segunda-feira, 30 de março de 2020

Fundos de pensão - Navegando na grande recessão




Credito de Imagem: i.imgur.com/6Si84v..


De São Paulo, SP.

O debate publico acalorado gira hoje em torno de duas alternativas irrealistas para resolver a crise causada pelo COVID-19: (1) um retorno imediato ao trabalho; e (2) quarentena generalizada até que surja uma vacina - prevista para daqui a um ano ou mais.

Ambas as alternativas podem levar ao colapso social e econômico e nenhuma das duas nos fornece uma visão clara de como seria o meio termo, onde geralmente repousa a sabedoria, conforme aprendi com os mais velhos.

Como seria esse meio termo? Os elementos de uma possível estratégia começam a emergir aqui e acolá. A via do meio muito provavelmente envolverá a quarentena do país inteiro até o final de abril. Então, o retorno ao trabalho precisará se desenrolar gradualmente e envolver bastante dos elementos abaixo, seguida de novas ondas de quarentena, se e quando necessário:

  • Proteção e isolamento continuado para a população vulnerável;
  • Continuidade da restrição à aglomeração de pessoas e circulação indiscriminada em locais públicos;
  • Aumento da produção de equipamentos de proteção e respiradores;
  • Aprovação de algum tratamento com eficácia clínica comprovada para casos críticos;
  • Prioridade para aqueles que não podem trabalhar de casa sobre os que podem;
  • Horários intercalados das jornadas de trabalho para evitar aglomeração na hora de rush e em transportes públicos;
  • Teste rápidos e em larga escala para detectar rapidamente e conter novos casos de infecção;
  • Séria restrição a viagens para isolar e evitar a disseminação de novas infecções; e
  • Testes para detectar anticorpos para que indivíduos imunes possam ser identificados.
Até que uma solução intermediaria para a crise comece a tomar forma, veja alguns conselhos dados pelo ex-CEO da Honeywell - Dave Cote, que adaptei para os conselhos deliberativos e diretorias dos nossos fundos de pensão. 

Foque em liderar, não em obter consenso

Em geral, diz Cote, os líderes não conseguem atravessar uma recessão tão bem. É surpreendente a frequência com que um líder entra em pânico nessas situações, afinal são humanos. 

Em tempos difíceis muitos líderes buscam consenso porque isso reduz o risco de fazerem a coisa errada. Isso é um erro. Como diz aquela frase famosa atribuída ao General George S. Patton: “Se todos estão pensando da mesma forma, então alguém não está pensando”. 

O importante é ouvir todo seu pessoal e então, tomar a decisão certa ao invés de perder tempo tentando encontrar uma solução com a qual todos concordem. O líder deve usar seu poder de persuasão para motivar todos a implementarem sua decisão.

Tomar boas decisões não significa se basear só na intuição e ignorar a opinião dos demais. Obtenha a opinião de todos, não apenas daqueles que falam mais alto. A diferença entre um gestor e um líder é que o primeiro se preocupa com a implementação, enquanto o segundo se municia de fatos e opiniões e toma decisões.

É preciso gastar algum tempo com as pessoas para construir um mosaico de visões, não será tão bonito quanto um quadro pronto nem tão tosco como um esboço, mas vai te dizer o que está acontecendo.

Ouça a todos, dê autoridade aos introvertidos para eles poderem falar. Na reunião do conselho / diretoria, vá apontando um a um na sala: “João, o que você pensa sobre isso?”, “Maria, qual a sua opinião?”, “Pedro, o que você acha?”.  De repente, aqueles que estavam em silencio, os mais tímidos, vão começar a falar. As pessoas participam de modo diferente. Se você não se der conta disso e der ouvido apenas aos mais extrovertidos, tomará decisões ruins.

Espere o melhor, prepare-se para o pior e pense na retomada

Ao olharmos adiante e tentarmos antecipar o que virá, especialmente numa recessão, temos a tendência a focar num cenário intermediário, menos ruim. No entanto, mesmo que seu plano para a crise não se baseie no pior cenário, comece a executa-lo como se esperasse que o pior fosse acontecer.

Os líderes tendem a pensar que a situação não é tão ruim quanto alguns querem fazer crer – até que seja tarde demais. Usando uma frase que tenho repetido ao longo dessa crise, “espere o inesperado”.

A prioridade, seja numa recessão ou em época de economia forte, deve ser com os participantes do fundo de pensão. Cuide deles. Os participantes se lembrarão como foram tratados nesses tempos ruins. 

Apesar da preocupação com o aspecto financeiro dos participantes vir lá no alto, não há nada mais importante do que resguardar a segurança e a saúde dos empregados, principalmente numa crise como a do COVID-19. Essa é absolutamente uma das maiores prioridades.

O plano para passar pela turbulência também não pode descuidar do cenário pós-crise. Não deixe de planejar a retomada. 

Na crise de 2008 muitos economistas e vários players do mercado financeiro previram que a recuperação seguiria uma curva em “L”. Teríamos baixo crescimento e alguns diziam até que crescimento zero por anos a fio.

Porem, olhando para trás, faz mais sentido o que um economista disse naquela época. A opinião dele era que “a forma que você sai de uma crise é a mesma forma que você entra nela”. Isso faz total sentido.

Um descompasso na economia que faz os participantes de um fundo de pensão perderem 2% a 3% da poupança previdenciária, levará a uma recuperação de 2% a 3% durante a retomada. Uma retomada desse porte é fácil gerenciar.

