segunda-feira, 20 de março de 2023

LIÇÕES DE GESTÃO DE RISCOS: UM CONSELHO AUSENTE, UM ERRO COLOSSAL NO ALM, UMA FALHA DOS REGULADORES E UM ALERTA VERMELHO PARA OS FUNDOS DE PENSÃO

 



 De São Paulo, SP.


A insolvência do Silicon Valley Bank (SVB) foi a maior quebra de uma instituição financeira nos EUA desde a crise de 2008, mas acima de tudo, foi um enorme erro da gestão de riscos e dos processos de governança do conselho.

No dia 08 de março o controlador do banco, o SVB Financial Group, expôs ao mercado suas apostas arriscadas – vendeu US$ 21 bilhões em títulos do tesouro americano, resultando num prejuízo de US$ 1,8 bilhões no trimestre, depois dos impostos.

A maioria dos títulos vendidos estava rendendo uma média de 1,79% a.a., muito abaixo do rendimento atual de 3,90% a.a. dos títulos com prazo de 10 anos.

O SVB tentou vender US$ 2,25 bilhões de suas próprias ações para levantar capital e equilibrar sua situação financeira, o que fez muitas sobrancelhas levantarem e acabou gerando pânico dos clientes. Devido a desaceleração das empresas de tecnologia nos últimos anos, o fluxo de entrada de recursos no banco se inverteu, virou um fluxo de saída. O SVB precisava de dinheiro para devolver aos clientes que estavam queimando dinheiro.

Na quinta-feira, 09 de março, investidores e correntistas correram ao banco na tentativa de retirar US$ 42 bilhões. A perda de confiança dos depositantes foi, obviamente o gatilho que levou o SVB a insolvência.


Menos de 10% dos correntistas do SVB eram do varejo (pessoas físicas), ou seja, mais de 90% eram empresas, principalmente startups de tecnologia e fundos de capital de risco (venture capital funds) e 95% dos depósitos estavam acima do valor garantido pelo governo em caso de quebra de bancos.

“Fundos de capital de risco são um negócio altamente arriscado, então, o banco não apenas expos (ao risco) o lado dos ativos do seu balanço, mas também o lado dos passivos”, disse Marke T. Williams – ex-supervisor do banco central americano e professor do departamento de finanças da Boston University.

Onde estava o conselho de administração?

Os nomes dos conselheiros do SVB estão no quadro aí em cima, tem gente de peso, tipo o ex-CEO do banco de investimentos do Barclays e a ex-secretária adjunta de economia doméstica do tesouro americano.

Mas a quintessência das perguntas que surgem em qualquer crise, seja a das Lojas Americanas ou a do SVB, é:

Onde estava o conselho, o que eles sabiam, o que eles fizeram?

No caso do SVB tem muito mais questões de governança. Por que o SVB ficou sem um Chief Risk Officer por oito meses? Porque não informou aos reguladores nem ao mercado sobre a saída da antiga CRO em abril de 2022?

O banco fez uma péssima aposta nas taxas de juros. Investiu em títulos de longo prazo do tesouro americano e cerca de US$ 80 bilhões em títulos de renda fixa privados com taxas de 1,5% a.a.

O SVB fez testes de stress para determinar qual seria a liquidez em cenários ruins? Como o conselho supervisionava sua gestão de risco? Qual a culpa do conselho?

Seja lá o que vier depois, o caso do SVB assim como o das Lojas Americanas, infelizmente, se tornará um dos principais estudos de falha na governança corporativa do início do Século XXI.

Servir em um board já é desafiador em tempos normais, mas se torna ainda mais em tempos de economia difícil ou momentos de crise. Pessoas que tenham pensamento crítico são as mais indicadas para momentos assim.

Elas geralmente não estão apenas alguns passos à frente dos demais, mas sim léguas adiante. O problema com pessoas de pensamento crítico é que há uma linha muito tênue entre ter pensamento crítico e apenas ser crítico.

O mesmo vale para ser um board presente ou apenas ser um board que está presente.

Péssimos atuários

Matt Levine, um colunista de finanças da Bloomberg, forneceu um ótimo sumário explicando como as altas taxas de juros criaram uma faca de dois gumes, batendo do lado do ativo e do lado do passivo. Escreveu ele:

... se você era o banco das startups ... significa que você havia feito uma aposta superconcentrada nas taxas de juros. Seus clientes estavam inundados de dinheiro, então, te entregaram o dinheiro todo. Como eles não precisavam de empréstimo, você investiu todo aquele dinheiro em papeis de renda fixa com vencimento no longo prazo, que perderam valor quando as taxas de juros subiram (por causa da marcação a mercado). Mas quando as taxas subiram, seus clientes todos começaram a enfrentar dificuldade, porque acontece que eles eram criaturas de baixas taxas de juros e em ambientes de altas taxas eles ficaram sem dinheiro. Então, eles resgataram seus depósitos e você teve que vender seus papeis assumindo perdas para poder pagá-los de volta. Agora você perdeu dinheiro e começou a se mostrar financeiramente abalado, seus clientes se apavoraram e retiraram mais dinheiro, você vendeu mais papeis, perdeu mais ainda, ops, ops, ops [5].    

