sexta-feira, 29 de março de 2024

A AULA QUE A CONDENAÇĀO DE BANKMAN-FRIED DA FTX PODE DAR À JUSTIÇA BRASILEIRA, SOBRE A FRAUDE DAS LOJAS AMERICANAS

 


Do Rio de Janeiro, RJ.


Sam Bankman-Fried vai para a cadeia. Ele não vai cumprir o tempo dele em uma prisão federal de segurança máxima, será colocado em lugar mais próximo possível da família, em São Francisco – EUA, mesmo assim, ele vai para cadeia, onde vai passar os próximos 25 anos.

Depois de ficar preso por quase seis meses, ele foi sentenciado ontem por ter ocupado papel central e cometido várias fraudes ligadas a implosão da corretora de cryptomoedas FTX e sua afiliada Alameda Research, em novembro de 2022.

A sentença é longa e poderia ter sido muito mais dura – foi de apenas um quarto dos 105 anos recomendados pelo Department of Parole (sem equivalente no Brasil, mas parecido com a vara de execuções penais) e quase metade dos 40 a 50 anos pedidos pela promotoria à corte de Nova York.

Foi, porém, muito maior do que os cinco a seis anos e meio que os advogados de Bankman-Fried esperavam.

A defesa se baseava numa combinação de argumentos – o mais importante, de que ninguém de fato perdeu dinheiro com o colapso da FTX porque o governo se dispôs a ressarci-los – e as declarações de sustentação da defesa de que era injusto comparar seu cliente Bankman-Fried a “assassinos financeiros de sangue frio” tipo Bernie Madoff e Karl Greenwood, como o advogado Marc Mukasey, líder da defesa, colocou.  

O juiz do caso, Lewis Kaplan, descartou o primeiro argumento como bobagem, dizendo que “rejeito inteiramente” o argumento da defesa de que ninguém foi prejudicado com a quebra, descrevendo-o como “enganoso ... logicamente, falho ... e especulativo”.

As alegações de que Bankman-Fried tinha um coração de ouro – que foi motivado somente por impulsos altruístas e que ele era um “lindo quebra-cabeças” com “tristeza em seu âmago” – igualmente, não persuadiram o juiz Kaplan. Também não o convenceram as tentativas de usar o diagnóstico de autismo de Bankman-Fried para explicar algumas de suas terríveis escolhas, inclusive a tentativa de pressionar testemunhas.  

Aos olhos de Kaplan, o altruísmo de Bankman-Fried era a “interpretação de um personagem” – ao invés da alma gentil e do “nerd estranho de matemática” que seus advogados e a família tentaram retratar, o Bankman-Fried do tribunal de Kaplan era:

“Sedento por poder, um mentiroso, alguém atraído por jogos imprudentes, que não expressou suficientemente remorso pelos seus crimes e tinha uma flexibilidade excepcional com a verdade”.

Uau! Tem mais. O juiz disse nos autos que:

“Quando (Bankman-Fried) não estava mentindo abertamente, ele era evasivo, se prendia em minucias, esquivava-se de perguntas e tentava fazer os promotores reformularem as perguntas para poder responder de maneiras que considerasse menos prejudiciais do que teria sido uma resposta verdadeira para a pergunta efetuada. Estou nesse trabalho (de juiz) a quase 30 anos, nunca vi uma atuação como essa”

Kaplan apontou para três casos de perjúrio durante o depoimento de Bankman-Fried ao longo do julgamento, tendo o cuidado de enfatizar repetidamente que não foram os únicos casos, apenas o suficiente para defender seu ponto de vista de que o réu mentia.


Juiz Lewis Kaplan - Credito de Imagem: New York Times

O juiz pareceu particularmente impressionado com o testemunho de Caroline Ellison, de que Bankman-Fried era dado a jogar cara ou coroa e correr riscos enormes, desde que houvesse uma chance minúscula de obter sucesso.  

“Em outras palavras, um homem disposto a jogar uma moeda para o alto quanto a continuação da vida na Terra, mesmo que as chances fossem imperceptivelmente maiores de que um resultado catastrófico acontecesse, esse foi realmente o fio condutor do meu julgamento de todo esse caso”, ponderou Kaplan.

Embora Mukasey (advogado líder da defesa) tenha dito que seu cliente “nerd esquisito da matemática” havia sido suficientemente dissuadido a nunca mais cometer outro crime financeiro, por ter ficado preso por seis meses numa cadeia no Brooklin, o juiz Kaplan discordou.

Kapan alegou que uma sentença maior era necessária para impedir que Bankman-Fried viesse a cometer outro grave crime financeiro:

“Bankman-Fried é persistente e um grande marketeiro, já usou suas habilidades para tentar mudar a narrativa da mídia em torno do seu caso. Não é preciso muita imaginação para enxergar os contornos da campanha [que Bankman-Fried poderia lançar para reabilitar sua reputação].  O risco desse homem ter condição de fazer algo muito ruim no futuro, não é absolutamente um risco trivial”, completou Kaplan  

O juiz Kaplan parece ter levado muito a sério seu dever para com o público, ao proferir uma sentença que maioria das pessoas concorda ter dado a Bankman-Fried o que ele merece.

“No fim do dia, o sistema de justiça criminal nesse país [EUA] só pode contar com o apoio do público se ... de forma geral, as pessoas acharem que funciona de maneira justa. É disso que dependemos. Se isso não acontecer, voltaremos a uma época em que as pessoas faziam justiça com as próprias mãos”.


Sam Bankman-Fried - Credito de Imagem: Reprodução do Youtube

Com a justiça feita pelas próprias mãos afastada (pelo menos por enquanto), Bankman-Fried terá que cumprir seu tempo na prisão da maneira normal.

De certa forma, Kaplan levou em consideração o diagnóstico de autismo e a natureza gentil do réu, ao recomendar que Bankman-Fried seja colocado em uma prisão federal de segurança média ou baixa, de preferência perto de onde mora a família dele – argumentou que o autismo, a notoriedade e sua elevada condição financeira, poderiam torna-lo vulnerável em uma prisão de segurança máxima.

Para aqueles achando que Bankman-Fried sairá logo da prisão por bom comportamento, não, nāo sairá. Graças a uma reforma do código penal americano em 1984, Bankman-Fried e todos os detentos de prisões federais, tem direito a uma redução máxima de 15% da pena devido a bom comportamento.

Claro, tudo pode mudar e os americanos resolverem implantar as saidinhas, o regime semiaberto, a leitura de livros para redução da pena, etecetera ... sem falar na improvável revisão do veredito por um tribunal superior (americano).

Os advogados já disseram que vão apelar, eles têm 14 dias para entrar com o pedido.

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A maior fraude da história corporativa do Brasil e a impunidade



No começo de 2023 as Americanas (tiker AMER3) divulgou oficialmente uma fraude nas informações contábeis da empresa por meio de um fato relevante. As revelações já não eram surpresa, muitos no mercado financeiro falavam abertamente das irregularidades, da falta de transparência e do escândalo.

As práticas fraudulentas das Americanas são chocantes, evidenciam escolhas conscientes que vāo muito além de simples erros contábeis. Envolviam ações deliberadas de lançamentos de despesas financeiras contra fornecedores, registro de descontos potenciais e adulteração de ativos e passivos para enganar bancos, investidores, autoridades e fiscalização.

O impacto do escândalo das Americanas se estendeu além das fronteiras da própria empresa, seus credores e empregados - que perderam o emprego aos milhares - afetou a imagem de firmas de auditoria, autoridades de fiscalização, profissionais de governança corporativa, de controle de riscos, ... ______ (preencha a vontade).  

Passados 14 meses da descoberta do escândalo das Americanas pelo grande público, as investigações ainda estão em curso, ou seja, nenhum culpado sequer identificado.

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Voltando ao caso da FTX, as opiniões do juiz Kaplan (dadas dentro dos autos), a rapidez do processo - foram menos de 18 meses desde a quebra da FTX em nov./2022 até a sentença condenatória dada ontem, mar/2024, são uma pérola para educação do sistema judicial de qualquer país.

A confiança dos investidores e do público é fundamental para o bom funcionamento dos mercados financeiros. Os negócios são fechados, primordialmente, com base na confiança. Ela é um elemento essencial para o desenvolvimento econômico e social do país e para garantir a integridade dos mercados financeiros.

Que inveja do juiz Kaplan e do sistema judicial que lhe dá sustentação.

Grande abraço,

Eder.


Fonte: “What you missed”, escrito por Cheyenne Ligon | “A maior fraude da história corporativa do Brasil: O caso Americanas (AMER3)”, escrito por Daniel Abrahāo.


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