quinta-feira, 11 de junho de 2020

“Seguros de auto deixam de ser comercializados depois de 120 anos de existência”






De São Paulo, SP.

Imagine que um dia você abra seu feed de notícias e se depare com a manchete acima. Atraído pelo título, você mergulha na reportagem, que diz mais ou menos o seguinte: 

Os acidentes são raros. As ruas estão coalhadas de sensores e graças a tecnologia dos carros autônomos e seus milhares de dispositivos de segurança, incêndios, roubos e batidas são praticamente impossíveis de acontecer. A dramática redução da propriedade de carros por indivíduos levou as seguradoras a sucessivas mudanças nas metodologias atuariais utilizadas no cálculo dos riscos automotivos. Mesmo quando ocorre um sinistro, as indenizações são cobertas diretamente pelo fabricante do automóvel ou pela empresa que oferece o serviço de mobilidade. Ante a pequena incidência de sinistros, o custo se tornou tão baixo que vale mais a pena montadoras e prestadores de serviço assumirem o risco quase nulo dessas indenizações.

Se você acha que isso é futurologia, sugiro que dê uma lida num relatório intitulado "Rethinking Auto Insurance: From a Transactional Relationship to a Mobility Customer Experience". 

A análise, produzida por uma InsureTech chamada Majesco, mostra porque uma transação criada em torno do carro com motorista há mais de 120 anos sairá de cena em breve, dando lugar a experiência de mobilidade do consumidor.

Curiosidade: a patente nº 37435 submetida a registro por Carl Benz marcou o nascimento dos carros em 29 de janeiro de 1886 e a primeira apólice de seguro auto foi vendido pela Travelers em 20 de outubro de 1897 para Gilbert J. Loomis morador de Westfield, Massachusetts – EUA.

Movimento das placas tectônicas - clientes, tecnologia e mercado

Um estudo da KPMG "Transforming The Mobility Landscape" mostra que os prêmios de seguro auto estão começando a cair nos EUA e seguirão em declínio nas próximas décadas em ritmo cada vez mais acelerado. 

As projeções apontam para prêmios 33% menores em 2030 e 70% menores em 2040, levando ao fim do seguro de automóveis como o conhecemos hoje e forçando as seguradoras a se reinventarem. Isso as empurrará em direção a um “ecossistema da mobilidade”, baseado na experiência do consumidor, mudando o proposito das seguradoras e podendo aumentar seu lucro com novas fontes de receita.

Os altos custos de manutenção, a consciência ambiental, as inovações tecnológicas e a mobilidade que serviços como Lift e Uber possibilitam, fizeram com que 10% dos Millennials simplesmente preferissem abandonar a ideia de ter um carro próprio. 

Esse dado foi partilhado pelo próprio Uber durante um seminário organizado pela SVIA - Silicon Valley Insurance Accelerator em Palo Alto, CA – EUA em fevereiro passado. 

As pressões e ameaças ao tradicional seguro de autos provém de diversas frentes, dentre elas:
  • O uso crescente de soluções de mobilidade que dispensam a propriedade dos veículos: serviços de carona como Rideshare e Bla-Bla Car, aluguel de carros compartilhados como Turo (o ABnB dos carros) e Getaround, assim como outras soluções alternativas de mobilidade que vão da locação de bicicletas e patinetes a scooters elétricos, estão reduzindo a compra de seguros de auto tradicionais;
  • Prestadores de serviço de fora do setor: estão embutindo o seguro de veículos em suas ofertas tirando mercado potencial e oportunidades de venda dos seguros, como a Tesla que comercializa seus carros com seguro incluso no preço;
  • Crescente eficácia dos sistemas de segurança automotiva: a ênfase na prevenção vem tirando o foco da indenização e colocando mais pressão para redução dos prêmios de seguro, estima-se que tecnologias avançadas tipo sistemas de direção assistida (ADAS) embarcadas nos novos veículos possam reduzir os danos entre 20% e 30%;
  • Internet das Coisas e dispositivos conectados: tem aprimorado a coleta de dados que vão além da telemática, gerando informações em tempo real sobre quilometragem, localização, clima e comportamento do motorista, permitindo assim a subscrição de riscos e precificação com diminuição do volume de prêmios;
  • Alavancagem da relação com o cliente pelas montadoras que estão passando a oferecer diretamente o seguro: empresas como GM, Ford, Porsche, Volvo, Tesla e outras vem se reposicionando como “empresas de mobilidade. Mack Fouss, CEO da GM, divulgou recentemente o novo nome da empresa, não mais General Motors Company, mas daqui para frente, General Mobility Company. Em abril/2019 a Ford foi reorganizada em dois grupos distintos, um cuidará do legado global e continuará a desenhar, fabricar e vender carros, o outro cuidara das novas linhas de negócio de mobilidade.
  • O aumento dos seguros sob demanda: estima-se que até 2026 aumente em 30% esse tipo de cobertura, que causara impacto nas tradicionais apólices anuais permanentes;
  • Rápida evolução no desenvolvimento de veículos autônomos e robôs: o afastamento social decorrente da pandemia do COVID-19 deverá acelerar o futuro das entregas autônomas, marcadas por menos acidentes.