O problema é planejar para o futuro quando a queda é de, digamos, 25%. A retomada, segundo aquele economista, acontecerá em uma acentuada curva em “V”. Uma perda de 25% é difícil gerenciar, mas um salto de 30% que recupere as perdas também não será fácil gerenciar. 

Para seu fundo de pensão se destacar da multidão, pense diferente e calibre sua estratégia para uma recuperação em “V”. Se determinada classe de ativos perdeu 10%, se prepare para um aumento nessa ordem. Se perdeu 40%, calibre-se para uma retomada no mesmo nível.

Trabalhe com dois planos de recuperação. Primeiro, reduza as despesas do seu fundo de pensão o máximo possível para enfrentar uma recessão. Segundo, assegure-se que os cortes não minem sua capacidade de recuperação.

Mantenha seus empregados

Acompanhe e ajuste as despesas semana a semana. 

Não demita os empregados. Prefira licenças e mantenha-os em casa. Além de limitar a flexibilidade, demissões custam e o custo de uma demissão ultrapassa a maior parte da economia que ela gera. Geralmente, incorre-se em custo sem que isso traga nenhum benefício por seis meses ou mais. 

Quando finalmente o custo começar a ser recuperado, nos três a seis meses seguintes, será exatamente o período que você terá que começar a recontratar e treinar novas pessoas para as posições em aberto.

A retomada começa e você demitiu 10% do seu quadro. Agora você estará no meio de uma guerra por talentos e terá dificuldade em achar pessoas para substituir as que perdeu. Todo mundo também estará contratando e o conhecimento histórico dos planos que seu fundo de pensão administra, se foi. Fundos de pensão não são que nem fabricas, a reposição de talentos é muito mais complicada, requer longo tempo de treinamento e conhecimento especializado.

Demissão como ferramenta de gestão de custo nunca fez sentido para mim, ainda mais no setor de previdência complementar. A economia é mínima e a luta por talentos se dá num mercado com oferta apertada.

Não demita seu pessoal, afaste se necessário e deixe os empregos em casa esperando voltar para seus empregos, eles retornarão com as competências intactas quando a retomada começar. Ao invés de concentrar dor em 10% das pessoas, distribua esperança entre todos.

Reduza benefícios para todo mundo. Um outro aspecto importante. Não caia na tentação de adotar uma política de afastamento "cross the board", querendo tratar todas as áreas da mesma forma por questão de solidariedade. Se fizer isso, terá grande chance de penalizar áreas essenciais. Adote o afastamento dependendo de como cada área do fundo de pensão está sendo afetada. 

Ao longo da minha carreira de consultor, desenhei inúmeros planos com um “freio de emergência”. Inclui em vários deles um mecanismo permitindo que a patrocinadora diminuísse drasticamente ou suspendesse suas contribuições ao plano em situações de calamidade. Chegou a hora de usar esse dispositivo!

Diminuir a contribuição das patrocinadoras ao plano evita que elas tenham que cortar o salário dos empregados. Depois da crise, na medida que melhore a situação, as contribuições poderão ser recompostas no todo ou em parte, num ritmo que faça sentido para as empresas.

Seja sincero, não pinte um mundo todo cor de rosa

O Diretor Presidente deve falar aos empregados do fundo de pensão sobre o que está acontecendo, mas não é obrigado a ter todas as respostas. As pessoas perguntarão quanto tempo isso vai durar. As pessoas não lidam bem com ambiguidade e farão pressão por uma resposta definitiva. Não caia na tentação de dizer que essa crise vai passar logo ou em “x” meses, não tenha medo de não ter a resposta. 


Ser líder implica também em ter que dizer o que as pessoas não querem ou não gostam de ouvir, tipo, teremos que colocar pessoas em licença.

A melhor abordagem é prometer que fará tudo para amenizar o impacto sobre os empregados enquanto persegue o objetivo principal do fundo de pensão que é cuidar de seus participantes. Dizer que os empregados vêm antes dos participantes é ignorar a realidade. Se você quer um futuro para os empregados do seu fundo de pensão, cuide primeiro dos participantes. Sem eles, não há fundo de pensão.

É sempre melhor ser direto do que tentar “dorar a pílula”. Quando todos estão tendo que fazer mais com menos o nome disso não é festa, o nome disso é recessão!

Durante uma crise, não receba bonificação

Empregados não ficam contentes quando a diretoria recebe bônus em meio a um ambiente de terra arrasada. Se você é Diretor Presidente de um fundo de pensão, aqui vai um conselho: abra mão de seu bônus nessa crise do coronavirus.

Não fique em silêncio, diga isso aos empregados. Eles querem ouvir isso da liderança, o sacrifício deve ser de todos.

Por fim

Depois da pandemia do COVID-19, virá a "pandemia do déficit fiscal". A distribuição de dinheiro para irrigar a economia, uma prática que o americano chama de “helicopter money” (algo como “dinheiro jogado de helicóptero”), está sendo adotada não apenas no Brasil, mas em vários outros países também.

No entanto, diferentemente do que o nome pode fazer crer, o dinheiro que cai do céu de forma figurada tem que ser impresso aqui mesmo, na terra. Direta ou indiretamente, essa conta será paga por todos.

Espere o melhor, mas prepare-se para o pior.

Grade abraço,

Eder
Fonte: Adaptado de artigo do Alan Murray, CEO da Fortune (Link aqui)

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