De São Paulo, SP.
Imagine duas pessoas gêmeas, idênticas, com 65 anos de idade, que estão prestes a se aposentar no final do mês após longas e bem sucedidas carreiras.
Vamos chamá-los de Alcides e Nilo. Eles trabalharam em empresas diferentes, acumularam o mesmo montante em reais de poupanças para aposentadoria, mas seus benefícios não serão pagos da mesma forma.
Nilo receberá de seu plano de previdência um benefício tradicional, correspondente a uma renda vitalícia de R$ 4.000 por mês, que será pago pelo resto de sua vida.
Alcides, por outro lado, receberá seu benefício na forma de pagamento único e caberá a ele administrá-lo, a partir daí, por conta própria.
Alcides tem uma série de alternativas, mas todas tem conseqüências. Por exemplo, ele pode investir todo seu dinheiro em títulos conservadores de renda fixa (como o tesouro direto) e gastar os juros mais uma parte do principal para também ter uma renda mensal de R$ 4.000.
Não obstante, se fizer isso, o dinheiro de Alcides deverá acabar por volta de seus 85 anos, uma idade à qual – segundo as atuais tábuas atuariais – ele tem 30% de chance de chegar.
Alternativamente, Alcides pode retirar apenas R$ 3,000 por mês de seus investimentos. Viveria com uma renda mensal inferior a da primeira alternativa, mas seu dinheiro duraria até que ele atingisse os 100 anos de idade.
Quem estaria mais feliz nesse momento? Alcides ou Nilo?
Se essa pergunta lhe parece inteiramente estúpida (já que a resposta é óbvia) seja bem vindo ao clube dos participantes de planos de previdência complementar.
A esmagadora maioria dos mortais haverá de preferir a segurança fornecida pelo benefício do Nilo, ao invés de ter que lidar com as complexas escolhas que Alcides terá que enfrentar.
É exatamente aqui que está o problema: Os afortunados como Nilo, que contam com uma “antiquada” opção de renda vitalícia em seus planos que tanto amam – do tipo “benefício definido” – são uma raça em extinção.
Por outro lado, pessoas como Alcides – com planos de “contribuição definida” – tem plenas condições de transformar a incerteza de seus benefícios no fluxo de pagamentos mensais garantidos pelas rendas vitalícias tradicionais.
Podem fazer isso simplesmente comprando um benefício junto a uma entidade aberta de previdência complementar (seguradora), com o saldo acumulado recebido em pagamento único.
Mas quando lhes é oferecida essa chance, quase todos declinam da oferta alegando que, ao morrer, não querem deixar o saldo restante de suas poupanças de aposentadoria para a entidade de previdência/seguradora que a administra.
Os atuários americanos chamam isso de “annuity puzzle”, em tradução livre, “enigma da previdência complementar”.
Adotando hipóteses-padrão os atuários provam que compradores de rendas vitalícias junto a entidades abertas/seguradoras conseguem – em média – assegurar rendas anuais, pelo resto de suas vidas, superiores aquelas obtidas pelas pessoas que administram por conta própria seus portfólios de investimentos.
Isso ocorre devido ao efeito estatístico do mutualismo, segundo o qual os compradores de renda vitalícia que morrem muito cedo, subsidiam aqueles que morrem mais tarde.
Então, porque os participantes de planos de contribuição definida, PGBL e VGBL incluídos, teimam em não dar preferência a compra de uma renda vitalícia com suas poupanças de aposentadoria?
Bem, uma parte da resposta eu ouvi pessoalmente de inúmeros clientes: adquirir uma renda vitalícia de uma entidade aberta/seguradora é um mal negócio para meus herdeiros ...
Mas esse raciocínio não é inteiramente verdadeiro.
Primeiro, porque um aposentado sempre pode separar - hoje ou no futuro - uma parcela de suas economias para deixar para seus entes queridos.
Segundo, porque se um aposentado opta por administrar seu próprio dinheiro, seus herdeiros enfrentarão uma das seguintes possibilidades: (i) tiram a “sorte grande” se os pais morrem cedo e deixam como herança o saldo que não foi usado por eles durante a aposentadoria; ou (ii) dão “azar” e seus pais tem uma vida longeva deixando para os herdeiros o fardo de ter que cuidar deles quando o dinheiro da aposentadoria terminar.
