domingo, 15 de janeiro de 2023

FUNDOS DE PENSÃO DEVERIAM AJUDAR AS PESSOAS A GASTAR, NÃO APENAS A JUNTAR

 


 

De São Paulo, SP.


Certa vez o CEO da General Electric, Jack Welch, quase morreu de um ataque cardíaco. Anos depois, foi entrevistado por Stuart Varney – hoje ancora de um talk show na Fox Business.

Durante a entrevista, Varney perguntou o que se passou na cabeça de Welch enquanto o levavam às pressas para o hospital, durante aqueles que poderiam ter sido seus últimos momentos de vida.

A resposta de Welch: “Merda, não gastei dinheiro suficiente”! Surpreso, o entrevistador perguntou por que diabos aquilo teria se passado por sua mente. 

“Todos nós somos produtos do nosso passado”, disse Welch. “Quando eu era criança, não tinha sequer duas moedas para esfregar uma na outra, então, eu penso barato. Sempre comprei os vinhos mais baratos”.

Depois do ataque do coração, Welch jurou a Deus que nunca mais compraria uma garrafa de vinho por menos de cem dólares. Essa foi, para Welch, a maior lição do episodio.

“Só isso?”, perguntou Varney. 

“Sim, basicamente isso”, encerrou Welch.


Dinheiro é complicado

Existe um elemento humano com relação ao dinheiro que desafia a lógica – $$$ é pessoal, é emocional, é complicado ...

A economia comportamental, atualmente é um campo bem desenvolvido, aborda muitos comportamentos associados aos gastos das pessoas, mas todas as atenções dos fundos de pensão continuam focadas na maneira que as pessoas investem seu dinheiro. 

A história de Jack Welch mostra que a psicologia envolvendo dinheiro é muito mais densa, mais profunda, mais complexa do que se imagina. O modo que você gasta seu dinheiro pode revelar traumas existenciais, determinar as coisas que você valoriza na vida, com quem você quer passar seu tempo, porque escolheu sua carreira e o tipo de atenção que gostaria dos outros.

Existe uma ciência que ensina como gastar dinheiro, tipo: como procurar por uma barganha, como fazer um orçamento, como otimizar os juros, escriturar um livro-caixa, coisas assim. Mas existe, também, a arte de gastar dinheiro, que não é quantitativa, varia de pessoa a pessoa e revela aspectos do caráter e dos valores de cada um. 

A maneira que as pessoas investem seu dinheiro tende a ser escondida das vistas, mas a forma que elas gastam é muito mais visível e pode ser ainda mais reveladora.

Todo mundo é diferente, não existe preto & branco, isso torna o assunto fascinante.

Um dia, os fundos de pensão - ou o que vier depois deles - ajudarão as pessoas a compreender seus drivers, o que direciona seus gastos e fornecerão ferramentas e ensinamentos valiosos, cujos impactos se farão sentir tanto na fase de acumulação, como na fase de desacumulação de poupança.

Aqui vão alguns aspectos sobre a arte de gastar $$$ sobre os quais, infelizmente, seu fundo de pensão nunca te falou.

Histórico familiar e experiencias passadas: grande influência nos hábitos de gastar 

Uma manchete do Washington Post de junho de 1927, portanto, antes da grande depressão de 1929, dizia: “Quanto mais você foi desprezado quando era pobre, mais você gosta de mostrar sua riqueza”. Essa frase é eterna e explica muita coisa.

gastança da vingança tem efeito abrangente, acontece com adultos que cresceram na pobreza, foram intimidados, provocados e discriminados por sua condição financeira. Quando crescem e melhoram de vida, adquirem uma mentalidade permanente de gastos que tenta livrá-los do trauma da infância.

Aquelas pessoas que gostam de ostentar, que compram as maiores casas, os carros mais rápidos, as joias mais caras, os relógios mais sofisticados, geralmente cresceram nesse contexto. Parte de seus gatos não tem a ver com o valor dos bens que adquirem, tem a ver com a tentativa de cicatrizar uma ferida que lhes foi infligida quando jovens, coisas que queriam ter e lhes foram negadas pela falta de dinheiro.

Para alguém que cresceu numa família afluente de “sangue azul”, ter uma Lamborghini simboliza um egoísmo gritante, mas para quem cresceu sem nada, simboliza que chegou lá. Muito dos nossos gastos são feitos para preencher uma necessidade psicológica.

Aprisionados pelo dinheiro 

Muitas pessoas que quebram devotam a vida a gastar, mas não tem prazer com seus gastos. Gastam $$$ achando que isso vai fazê-las mais felizes, mas quando isso não acontece a reação é “não estou gastando o suficiente”, então, dobram a aposta. 

Tenho um amigo que costuma se enterrar em dívidas no cartão de crédito fazendo passeios para lugares paradisíacos, mas ele curte cada segundo das viagens que faz. Apesar de isso não ser recomendável para ninguém, entendo que ele está certo ao usar o dinheiro com coisas que gosta de fazer e considero que ele coloca o dinheiro a seu serviço e não o contrário.

Aqueles que gastam achando que dinheiro é para ser gasto, independente do prazer que isso lhes trás, geralmente são prisioneiros do dinheiro e são controlados por ele, ao invés de controlá-lo.



Inércia da Frugalidade: o hábito de poupar nunca se transforma no de gastar

Se você desenvolver, cedo, o hábito de poupar e conseguir viver habitualmente abaixo de seu nível de renda – parabéns, você venceu. 

