domingo, 13 de agosto de 2023

Bem-vindos a era das sumidades malsucedidas

 



De Sāo Paulo, SP.


Sumidade, de acordo com o dicionário Oxford é o indivíduo que se destaca por seu saber, seu talento, sua erudição e/ou seu nível de educação.

Se você detesta políticos populistas, espere para conhecer os populistas de colarinho branco que pululam na administração publica.

Tomado por uma certa urgência moral, chamo a atenção em tom filosoficamente elegante para o papel que os “vencedores” na administração pública, inadvertidamente, estão desempenhando para criação de um populismo ideológico que pretende sequestrar o segmento de fundos de pensão.

Uma análise cuidadosa sobre as mudanças em curso na regulamentação do segmento de previdência complementar, evidencia sua interconexão com a desaceleração do papel dos fundos de pensão, desencadeada pelas transformações no emprego, nas relações sociais, na demografia, na economia e na tecnologia.

O ideal de que estamos todos juntos nisso foi substituído pela realidade na qual uma classe bem-preparada de funcionários públicos - lotados em órgãos como a PREVIC - vive num mundo superior, enquanto todo o resto é forçado a viver num mundo inferior.

Integrantes dessa classe superior estão sempre falando publicamente em favor dos marginalizados, dos “pobres” participantes, das associações de aposentados, mas de alguma forma sempre acabam construindo sistemas que servem a eles mesmos.

Essa reflexão é um importante e necessário acerto de contas com os fatores que estão levando grande parte do segmento de fundos de pensão a se tornar ansiosa sobre o presente e pessimista sobre o futuro da previdência complementar no Brasil.

Alguns funcionários lotados em órgãos públicos como a PREVIC, sentem-se satisfeitos em descartar as preocupações das empresas que optam por outros modelos de previdência complementar - que não os fundos de pensão - como sendo meras expressões de atraso, ignorância ou preferências erradas do mundo corporativo. Falta-lhes empatia e auto introspecção. 

Está claro que a mudança de uma economia baseada em produção industrial para outra baseada em conhecimento, favoreceu aqueles com certas credenciais de formação e determinadas competências. Os efeitos colaterais dessa mudança, sobre as relações sociais, relações de emprego, sobre a previdência complementar e claro, sobre a política, foram profundos. 

Apesar da maioria daqueles que ganhou com a economia moderna ter alto nível de formação e educação, existem muitos que alcançaram o sucesso sem essas credenciais e um número ainda maior que está fracassando, apesar delas.

Esse último grupo – vamos chamá-lo de “sumidades malsucedidas” – é crucial para entender o pessimismo crescente sobre o futuro, a ascensão do populismo, o desanimo e frustração que cada vez mais vemos se manifestar com relação às nossas políticas de previdência complementar.  

A ascensão da classe trabalhadora com nível universitário

Classe trabalhadora pode ser definida como as pessoas que tipicamente trabalham em funções que não exigem formação (credenciais) de nível superior. Você ficaria surpreso, porém, em saber que 53% daqueles em ocupações da classe trabalhadora nos EUA tem, na verdade, diplomas, graduação ou títulos de nível superior e isso não se explica como sendo meramente um passo transitório em suas carreiras.   

Vários fatores explicam isso, não obstante, o fator que mais contribui é a interação entre o “credencialismo” – ideia de que a inteligência ou capacitação de alguém é medida por suas credenciais acadêmicas ou profissionais – e o que vem sendo chamado de “inflação das credenciais” – tendência, em todos os setores da economia, de enfatizar de forma crescente a necessidade de credenciais para um emprego. 

Essas correntes econômicas e sociais acontecem, também, com aqueles que tem formação superior, causando um “excesso” de credenciais. Parece que temos agora um problema de excesso de formação, nas economias mais desenvolvidas.

No serviço publico, por exemplo, os funcionários tendem a ter mais certificações do que seus empregos requerem, pois vão fazendo cursos para evoluir na carreira. Uma consequência desse excesso de credenciais é que esses funcionários melhoram seus salários. Outra, é que tendem a ter baixos níveis de satisfação, uma vez que essas qualificações nem sempre se traduzem em uso e experiencia no desempenho de suas funções.

Por terem feito tudo que podiam para melhorar na carreia, obtendo mais qualificações, mas se sentindo frustrados, esses funcionários acabam procurando oportunidades em outros órgãos, diferentes daqueles de origem nos quais estão lotados.

Por exemplo, auditores fiscais – expressando a pior face do credencialismo moderno – que deveriam cuidar de impostos, são transferidos para órgãos da administração publica que nada tem a ver com as credenciais que obtiveram, como a PREVIC.

A chamada democratização do acesso à educação está falhando em materializar plenamente suas promessas e a inflação do credencialismo vai se mostrando ineficaz como meio de profissionalizar as mais diversas atividades.

Se por um lado houve, sim, benefícios significativos ao expandirmos o acesso a educação superior e aos processos de certificação, eles vieram com esse custo subestimado, que apenas agora começamos a entender.

Políticas da administração publica que permitem esse troca-troca entre os diversos órgãos do governo, desvalorizaram as competências não-cognitivas, erodiram padrões acadêmicos e contribuíram para aumentar a inflação do credencialismo no mercado de trabalho.

Posto sem rodeios, temos hoje pessoas com altas formações acadêmicas que não precisariam delas e pessoas sem as qualificações profissionais e competências especificas requeridas para exercer determinadas funções.