Se seus pais, caro leitor, estão envelhecendo, você provavelmente pagaria qualquer coisa para nunca ter que descobrir uma forma de explicar ao seu cônjuge que sua mãe está se mudando no final de semana para morar com vocês...
Mas há outras explicações para a aversão que os participantes tem de comprar uma renda vitalícia com o saldo acumulado em seus planos de contribuição definida.
Uma delas: a compra de rendas vitalícias pode não ser popular porque é algo difícil, complexo e assustador para a maioria das pessoas.
Sair à compra de uma renda vitalícia colocando centenas de milhares de reais (às vezes milhões) de poupança de aposentadoria em risco, pode ser assustador até para um economista.
Como a esmagadora maioria dos planos de previdência complementar corporativos eliminou a renda vitalícia do conjunto de opções para recebimento dos benefícios do plano, o participante que quiser uma terá que ir ao mercado.
Na hora de escolher, o participante não encontrará nenhuma entidade aberta/seguradora específica que conte com o beneplácito da área de recursos humanos da empresa para tranqüilizá-lo. A coisa só piora.
Há outra explicação, de fundo psicológico. Ao invés de ver a compra de uma renda vitalícia em uma entidade aberta/seguradora como uma “proteção” para a eventualidade de alguém viver até os 85 ou 90 anos de idade, muitas pessoas parecem considerar tal compra como um jogo.
Nesse jogo ou aposta, a pessoa terá que viver um determinado número de anos para empatar com a entidade aberta/seguradora. Se viver menos, ganha a entidade aberta/seguradora. Vivendo mais, ganha a pessoa.
Não obstante, conforme vimos no exemplo do Alcides e do Nilo, a decisão mais arriscada é a de se tentar administrar a renda mensal de aposentadoria por conta própria.
Administrar sozinho a renda de aposentadoria é algo arriscado porque ninguém consegue prever quanto tempo vai viver.
Mesmo sem novos avanços nas áreas de medicina, biotecnologia e genética, um homem com 65 anos de idade hoje tem quase 20% de chance de chegar aos 90. No caso de uma mulher a chance é próxima a 33%.
Ou seja, um marido que se aposenta quando sua esposa tem 65 anos precisa considerar em seu planejamento financeiro 1/3 de chance de que sua esposa viva por mais 25 anos.
A única maneira segura de resolver esse problema é através da compra de uma renda vitalícia com continuação de pensão para o cônjuge sobrevivente.
Uma renda vitalícia também pode ajudar uma pessoa a decidir o momento de se aposentar. É difícil ter uma idéia de quanto dinheiro é necessário ter acumulado na data de aposentadoria para continuar mantendo o mesmo padrão de vida.
Porém, ao transformar determinado montante em uma renda mensal, fica muito mais fácil determinar se você já acumulou o suficiente para poder parar de trabalhar.
A expectativa de vida, que subiu 20 anos no último meio século, continua a aumentar. Isso significa que os trabalhadores precisam poupar cada vez mais para obter a mesma renda de aposentadoria que planejaram. Aqueles que administram seu próprio benefício podem apenas torcer para ter poupado o suficiente.
A renda vitalícia pode ajudar a resolver muitos dos problemas discutidos acima, mas cada vez menos pessoas optam por comprar uma.
Quer a causa disso seja racional, como o medo que as pessoas tem das seguradoras quebrarem, quer seja o desconhecimento dos participantes sobre o papel das rendas vitalícias em diminuir os riscos da longevidade, ou a simples ganância humana de ganhar sempre e não deixar nada para trás (mesmo depois de morto!), esse problema segue sem solução.
Deveria o governo desempenhar algum papel de regulação aqui?
Abraço grande,
Eder.
Fonte: Adaptado do artigo "The Annuity Puzzle", escrito por Richard H. Thaler para o New York Times. Crédito de imagem: www.voyage-moi.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário