quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Paradoxos de nosso tempo – II: O Tempo



De São Paulo, SP.
Nessa era turbulenta que vivemos, parece que nunca sobra tempo suficiente para fazermos as coisas que gostaríamos, no entanto, nunca tivemos tanto tempo disponível como hoje.
O aumento da longevidade vem nos dando cada vez mais tempo para viver e graças ao aumento contínuo da produtividade e à tecnologia, gastamos  muito menos tempo para produzir e fazer as coisas. Não deveríamos, então, ter mais tempo a nossa disposição?
Houve uma época em que sabíamos quanto tempo tínhamos sobrando. Foi na era da revolução industrial, quando associamos pela primeira vez o tempo ao trabalho. A produção era uma função da quantidade de horas trabalhadas e o turno era de oito horas por dia. O tempo que não estávamos nas fábricas, era tempo livre.
Isso vigorou por mais de um século e era comum até bem recentemente. A galera da minha época vai se lembrar de um clássico escrito e cantado pela Dolly Parton (adoro) em novembro de 1980 e que foi trilha de um filme homônimo: “9 to 5” – vídeo clip abaixo.
Não mais. Uma pesquisa da YouGov apontava em 2018 que apenas 6% dos Britânicos trabalhavam em turnos tipo “9 às 5”. Outro estudo feito há uns três anos pela CareerBuilder (2016), mostrou que 3 em cada 5 trabalhadores americanos, i.e. 59%, acreditavam que esse esquema de trabalho era coisa do passado. 
O novo normal, há algum tempo, não é mais um dia de trabalho de nove às cinco. Uma minoria trabalha dentro desse parâmetro atualmente. 
O tempo está ficando indeterminado. A distinção entre trabalho em tempo integral e trabalho em tempo parcial já não é tão clara como antes. A “aposentadoria” está sendo aposentada e se tornando um termo puramente técnico, usado apenas para sinalizar o direito a um beneficio financeiro. O conceito de “hora extra” vai ficando fora de moda da mesma forma que aconteceu com o termo ”servidor”.
As empresas perceberam que a semana tem 168 horas (24 x 7) e não apenas 44. Ativos que dormem não produzem dinheiro, porque então “desligá-los” por 124 horas por semana, enquanto metade do mundo está acordada? As fabricas que funcionavam de “9 às 5” cederam lugar à produção e lojas que ficam abertas 24 horas  por dia, sete dias por semana. Empresas hoje abrem aos sábados, domingos e feridos. A demarcação de tempo não é mais sacrossanta.
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A reforma trabalhista de 2017 trouxe vários tipos diferentes de contrato de trabalho e há uma longa lista de formas pelas quais as empresas vão  redefinindo tempo. Temos o horário flexível, a jornada parcial, o trabalho intermitente, a terceirização via PJ, o banco de horas, o sabático ...
Diante de tanta flexibilidade, porque então nunca se trabalhou tanto como hoje? Porque cunhamos termos como “Síndrome de Burnout” (Herbert J. Freudenberger) para dizer que a vida profissional está causando esgotamento físico e mental intenso nas pessoas?
Talvez porque as empresas prefiram ter menos gente trabalhando por mais horas para economizar no “hedcount” (nº de funcionários) e as pessoas queiram o dinheiro. No entanto, esse “Pacto Faustiano” que troca tempo por dinheiro criou um ciclo insidioso de ganhar e gastar. As pessoas se voltam cada vez mais para o consumo em busca de satisfação e de um sentido para a vida. Os ganhos de produtividade dos últimos 70 anos foram transformados em dinheiro ao invés de tempo livre, retroalimentando a dinâmica do “ganhar x gastar”.
O paradoxo? As pessoas sabem que isso não faz sentido. Uma pesquisa feita aqui no Brasil pela empresa de softwares Unify (2014), revelou que 43% das pessoas preferem um trabalho flexível a um aumento de 10% no salário. 
Mesmo quando questionadas sobre a possibilidade de um aumento salarial de 20%, quase 40%  continuaram optando pela flexibilidade no tempo de trabalho. 
As pessoas querem mais tempo livre para lidar com responsabilidades familiares (43%) ou simplesmente para aproveitar a vida (38%). Isso já não é de agora. Um estudo do Ministério do Trabalho dos EUA mostra que 84% das pessoas trocariam mais tempo de laser por futuros aumentos salariais. Sabe de quando é essa pesquisa? É de 1978!
Toda a confusão começou no momento em que transformamos o tempo em uma commodity. Quando as organizações  começaram a comprar o tempo das pessoas ao invés de comprar o que elas produzem. Então, quanto mais tempo você vende, mais dinheiro você ganha levando a uma troca inevitável de tempo por dinheiro.
Nesse processo as empresas são seletivas. Elas querem menos tempo das pessoas que elas pagam por hora e mais tempo das pessoas que elas pagam por mês, porque toda hora adicional dessas últimas sai de graça.
Ocorre que tempo é uma commodity contraditória. Algumas pessoas gastam dinheiro para economizar tempo – pegam um taxi ao invés de um ônibus. Outras gastam tempo para poder economizar dinheiro – vão de ônibus ao invés de taxi. Há, ainda, aqueles que trocam dinheiro por tempo, preferindo ganhar menos e trabalhar menos. Tempo é uma commodity que nos deixa confusos. 
O irônico é perceber que estamos caminhando para um paradoxo dentro do paradoxo. O tempo se tornou algo tão importante que um engenheiro do Facebook inventou em janeiro do ano passado (2018) uma nova unidade de tempo batizada de “flick”.
flick é maior do que um nano segundo e menor do que um micro segundo. Para ser exato é 1/705.600.000 de um segundo. Foi criado para que as frequências de 24, 25, 30, 48, 50, 60, 90, 100 e 120 Hz, bem como suas divisões por 1.000, pudessem ser representadas por números inteiros. Com isso os programadores podem incluir nos softwares de realidade virtual as medidas de tempo entre os quadros de um filme sem usar frações, o que introduziria erros de aproximação nos programas.
O novo paradoxo? Conforme escrevi no meu blog (link aqui:http://nkl2.blogspot.com/2018/03/estamos-preparados-para-um-mundo-pos.html) no inicio do ano, estamos caminhando rapidamente para um mundo pós-trabalho, em que teremos todo o tempo disponível.Você já pensou o que faria se acordasse amanha e não precisasse mais trabalhar porque dinheiro não seria mais um problema para ninguém? Sem trabalho, a aposentadoria e um montão de outras coisas perdem sentido. O que você faria com todo o tempo do mundo à sua disposição?  
Grande abraço,
Eder.
Fonte: Adaptado do livro "The Age of Paradox", escrito por Charles Handy 
Crédito de Imagem: www.newfoundnation.wordpress.com


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