Essas pessoas não podem ser culpadas por esses desdobramentos. Elas responderam aos sinais emitidos pelas normas sociais sobre a utilidade de formação acadêmica e credenciais de certificação profissional.

No caso dos funcionários dos órgãos de regulação da previdência complementar, mencionados acima, eles podem até ter buscado subsequentemente uma qualificação profissional específica na área de fundos de pensão. Mesmo assim, serão rejeitados pela meritocracia do setor em função dos estragos que podem impor ao seu marco regulatório por falta de experiencia e vivência no assunto.   

O que esta por trás do credencialismo moderno?

É interessante refletir sobre o que tem levado lideranças capacitadas de órgãos como a PREVIC, a cultivar a ideia de que embutir expectativas sociais nas normas de regulações da previdência complementar, deixando de fora questões corporativas, é a solução para evolução do setor.

Um fator importante é, indubitavelmente, uma visão progressista sobre a evolução humana. Existe essa utopia de que uma “classe cognitiva” em expansão na economia do conhecimento pode superar a luta de classes da velha economia de produção de bens.

Isso captura o ideal inclusivo do pensamento de que o governo pode ser o grande nivelador social, mas ao invés de centrar suas ações na “previdência complementar para todos”, as políticas publicas afetas aos fundos de pensão passam a ser sequestradas por tendencias ideológicas. 

Outro fator pode ser o viés de auto seleção. Se todos em torno da mesa responsável pela tomada de decisões têm as mesmas credenciais, não é surpresa que tenham cultivado a mesma visão das normas sociais relacionadas ao futuro da previdência complementar e agora façam a regulação pender em direção à suas próprias experiencias e convicções.

Um trabalho do professor Nicholas Carne da Duke University, chamado “funcionários públicos de colarinho branco”, mostra como uma crescente homogeneidade de formação profissional e experiencias de membros do congresso americano influencia de modo mais amplo a elaboração de políticas publicas.

O problema no caso da PREVIC é que isso impõe preferências e atributos individuais ao resto da sociedade que podem até ser bem-intencionados, mas são também narcisistas e prejudicam o pluralismo em nome da inclusão.

Inclusão real seria estender os fundos de pensão para todos e permitir que pessoas e empresas sigam seus caminhos de acordo com seus interesses, maximizando suas poupanças para o futuro como lhes aprouver, ao invés de assumir qual deveria ser o “caminho certo” para elas.

A ênfase em modificar as regras olhando para o que foi regulado na última década é sinal de que a liderança da PREVIC não sabe o que fazer para nos levar ao fundo de pensão do futuro.

Uma combinação de fatores que inclui mudanças tecnológicas, demográficas, sociais e corporativas vem transformando a economia moderna de uma “economia das coisas” para uma “economia do pensamento”.

O resultado vai remodelar o mercado dos fundos de pensão no mundo todo. Para acompanhar esse movimento serão requeridas determinadas credenciais, competências e conhecimento dos formuladores de políticas publicas.

Acontece que nossos governantes têm tido dificuldade em acompanhar esses desenvolvimentos. Sem um entendimento claro sobre as implicações de longo prazo disso tudo para a economia, para a sociedade e para os fundos de pensão, a resposta do governo tem sido a resposta padrão e às vezes, como agora, retrocessos.

Estamos na era das sumidades malsucedidas, o problema é que estamos todos a reboque delas.

A revolução burguesa: o verdadeiro risco para os fundos de pensão

A lacuna entre a promessa de fomento da previdência complementar pelo governo e a frustrante realidade é algo que precisamos confrontar antes que engula todo o segmento de fundos de pensão.

Apesar de toda a atenção dada nesse momento ao retrocesso das regras que regem os fundos de pensão, o verdadeiro risco para a sustentabilidade do sistema pode vir da ascensão - na administração publica - dos populistas de colarinho branco e não dos populistas da classe trabalhadora, como no passado.

Os reais revolucionários, em outras palavras, não são os trabalhadores sem instrução e que ocupam posições precárias, mas sim uma burguesia de funcionários públicos, uma elite, cuja superprodução de medidas desfocadas tem potencial para desintegrar todo um sistema que levou décadas para chegar até aqui.  

Usando como metáfora a “dança em torno de cadeiras”, uma brincadeira comum nas festinhas do passado, ao invés de ir retirando as cadeiras você vai acrescentado mais e mais pessoas. Em certo ponto você tem o dobro, o triplo de pessoas em relação a quantidade de cadeiras, imagine o caos que resulta disso.

Essa é uma boa metáfora porque se as medidas do governo forem desmantelando o funcionamento atual dos fundos de pensão, toda energia que deveria ser dedicada à construção de um caminho para o futuro vai nos direcionar para a extinção.

Uma elite de funcionários públicos detentora das mais altas credenciais pode ser uma ameaça maior para a estabilidade do sistema de fundos de pensão do que trabalhadores descontentes. 

O principal problema não é a insatisfação das classes menos favorecidas, mas sim as decisões erradas de uma legião de funcionários públicos super instruídos.

Se você não gosta dos populistas da classe trabalhadora, vai odiar os populistas de colarinho branco. A menos, é claro, que você seja um deles.


Grande abraço,

Eder. 


Fonte: “Sean Speer: Welcome to the age of overeducated underachievers”, escrito por Sean Speer.


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