Talvez o maior problema do SVB tenha sido o descasamento entre seus ativos e seus passivos, algo muito caro aos fundos de pensão que carregam planos de benefícios definidos.

A gestão do risco dos investimentos é feita nos fundos de pensão com a ajuda de atuários, cujos cálculos de projeção dos passivos no longo prazo são fundamentais em estudos de ALM – Asset Liability Management.

É assustadora o impacto da alta dos juros nos investimentos dos bancos comerciais americanos, mais assustador ainda é ninguém ter se dado conta do risco de liquidez que os bancos carregam.

Na figura abaixo pode-se ver em azul a perda agregada em 2022 dos bancos americanos, decorrente da marcação a mercado dos títulos de longo prazo que carregam em suas carteiras.   


O cochilo dos reguladores

Devido a pandemia do Covid-19 o FED, banco central americano, reduziu em 2020 as exigências de reservas compulsórias dos bancos comerciais, para garantia de liquidez.

Esse relaxamento fez com que as reservas dos bancos fossem reduzidas de 10% dos depósitos a vista para ... 0% - isso mesmo, zero!

Esse nível de reservas persiste até hoje, significando que os bancos nos EUA não precisam manter NENHUMA parcela de seus ativos em dinheiro para fazer face aos eventuais resgates solicitados pelos correntistas.

Por essa razão, até um banco pequeno, qualquer banco, nos EUA, seria incapaz de resistir a uma corrida dos clientes para resgatar seu dinheiro, como foi o caso do SVB.

Com a quebra épica do SVB a grande dúvida é se foi falha da legislação ou se foi um lapso na supervisão e aplicação da lei. A resposta, ao menos em teoria, é importante porque ajudaria a prevenir novas crises.

Por que nem a supervisão local em São Francisco nem o FED identificaram os problemas de gestão antes que evoluíssem para uma crise? Por que não analisaram o balanço do SVB e identificaram os riscos?

“Os riscos eram reportados publicamente” disse Dennis Kelleher – CEO da Better Markets, uma ONG que defende maior regulação dos bancos, apontando para um artigo do Wall Street Journal que ressalta o risco dos bancos devido à alta dos juros.

Os relatórios de supervisão são confidenciais, não dá para saber o que aconteceu por trás das cortinas. Talvez as autoridades não tenham percebido o tamanho do risco, até aqui os depósitos eram considerados apenas um risco marginal, ninguém havia visto uma corrida aos bancos viralizar noTwitter.

Apesar de ser fácil apontar o dedo para as autoridades de supervisão, a quebra de um banco, em última instancia, é sempre um problema de sua própria liderança.

Sinal de alerta para os fundos de pensão

A alta dos juros desvaloriza os títulos públicos mantidos nas carteiras das instituições financeiras e fundos de pensão, como vimos anteriormente.

Uma maneira de evitar perdas, caso esses títulos tenham que ser vendidos em ambiente de alta dos juros (como o atual) é fazendo hedge desses investimentos através de operações de proteção com derivativos – algo que o SVB não fez.

Os fundos de pensão brasileiros estão sentados em uma montanha de títulos públicos como já apontei inúmeras vezes e imagina-se que estejam bem protegidos com hedge de derivativos.

Acontece que a alta dos juros é um fenômeno global, que aconteceu nos quatro cantos do mundo após a pandemia e por isso as operações de hedge foram catapultadas.

Aí que reside o perigo. O mercado global de derivativos é hoje uma bomba relógio de mais de US$ 2 Quatrilhões (2.000 trilhões de dólares).

Quando os bancos quebram em larga escala, os derivativos não são pagos de forma comportada e ordeira. Abaixo, a lista de exposição ao risco dos derivativos pelos maiores bancos americanos



Pois é ….


Grande abraço,

Eder.

 

Fontes: A riskmanagement nightmare at Silicon Valley Bank, escrito por Sheryl Estrada | Onthe Governance of Silicon Valley Bank, and What Next?, escrito por Evan Epstein | Were Silicon Valley Bank’s Risk Management Processes Sufficient? – Directors & Boards | The Fed and the SVB meltdown - Axios



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