quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Investimentos responsáveis: quando o dinheiro fala a chance de mudar o mundo aumenta – os fundos de pensão vão se posicionar?




De São Paulo, SP,

Ao longo dos últimos 50 anos as empresas entendiam que seu papel na sociedade era dar lucro para os acionistas, um conceito descrito em 1970 por Milton Freedman, Nobel de economia.

Tchau querido! Na quinta feira passada, dia 19 de agosto, Business Roundtable, uma organização que defende interesses corporativos em Washington, publicou em seu "Statement on the Purpose of Corporations" - uma espécie de declaração das finalidades das corporações – a lista do que entendem ser as principais responsabilidades de uma empresa.

No documento aparecem, antes do foco nos acionistas, as seguintes finalidades: “criar valor para clientes”, “investir nos empregados”, "fomentar diversidade e inclusão", “tratar fornecedores de forma ética e justa", “apoiar as comunidades onde trabalham" e “proteger o meio ambiente". O texto tem 300 palavras e os acionistas são mencionados só lá pela palavra 250. 

A mudança pode não ser apenas retorica, como a maioria das iniciativas corporativas nessas áreas costuma ser. Você conhece muitos empregados com mais de 60 anos na sua empresa? Eu também não. Será que o papo de diversidade e respeito aos empregados não vale para idade, numa sociedade que reconhecidamente envelhece? Pois é!

Então. Precisamos de exemplos práticos na outra direção. Como se diz em inglês, precisamos ver as empresas “walk the talk”, “put their money where their mouth is”, ou seja, fazer efetivamente aquilo que estão falando. 

Eis que surge uma carta endereçada aos senadores americanos pelos CEO de 145 grandes empresas do país dizendo que: “não fazer nada sobre a crise de violência com armas na América é simplesmente inaceitável”. 

Na carta, escrita no dia 12 de setembro e reproduzida pelo New York Times, os lideres pedem mais rigor na verificação de antecedentes na compra de armas e leis mais rígidas para venda de armas e munições. Note que eles não pedem a proibição da venda de armas e sim mais rigor no controle de quem compra e usa armas. Nada a ver com estatuto do desamamento viu!

Empresas como Levi Strauss,Twitter e Uber, que assinaram a carta, inauguram a entrada da comunidade de negócios no debate das armas, um assunto que polariza os Americanos e que muitos consideram fora de controle.

A iniciativa surgiu na esteira do tiroteio que ocorreu agosto passado na loja do Walmart em El Paso – Texas, que matou 22 pessoas e ganhou destaque mundial.

“Violência com armas na América não é inevitável, ela é evitável” diz a carta. “Precisamos que nossos congressistas, com base no senso-comum, apoiem leis capazes de prevenir tragédias como essas”, completam. 

As empresas também estão pressionando o governo para permitir que o judiciário emita ordens provisórias tirando as armas das mãos de pessoas que representem risco de cometer violência, chamada de “lei de alerta antecipado” (tradução livre para red-flag law).

O Walmart, o maior empregador dos EUA, escreveu sua própria carta aos congressistas forçando o debate para proibir a venda de armas com grande poder de fogo como fuzis e metralhadoras. Além disso, anunciou que estava retirando determinadas armas e munição de suas prateleiras e desencorajando o porte ostensivo de armas em suas lojas. Outras empresas acompanharam a medida, alterando suas politicas de porte ostensivo de armas como Kroger, CVS e Walgreens.

Dentre as 145 empresas que assinaram a carta de 12 de setembro estão ABnB, Gap, Pinterest, Lyft, Brookfield e Royal Caribbean.

Conforme comentou o presidente da Levi Strauss, Chip Bergh, empresa cujo jeans Levis é um dos símbolos da cultura americana: “Considerando que esse é um assunto politicamente polemico, esses CEO (que assinaram a carta) estão de certo modo, colocando suas empresas em risco, mas os lideres não estão com medo de se engajarem”.

A mobilização das empresas faz sentido não apenas sob o ponto de vista social. Os CEOs estão dispostos a agir em todos os assuntos que causem impacto nos negócios e a verdade é que a violência com armas está afetando os negócios em geral. Sem falar que a maré esta mudando. Pesquisas mostram que opinião publica americana, independentemente da orientação politica (vermelhinhos e não-vermelhinhos), está preocupada com o assunto e apoia o aperto na legislação.    

Mas ... como diz o Jabor, tem sempre um mas, estão faltando alguns nomes famosos. Na lista das que não assinaram a carta, talvez achando que o risco politico fosse alto demais, estão algumas das maiores empresas americanas dos setores financeiro e de tecnologia, como Apple, Facebook, Google, JPMorgan Chase e Wells Fargo. 

O Mark Zuckerberg, que não assinou, parece concordar com a iniciativa, segundo fontes que o ouviram. Talvez tenha se abstido para evitar a luz dos holofotes num momento em que o Facebook está sendo acusado pelos republicanos de calar vozes conservadoras.

Como tudo na vida, tomar partido tem suas consequências. O Citigroup e o BofA (Bank of America) se afastaram esse ano do setor de armamento e anunciaram publicamente que terminariam o relacionamento comercial com fabricantes de armas, deixando de emprestar dinheiro para eles. Mesmo não tendo assinado a carta, os dois bancos foram retaliados pelo estado da Louisiana, comandado por conservadores, que aprovou uma lei proibindo-os de participar do lançamento de títulos públicos estaduais. 

Para o bem ou para o mal, as empresas estão se posicionando cada vez mais em defesa de questões sociais. Ao longo dos três últimos anos o mundo dos negócios se engajou em questões como imigração, mudanças climáticas e discriminação racial de maneira que seria impensável dez anos atrás.

Acho que minha pregação no deserto vai começar a surtir efeito. Já não é de hoje que venho defendendo a incorporação dos aspectos ESG (Ambientais, Sociais e de Governança) nas politicas de investimentos dos fundos de pensão brasileiros. 

Em anos recentes, provoquei muita gente competente na área de investimentos dos fundos, de consultores a diretores de investimento, de atuários a conselheiros deliberativos, apenas para ouvir de volta comentários do tipo: “isso é modismo”, “isso entrega resultados piores” ou “os participantes não se interessam”.

Desculpe pessoal, mas parece que o movimento que começou com a Geração Z (que sabidamente se importa com questões sociais) e está agora se aprofundando com a Geração Alpha, é muito mais amplo. 

O mercado está exigindo ação - e as empresas estão escutando. E nós, fundos de pensão? Vamos ficar nessa inércia até quando? 

Abraço grande.
Eder.


Fonte: Adaptado dos artigos “America’s CEOs Seek a New Purpose for the Corporation”, escrito por Alan Murray e “’Simply Unacceptable’: Executives Demand Senate Action on Gun Violence”, escrito por Andrew Ross Sorkin.

Credito de imagem: www.parvaconsuting.com

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