
De Sāo Paulo, SP.
Um risco que deveria tirar o sono dos conselheiros de fundos de pensāo: desequilibrio intergeracional.
Na maioria dos países – e isso vale tanto para as economias desenvolvidas quanto emergentes – o contrato social entre as gerações está se desfazendo.
Ao longo dos últimos séculos as famílias operavam sob uma equação simples: os pais investiam na educação e estabilidade dos filhos e em troca, quando os filhos alcançavam a segurança financeira, cuidavam dos pais na velhice.
Esse modelo está colapsando.
Jovens adultos estão entrando em um mercado de trabalho muito mais difícil do que aquele que seus pais enfrentaram. Muitos empregos são informais, os salários estāo estagnados e a compra de um imóvel está cada vez mais inacessível.
A maioria dos jovens não consegue mais alcançar a independência financeira, imagina cuidar dos pais mais adiante.
Enquanto isso, a necessidade de assistência a saúde das gerações mais antigas continua aumentando diante de planos de saúde impagáveis, a mobilidade caindo e a renda de aposentadoria minguando.
Resultado? Duas gerações economicamente vulneráveis, cada uma olhando para a outra por suporte, mas nenhuma capaz de oferecê-lo.
Para fundos de pensāo, esse nāo é um dilema abstrato, é um desafio real para sua viabilidade no longo prazo, porque esse colapso geracional ameaça o mercado futuro dos planos de previdência complementar.
Setores como o imobiliário e de seguros já sentem esses efeitos, com os jovens consumidores incapazes de poupar para comprar a casa própria, desestabilizando a demanda.
Isso não acontece isoladamente, os efeitos são fruto de um desequilíbrio econômico global que aponta para uma concentração de renda nos mais ricos. A riqueza não está mais ligada ao trabalho ou mérito e sim cada vez mais à herança e controle financeiro.
Nāo há como se falar de sustentabilidade de fundos de pensāo sem confrontar os problemas econômicos associados ao envelhecimento, do cuidado com os mais velhos e da perenidade da força de trabalho.
Numa sociedade funcional, o cuidado com os mais velhos nāo deveria depender de sacrifício privado. Deveria depender de infraestrura publica, financiada de forma justa, disponibilizada de forma inclusiva e sustentada coletivamente.
Os conselhos dos fundos de pensāo nāo podem mais se dar ao luxo de continuar ignorando algo que até as empresas deveriam entender:
A fratura entre as gerações é um risco material e claro de negócio e já está moldando o futuro do setor.
Uma estratégia que ignore o problema financeiro geracional nāo é neutra, é uma falha na gestão de riscos de um fundo de pensāo. Os conselhos deveriam ir além do mero reconhecimento do problema e agir.
Isso começa pela pergunta: O que podemos fazer?
A resposta é: Mais do que se pensa.
Primeiro: identificar de quais maneiras o fundo de pensão já está exposto. Isso significa pressionar a gestão a mostrar em que pontos as novas gerações estāo desengajadas de sua cadeia de valor .
Os conselhos deveriam demandar análises por faixa etária dos atuais e potenciais participantes (empregados das patrocinadoras) — especialmente aqueles abaixo de 35 anos de idade — identificando como as barreiras de acessibilidade, endividamento e desilusão podem estar corroendo a lealdade dos atuais participantes, mensurando e projetando a demanda pelas soluções oferecidas pelo fundo no longo prazo.
Os conselhos deveriam encomendar análises de cenário que tratem o desequilíbrio demográfico com a já anunciada redução populacional, não como um ruido de fundo, mas como o principal vetor.
O que acontece quando seus participantes mais jovens não conseguem mais formar um lar, acumular poupança ou fazer seguro de seu futuro? Qual o custo de uma força de trabalho crescentemente dependente de subsídios familiares, de um segundo emprego ou do compartilhamento e moradia?
Isso nāo é teórico!
Credito de Imagem: www.silvermaples.org
Setores variados como a indústria automotiva, imobiliária e varejo já enfrentam uma desconexão geracional entre o que oferecem e aquilo que a população jovem é capaz de comprar.
É dever fiduciário dos conselhos preencher essa lacuna. As matrizes de risco e as revisões de estratégias devem refletir isso explicitamente
Até mesmo as estratégias internas de automação e transformação digital, apesar de eficientes, geralmente geram consequências geracionais ocultas – eliminando cargos no início da carreira ou consolidando poder de maneiras que excluam potenciais novos participantes.
Os conselhos deveriam demandar da gestão planos de mitigação que enxerguem além das manchetes na mida sobre programas de recapacitação.
Proteger o fundo de pensão contra os riscos intergeracionais é apenas um lado dessa equação. O conselho também tem um papel para endereçar a solução.
A governança precisa evoluir. Mais do que tratar a equidade geracional como uma aspiração abstrata, a diversidade e a profissionalização dos conselhos precisam se traduzir em mecanismos concretos, com implantação de politicas de igualdade de gênero e nomeação de conselheiros profissionais independentes.
Isso significa incorporar as questões intergeracionais na logica dos investimentos, alocação de capital e incentivos. Os conselhos deveriam pedir para a diretoria executiva projetar não apenas o crescimento de patrimônio, o retorno dos investimentos e o aumento da receita ...
... mas também a acessibilidade aos seus planos de previdência complementar no longo prazo, por todas as faixas de renda.
Deveria desafiar os gestores a propor produtos, oferecidos diretamente ou indiretamente - via parcerias com o fundo de pensão - voltados para infraestrutura de apoio à resiliência geracional, como financiamento de moradias acessíveis, educação e formação profissional, agetchs etc.
Enfim, numa era em que transformações econômicas e demográficas estāo redefinindo quem trabalha, quem compra, quem confia e quem constrói o futuro, os fundos de pensāo que prosperarão serão aqueles que estiverem dispostos a evoluir.
Os fundos de pensão nāo operam mais num mercado fechado e estanque. Quando desequilíbrios intergeracionais começam a moldar a disponibilidade de mão de obra, os padrões de demanda, a propriedade de imóveis, a capacidade de poupança e a confiança das pessoas, eles se tornam uma ameaça direta a sua sustentabilidade de longo prazo.
Tudo que se espera dos conselhos é que exerçam a governança dos fundos de pensão tendo plena consciência de como as mudanças demográficas, econômicas e sociais estão remodelando as forças de trabalho e as bases de seus mercados.
Os conselhos não supervisionam riscos cibernéticos, climáticos e geopolíticos porque podem resolvê-los, mas porque precisam antecipar, adaptar e prepara o fundo de pensão para suas consequências.
A mesma lógica se aplica aqui.
Grande abraço,
Eder.
Opiniões: Todas minhas | Fontes: “Intergenerational Inequality Demands Governance Attention”, escrito por Elif Ates-Ozpak.