Transporte é percebido e usado de modo diferente pelas gerações 

Há uma transformação gigantesca na forma como Milênios e Geração Z veem transporte e mobilidade, quando comparada à visão dos Baby-Boomers e Geração X. Veja só:
  • 28% das gerações mais novas usam um aplicativo ou dispositivo móvel para controlar a quilometragem e os hábitos de direção, comparados a 11% das gerações mais velhas – quase 100% de diferença;
  • 11% alugaram o carro de terceiros através de serviços de compartilhamento e 9% alugaram seu próprio carro versus 2% e 1% nas gerações mais antigas;
  • 30% dos mais novos usam ou usariam um serviço de assinatura de veículos com tudo incluso, quase quatro vezes mais do que os mais velhos – indicando interesse em alternativas diferentes de mobilidade quando se compara a propriedade de um veículo;
  • 40% das gerações mais jovens pagariam US$ 10 por mês por uma solução que oferecesse uma grande gama de serviços de mobilidade. Somente 20% das gerações mais antigas mostraram interesse nisso – 100% de diferença;
  • As gerações mais novas têm duas vezes mais chance de: comprar um seguro de auto num website de venda de carros ou de um fabricante de veículos | incluir o seguro na compra ou financiamento do carro | comprar o seguro diretamente da Amazona ou do Google.


As seguradoras de auto precisam repensar o escopo do que será oferecido ao consumidor. Um serviço empacotado com um produto de risco? Serviços de valor agregado integrantes de um ecossistema de mobilidade mais abrangente? Uma experiência atraente para o cliente?

O status quo das seguradoras que operam o seguro de automóveis está sendo rapidamente erodido. O produto está sendo redefinido. Os atuais atores substituídos por players emergentes que vão de fabricantes de veículos a aplicativos de carona compartilhada. 

A porta por onde as premissas desse negócio passaram por mais de um século vai se fechando enquanto outra se abre, com novas soluções, um ecossistema mais abrangente de oportunidades criadas em torno da mobilidade e de um número crescente de situações “seguráveis”.  

Seguro de auto versus experiência de mobilidade do consumidor 

Como resultado das mudanças de hábito do consumidor e de todas as transformações que se encontram em movimento, a maior ameaça para as seguradoras de auto certamente é a visão de que seu negócio continua construído em torno da mera transação comercial de uma apólice.

As inúmeras opções de transporte e veículos automotores, tornadas possíveis graças a tecnologia, ampliaram o antigo conceito. Empresas de fora do segmento de seguros passaram, então, a atuar em torno do novo conceito de “mobilidade”. 

Pela primeira vez desde 1960 constatou-se um declínio na quantidade de famílias proprietárias de um veículo. Em 2015 cerca de 9% das casas nos EUA não tinham nenhum carro. 

Uma pesquisa feita pela Cox Automotive apontou que cerca de 40% das pessoas em geral concordam que o transporte acessível é necessário, mas ter um veículo não é. A coisa fica mais interessante numa análise granular desse resultado. Entre os Milênios, esse percentual pula para 45% e na Geração Z, salta para 55%.

  
Interpretado de forma mais abrangente, isso mostra que a mobilidade é importante, mas as novas gerações entendem que pode ser satisfeita pela oferta de diversos meios de transporte que vão além da tradicional propriedade de um carro ... uma mudança significativa com impacto para inúmeros modelos de negócio, fabricantes veículos, seguradoras, transporte publico.

