sexta-feira, 16 de setembro de 2022

SÉRIE - AS PLACAS TECTÔNICAS EMPURRANDO OS FUNDOS DE PENSÃO PARA UMA NOVA CONFIGURAÇÃO | PARTE I: O FUTURO DO TRABALHO

 


De São Paulo, SP.


Um novo tipo de plano de previdência complementar corporativo, que já estava previsto há mais de 20 anos na legislação do setor, vai ganhando vida.

É um excelente contraexemplo para o argumento choroso e repisado de que a legislação é muito engessada, restritiva, não permite inovação, coisa e tal.

Podemos colocar a culpa na inanição das patrocinadoras, na inercia dos conselhos, na ausência de motivação das diretorias para mudar, na falta de criatividade dos consultores, no bispo, no papa, em qualquer coisa ... menos na legislação.

Chamado de Plano Instituído Corporativo – tudo bem, o setor nunca foi bom de marketing, esse nome é horrível mesmo – esse novo tipo de plano pode ser considerado o maior avanço da previdência complementar dos últimos 20 anos.

Você vai entender a razão disso numa série de três artigos, começando por esse aqui, no qual vou escrever um pouco sobre o futuro do trabalho.

Por ocasião do 13º Congresso Brasileiro de Atuária, que terminou ontem, tive o prazer de moderar o painel Desafios na Previdência Complementar.

Apesar de atuário, brinquei com os colegas de profissão que faria uma apresentação sem fórmulas, equações ou modelos probabilísticos.

Aproveitei os 25 minutos que tive, para falar das três placas tectônicas que estão se movimentando e empurrando os fundos de pensão para uma nova configuração:

(1)  Placa #1: O futuro do trabalho;

(2)  Placa #2: As transformações demográficas; e

(3)  Placa #3: A disruptura na fronteira dos negócios.



Apertem os cintos, o empregado sumiu

Nos anos 80, José Ignácio López de Arriortúa, um engenheiro de manufatura nascido nos Países Bascos, no extremo norte da Espanha, trabalhando como Chefe de Compras na fábrica da Opel em Rüsselsheim – Alemanha, chamou a atenção da GM.

Ele havia adotado, com sucesso, um método de produção voltado para o preço ao consumidor. A ideia, basicamente, era partir do preço final desejado e ir reduzindo o valor pago aos fornecedores - através de negociações sistemáticas e contínuas - de modo a atingir o preço definido como alvo para os carros.

A inversão da lógica de criação de preço dos automóveis, que até então era resultado direto do custo de fabricação, alçou Lopes de Arriortúa a Vice-Presidente Mundial de Compras da GM.

Mas ele queria mais, queria ir além na redução de preço dos carros. Como não conseguiu na GM, mudou-se em 1993 para a Volkswagen, onde começou como Head de Otimização de Processos e Compras, subiu rápido e logo chegou a membro do Conselho de Administração mundial da VW.

Lopes de Arriortúa conseguiu testar suas ideias revolucionárias em 1996 numa nova fábrica da WVOC –Wolkswagen Ônibus e Caminhões, em Resende – RJ 

A estratégia era trazer os fornecedores para dentro da fábrica para que eles agregassem seus componentes diretamente na linha de montagem. Nascia o conceito do consórcio modular mudando para sempre o setor industrial.

Os avanços no processo de manufatura, junto com a automação | robotização, tiveram como efeito direto a redução da quantidade de empregados na indústria. A VW, que chegou a ter 110 mil funcionários no Brasil na década de 80, tem hoje uns 14 mil. A automação, que começou no setor automobilístico nos anos 70, alcançou a logística nos anos 2000. O maior exemplo são os centros de distribuição da Amazon - estima-se que até 2023 seus armazéns contarão com mais de 530 mil robôs como esses da foto abaixo.



A diminuição do número de empregados também pode ser atribuída a outro fenômeno que vem ganhando força em diversos países, na sequência de reformas trabalhistas mundo afora. Trata-se do deslocamento do tradicional contrato de trabalho em tempo integral e por prazo indeterminado, na folha de pagamentos, para outros tipos de vínculo de trabalho.

Estamos saindo de um modelo padrão de legislação trabalhista para um modelo onde profissionais freelancer, sem contratos de emprego, prestam serviços sem exclusividade, via contratos temporários ou por projeto, seja na forma de autonomia, seja através de pessoa jurídica própria.

Esse contingente de pessoas que buscam flexibilidade e valorização de seus serviços, ganhou o termo em inglês de Gig Economy. O termo surgiu com as bandas de Jazz no início do Século XX, lá pelos idos de 1915, que usavam “gig” (abreviação de gigante) para se referir às apresentações. Os trabalhadores que colocavam a infraestrutura de pé eram freelancers, contratados temporariamente, tinham flexibilidade de horário, mas não tinham os benefícios tradicionais das empresas.




A Gig Economy deu um salto de 34% nos EUA entre 2020 – 2021 e está projetada para representar 51% da força de trabalho americana em 2023. No Brasil não há estatísticas, por outro lado, sabe-se que 41% da população ocupada não tenham vinculo forma de emprego, atuando na chamada economia informal. Não é à toa que apenas 7,8% da população brasileira, algo em torno de 16,5 milhões de pessoas, contem hoje com um plano de previdência complementar.

A fragmentação do emprego fica ainda mais evidente quando se olha para as pesquisas produzidas pelo US Bureau of Labor Statistics. A mais recente, de 2021, apontava para uma média de 12,4 empregos por onde as pessoas passam ao longo da vida (entre 18 e 54 anos de idade). Uma realidade bem longe daquela na qual as pessoas passavam no máximo por 3 ou 4 empregos durante toda a carreira.  

Impactos do deslocamento da Placa #1

A tecnologia reduz a quantidade de empregados em todos os setores - inclusive o de serviços, não apenas na indústria. Junto com o deslocamento do vínculo de emprego tradicional para outros tipos de contrato de trabalho, essas transformações vêm reduzindo a escala necessária para justificar a existência de fundos de pensão, que requerem empresas patrocinadoras com milhares e milhares de empregados.

Por tudo isso fica claro que os fundos de pensão não foram desenhados para o futuro do trabalho e a maior evidencia disso é a redução da quantidade de fundos de pensão nos quatro cantos do mundo. No Brasil tínhamos 337 em 2012, hoje temos 275 (fonte: PREVIC). Na Holanda eram 957 em 1997, em 2020 tinham restado 141 (fonte: Statista.com). Na Austrália existiam 9.011 em 2004, em 2018 haviam sobrado 2.198 (fonte: Financial Services Council - State of The Industry 2019). Onde quer que você procure, vai encontrar movimento nessa direção.

Poderíamos discorrer ainda mais sobre as mudanças em curso no mundo do trabalho, falar sobre o iminente fim dos escritórios como ferramenta de gestão e significado de vida, do fim da empresa como ela existe hoje e de muitas outras transformações, mas por ora vamos ficar por aqui porque já deu para perceber o impacto dessas mudanças sobre o modelo de negócios atual dos fundos de pensão.

Na segunda parte dessa curta série de três artigos, abordaremos a placa tectônica no 2: as transformações demográficas em curso.


Grande abraço,

Eder.


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