Mas se você não consegue viver abaixo do seu nível de renda e entra assim na fase de aposentadoria, mesmo tendo poupado pesadamente num plano de previdência complementar, como avalia essa situação? Mesmo contando com a aposentadoria de um fundo de pensão, alguém que não é capaz de gastar menos do que ganha pode dizer que venceu?

Os fundos de pensão nunca ligaram para isso, quando trombeteiam preocupação com educação financeira, seus programas geralmente passam ao largo dessas questões.

Por outro lado, os planejadores financeiros sabem que o maior desafio é ajudar os clientes a controlar os gastos na fase de aposentadoria, ajudá-los a gastar conservadoramente.

Poupar e viver frugalmente se tornam hábitos tão fortes que passam a fazer parte da identidade individual, a pessoa simplesmente não consegue mudar.

Algumas pessoas sentem mais prazer em ver sua poupança crescer do que em gastá-la, essas estão bem. O problema está com aquelas para as quais o nível ideal de poupança nunca é atingido, porque estão sempre gastando mais do que podem.

Ser participante de planos BD e de fundos de pensão, como se vê, não é necessariamente sinal de segurança financeira na velhice, ainda que a patrocinadora do seu fundo de pensão entenda que fez a parte dela.

O prazer de gastar diminui na mesma proporção que aumenta a renda 

Num livro de 1903 intitulado “A busca por uma vida simples” (The Quest for a Simple Life), William Dawson escreveu:

A coisa menos entendida sobre dinheiro é que todo o prazer termina no momento em que economizar se torna desnecessário. O homem que pode comprar o que quer sem consultar a conta bancária, não valoriza nada que compra” 

Há um ditado que diz que a melhor refeição que você jamais terá é um copo d’agua quando você está com sede. Todos os gastos são equivalentes a esse ditado. 

Richard Nixon, ex-presidente americano, disse sabiamente que “as pessoas mais infelizes do mundo são aquelas em lugares como o Sul da França, Palm Springs e Palm Beach, frequentam festas toda noite, jogam golfe toda tarde, bebem muito, falam muito, pensam pouco. Totalmente aposentados. Sem propósito”.

Quem diz que gostaria de não precisar trabalhar diariamente, que gostaria de ficar pescando, viajando, passeando, que isso seria a melhor coisa do mundo – não conhece a vida. O que faz a vida ter algum significado é proposito. Um objetivo. A batalha, a dificuldade – mesmo que você não vença. 


Faça perguntas de R$ 30.000, não de R$ 3

O historiador americano Cyrill Parkinson cunhou a Lei de Parkinson, que diz:

O nível de atenção que um assunto obtém é o inverso da sua importância

Parkinson usa como exemplo um comitê financeiro hipotético, que vou substituir por uma reunião fictícia do conselho deliberativo de um fundo de pensão. O conselho discute três assuntos: aprovação de um sistema de TI de R$ 5 milhões para levar adiante a transformação digital da organização, de R$ 500 para fazer um abrigo para as bicicletas dos funcionários e de R$ 20 para salgadinhos e biscoitos a serem colocados no espaço onde os funcionários tomam café.

O conselho aprova imediatamente os R$ 5 milhões porque o número é muito grande para contextualizar, as alternativas são muito ruins e ninguém no conselho é expert em transformação digital.

O abrigo para as bicicletas atrai muito mais debate e discussões. A cobertura deveria ser de alumínio ou de plástico? Será que um rack para pendurar as bicicletas seria melhor? Os conselheiros já passaram por uma decisão dessas em casa, cada um tem uma opinião, uma ideia, um palpite a ser dado.

Os doces e salgados para a cafeteria tomam dois terços do tempo da reunião, todo mundo tem uma opinião forte sobre qual salgadinho é mais gostoso, que marca é melhor que a outra, que tipo de salgadinho ...

Muitas vezes pensamos se deveríamos gastar R$ 3 com um cafezinho, quando o que interessa para as despesas domésticas são os R$ 30 mil da faculdade do filho.

* * * * *


Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu, mais conhecido como Montesquieu, foi um político, filósofo e escritor francês. 

Ficou famoso pela sua teoria da separação dos poderes, atualmente consagrada em muitas das modernas constituições internacionais, inclusive a Constituição Brasileira que parece estar meio desprezada.

Há 275 anos Montesquieu escreveu:

Se você quisesse apenas ser feliz, isso poderia ser facilmente atingido; mas queremos ser mais felizes do que as outras pessoas e isso é sempre difícil porque acreditamos que os outros são mais felizes do que eles realmente são”

Seus gastos podem representar o duro que você deu trabalhando e a quantidade de stress que tem que enfrentar para receber seu contracheque todo mês.

Alguém que trabalhe 100 horas por semana e deteste o que faz gasta seu dinheiro frivolamente na tentativa de compensar o dissabor que passam para ganhá-lo.

Um executivo que passa 12 meses do ano trabalhando até duas horas da madrugada, tem urgência em provar para si mesmo que valeu a pena, então, gasta o bônus anual assim quando recebe. 

É como alguém que fica preso debaixo d’agua por um minuto, assim que volta a superfície não respira calmamente, mas arfa desesperadamente em busca de ar. 

O oposto também é verdade. Aqueles mais capazes de adiar uma recompensa (gratificação) frequentemente são os que mais apreciam aquilo que fazem. Eles não tem necessidade de compensar o trabalho duro gastando pesadamente.

Gastar $$$ para fazê-lo feliz é difícil se você já é feliz :)

 

Grande abraço,

Eder

 

Fonte: The art and science of spending money, escrito por Morgan Housel


 

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