento direto. Não é assim que as novas gerações funcionam. 



Ela vencerá tornando o poder do Estado irrelevante. Hoje todo mundo usa o dinheiro criado pelos governos. Amanhã talvez uns poucos passem a usar o “dinheiro da Internet” e um dia, quem sabe, talvez gente demais o esteja usando para permitir que o Estado os impeça. Como se fosse uma puxada de tapete.

 

Hoje todo mundo usa os planos de previdência individual e os fundos de pensão para fazer sua poupança para a aposentadoria. Enquanto isso, no mundo das finanças descentralizadas, a comunidade da cryptoativos já está desenvolvendo investimentos que fornecem retornos passivos, ou seja, uma remuneração constante e estável fornecida por meio de projetos no blockchain.

 

Na cryptoeconomia, o conceito que rola é DE - F.I.R.E. ou Descentralized Financial Independence, Retire Early (algo tipo: Independência Financeira Descentralizada, Aposente-se Cedo). Mais nesse vídeo do The Defiant abaixo



Num sentido figurado, a cryptoeconomia não vai salvar a princesa presa no castelo, ela vai construir um novo castelo debaixo do castelo atual e quando o dragão não estiver olhando, a princesa vai deslizar de um para o outro.

 

Grande abraço,

Eder.

 


Fontes: "Crypto Is the Libertarian Cheat Code in The Final Battle Over State Coercion", escrito por Brady Sale | DeFIRE: how to retire using only DeFi with passive income (Mirror Protocol, Anchor Protocol, Terra) | Webinar: "Developing a Business Model For The Insurance Customer of The Future", da Majesco.


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