Mas, afinal, que diabo é esse ecossistema da mobilidade? Bem, depois de tudo que falamos acima, todos devem concordar que as fronteiras do setor de transporte viraram pó. O ecossistema da mobilidade nada mais é do que o segmento que está surgindo no seu lugar, reunindo diferentes elementos, áreas e mercados, incluindo seguros.

No modelo atual de transporte a jornada do consumidor envolve múltiplas experiências, fragmentadas e desconectadas. Para satisfazer suas necessidades hoje ele precisa interagir com entidades totalmente dispares que incluem tudo desde o financiamento do seu carro, seu uso, a manutenção e a venda.

No ecossistema da mobilidade a jornada do consumidor integra as diferentes atividades em torno da mobilidade. Essa integração junta todas as transações envolvidas, por exemplo, em alugar um carro, estacionar o carro, pagar o pedágio, comprar passagens para transporte publico, usar bicicletas, patinetes e scooters elétricos e claro, ter cobertura de seguro para todas essas atividades. 

O consumidor hoje tem que interagir individualmente com diferentes pontos de contato gerando frustração e consumo de tempo.

A integração implica na redução, realocação ou eliminação de parte substancial dos prêmios atuais do seguro auto. Para reter cliente e receita as seguradoras terão que se afastar das simples transações de venda de apólices e caminhar em direção as experiências de mobilidade dos consumidores, redesenhando o modelo atual:
  • Apólice de mobilidade: uma apólice unificada cobrindo qualquer que venha a ser o modo de transporte que o cliente escolha, a invés das atuais apólices separadas para cada um;
  • Agregar valor aos serviços: oferecer proteção de riscos em um único lugar cobrindo toda a “trajetória” que um cliente precise percorrer no ecossistema como parte de sua jornada de mobilidade – fornecendo um forte engajamento e eliminando pontos de fricção entre os diferentes participantes do ecossistema;
  • Subscrição contínua: atualização constante do perfil de risco do individuo e das coisas que possam alterar os termos de precificação, influenciados pelo fluxo contínuo de dados em tempo real captados por telemática e sensores IoT. 


Essas são as transformações que forçarão as seguradoras para um novo mundo de negócios, expandirão a definição de produtos e serviços e tornarão sua atividade muito mais relevante para a vida e experiências de cada cliente.

Grande abraço,
Eder.


Fonte: Adaptado do artigo “The End of Auto Insurance as We Know It“, escrito por Denise Garth (https://coverager.com/the-end-of-auto-insurance-as-we-know-it/)


Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Cuidados na Portabilidade

Hora no Mundo?

--------------------------------------------------------------------------

Direitos autorais das informações deste blog

Licença Creative Commons
A obra Blog do Eder de Eder Carvalhaes da Costa e Silva foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não-Comercial - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.
Com base na obra disponível em nkl2.blogspot.com.
Podem estar disponíveis permissões adicionais ao âmbito desta licença em http://nkl2.blogspot.com/.

Autorizações


As informações publicadas nesse blog estão acessíveis a qualquer usuário, mas não podem ser copiadas, baixadas ou reutilizadas para uso comercial. O uso, reprodução, modificação, distribuição, transmissão, exibição ou mera referência às informações aqui apresentadas para uso não-comercial, porém, sem a devida remissão à fonte e ao autor são proibidos e sujeitas as penalidades legais cabíveis. Autorizações para distribuição dessas informações poderão ser obtidas através de mensagem enviada para "eder@nkl2.com.br".



Código de Conduta

Com relação aos artigos (posts) do blog:
1. O espaço do blog é um espaço aberto a diálogos honestos
2. Artigos poderão ser corrigidos e a correção será marcada de maneira explícita
3. Não se discutirão finanças empresariais, segredos industriais, condições contratuais com parceiros, clientes ou fornecedores
4. Toda informação proveniente de terceiros será fornecida sem infração de direitos autorais e citando as fontes
5. Artigos e respostas deverão ser escritos de maneira respeitosa e cordial

Com relação aos comentários:
1. Comentários serão revisados depois de publicados - moderação a posteriori - no mais curto prazo possível
2. Conflitos de interese devem ser explicitados
3. Comentários devem ser escritos de maneira respeitosa e cordial. Não serão aceitos comentários que sejam spam, não apropriados ao contexto da dicussão, difamatórios, obscenos ou com qualquer violação dos termos de uso do blog
4. Críticas construtivas são bem vindas.




KISSMETRICS

 
Licença Creative Commons
This work is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Brasil License.