quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

UMA VERDADE INCONVENIENTE SOBRE GOVERNANÇA DE CONSELHOS?

 



De Sāo Paulo, SP.


No mundo dos fundos de pensão, das organizações de previdência complementar, das empresas de capital aberto e das corporações em geral, aposto que você nunca ouviu alguém dizer que governança não importa.

Boa governança e controles sólidos melhoram os retornos, é o que se diz.

Será que é isso mesmo? Ou será que uma complexa rede de conselheiros, cursos de cerificação, consultores, headhunters e diretores executivos está tão comprometida em assegurar uma boa governança, que algumas verdades inconvenientes e desconfortáveis são ignoradas?

Essa semana, por exemplo, o chefão da LVMH - cuja família controla quase dois terços do direito a voto - propôs nomear para o conselho mais dois de seus filhos.

LVMH ou Louis Vuitton Moët Hennessy é uma das empresas mais bem sucedidas da Europa. Dona do maior conglomerado de marcas de luxo no mundo, controla marcas famosas de bebidas, perfumes, relógios, moda e joias.

Bernard Arnault, CEO da LVMH - Credito de Imagem: www.quartr.com


Noutro exemplo do mundo corporativo, o índice S&P 500 listando as quinhentas maiores açōes da bolsa de Nova York e NASDAQ, acaba de bater o recorde de alta por cinco dias consecutivos, mas se você virar o cartão de visitas da metade dos CEOs das empresas que compõem o índice, você vai ler do outro lado: “Presidente do Conselho”.

As empresas europeias nem sonham em deixar seu principal executivo acumular o papel de presidente do conselho. Investidores e especialistas em gestão e controle consideram que não pode haver nada pior do que isso para governança.

No entanto, a melhor ação de empresas europeias no índice MSCI World está classificada na 20ª posição. Todas as empresas acima da Nestlé, são americanas.

No universo dos fundos de pensão os exemplos também são muitos. Nenhum grande negócio feito no país deixa de passar pela mesa dos conselhos dos quatro maiores fundos de pensão, cujo patrimônio conjunto supera R$ 400 bilhões e equivale a 1/3 do setor.

Credito de Imagem: Relatório Gerencial de Previdência Complementar, Março 2023

No entanto, nenhum deles conta com membros profissionais e independentes em seus conselhos deliberativos. Nenhum de seus conselheiros vem do mercado, todos tem a mesma origem: são profissionais oriundos das empresas que os patrocinam, atuam no mesmo segmento de atividades.

Os especialistas em governança são unânimes em apontar que o pensamento em grupo, a concentração de experiencias, a pouca diversidade e a mesma visão de mundo, são péssimos para tomada das melhores decisões.

Em outras palavras, nossos maiores fundos de pensão, assim como as maiores empresas americanas, têm uma governança terrível.

A estrutura de dois tipos de ação, adotada por empresas como a Meta (ex-Facebook) e Alphabet (dona da Google), riem na nossa cara. Você pode ser dono de uma parte dessas empresas, mas não pode dar uma palavra sobre como elas são administradas.

Elon Musk as inveja. Semana passada Musk disse que a estrutura com dois tipos de ação seria ideal para ele ter mais controle da Tesla. Diante de uma valorização das ações da Tesla superior a 820% nos últimos cinco anos, poucos acionistas discordariam dele.

Investidores reconhecem uma má estrutura de governança quando a veem, mas quem se importa quando estão ganhando $$$?

O investimento direto na Arabia Saudita quase quadruplicou nos últimos dez anos, mais de US$ 200 bilhões foram aportados em mercados emergentes e US$ 40 bilhões em dinheiro estrangeiro foram investidos no mercado de ações do Japão, no qual uma teia de participações cruzadas dificulta saber quem exerce o controle. Nenhum dos destinos desses investimentos é garoto propaganda da boa governança.

No setor de fundos de pensão - de acordo com o Relatório Gerencial de Previdência Complementar elaborado pelo Ministério da Previdência - enquanto diminui o número de planos patrocinados por empresas, cresce o de planos “instituidores” (planos de pessoas físicas, que independem de vínculo de emprego).

A quantidade de participantes dos planos instituidores aumentou de 228 mil em 2013 para 774 mil em 2022. No entanto, a governança dos conselhos dos fundos de pensão que implantaram planos instituidores, continua com a mesma estrutura de representação adotada por fundos de pensão controlados por empresas. Os participantes seguem sub-representados.

Compradores de ações e participantes de planos de previdência complementar ignoram a má governança, quando lhes convém.

Mas nem precisariam. Estudos acadêmicos sobre governança e resultado para os acionistas tem dificuldade em mostrar que existe correlação positiva entre os dois – ainda mais causalidade. Um estudo feito pelo Journal of Corporate Finance em 2022 mostrou que a performance das ações de empresas com governança ruim superou, desde 2008, as com boa governança.

Até mesmo as melhores práticas de governança que consideramos óbvias, como ter conselheiros profissionais independentes para melhorar a supervisão e o monitoramento dos executivos e prevenir conflitos de interesse, têm correlação fraca com desempenho.

Não ajudou muito ter 11 membros independentes num board com 14 conselheiros na Enron, nem ter quase metade de membros profissionais no conselho da WorldCom. Um paper de James Coombs, da Florida State University, concluiu que o poder do CEO simplesmente atropela a independência do conselho, passando por cima dela.

Claro, sempre vai haver histórias de horror envolvendo a governança de empresas e fundos de pensão. Como o caso da debacle da VW AG sob uma esdrúxula divisão de controle entre a família Porsche-Piëch e o Estado da Baixa Saxônia. Ou o caso da petroleira Exxon entrando com uma ação na justiça para bloquear uma resolução de seus acionistas envolvendo mudanças climáticas. Ou, ainda, o intrincado controle cruzado do extinto Aerus (fundo de pensão da Varig), cujo maior devedor era justamente sua patrocinadora, que era controlada pelos ... empregados da Varig, que eram ... os participantes do Aerus.


Credito de Imagem: Arquivo Varig


Visando evitar histórias assim, a Alemanha conta com um sistema de duas camadas. A governança é exercida por dois conselhos diferentes, um para controle societário e outro para administração - e ainda há representação dos empregados.

Aí você vai olhar a posição da maior empresa alemã no MSCI World, ranking das ações das 1.500 companhias de médio e grande porte com atuação global. Em que posição aparece a boa governança? Sexagésimo lugar, sim, 60º ...

Nos últimos anos a agenda ESG ganhou notoriedade e há muita polemica nas salas dos conselhos envolvendo o “E” e o “S”, mas poucos conselheiros discordam do “G”, da importância de uma boa governança.

No entanto, nos estudos de longo prazo ligando retorno à importância dada pelas empresas às questões ESG, o elo com menor relação estatística entre os três é exatamente a governança – ver Rómulo Alves, Philipp Krüger e Mathijs van Dijk .

A verdade é que existem tantas maneiras de controlar uma empresa e um fundo de pensão quanto o número de empresas e fundos existentes. Deveríamos celebrar essa diversidade e apostar naqueles que conseguirem prevalecer. 

Talvez (apenas talvez) o prêmio para uma boa governança esteja muito mais em  assegurar a continuidade de uma organizaçāo no longo prazo, do que em entregar os melhores resultados no curto. 

Mas isso é assunto para outra ocasiāo. 

Grande abraço,

Eder.


Fonte: “We are all hypocrites on corporate governance”, escrito por Stuart Kirk


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