De Sāo Paulo, SP.
Atingir a marca dos 100 anos é meio que uma obsessão nas culturas ocidentais.
O 100º aniversário junta parentes, amigos e vizinhos. Dá direito até a uma notinha no jornal local e um bolo que desmonta sob o peso das próprias velas.
A longevidade é tratada como um prêmio por bom comportamento, um troféu que você ganha por comer vegetais a vida toda e fazer exercícios três vezes por semana (no mínimo).
Parece inspirador, mas ao olhar com mais atenção verá que viver até os 100 anos se parece menos com um bilhete premiado e mais com uma conta de restaurante, cuja soma das despesas não bate com o total.
A fantasia é:
“Ao viver mais, você ama mais, vê mais pores do sol, convive mais com as gerações mais jovens ...”
A realidade, muito mais complicada:
“Gastos inflacionadas, corpos que falham e o temor constante de sobreviver às suas economias”
A discrepância entre aquela maratonista de 95 anos do Instagram e as pessoas mais velhas que lutam silenciosamente para viver com a renda do INSS, é uma história que quase ninguém fala.
A realidade biológica
Os humanos não foram feitos para durar 100 anos. Nossos corpos rangem, nossas juntas colapsam, nossos neurônios falham. A ciência espichou a vida, mas não foi capaz de estender a saúde na mesma medida.
O “Gap da longevidade” é definido como:
Os anos em que você está vivo versus os anos em que você está realmente saudável. Se você chegar aos 100, é provável que passe os 20 ou 30 anos finais no que os pesquisadores chamam clinicamente de “declínio funcional”.
É o modo educado de dizer que você precisa de um organizador de remédios maior do que a caixa de ferramentas de um eletricista. A vida vai perdendo o brilho, a alegria começa a esvanecer, os pensamentos te levam ao passado, mais do que ao futuro.
Eu vi isso acontecer na minha própria família. A avó da minha esposa, que foi a primeira gerente mulher da IBM no Brasil e a primeira mulher a tirar carteira de motorista em Niterói – RJ, viveu quase até os 101 anos.
Na última década de vida, sentia a falta do marido, de irmãs, de parentes próximos e até o sobrinho - que era seu médico - faleceu bem antes dela.
A medicina tornou a sobrevivência possível, não necessariamente suportável. Estatinas e medicamentos para pressão alta evitam que seu coração infarte, mas não há solução para artrites tão graves, que te impedem de abotoar a camisa e andar.
O abismo financeiro
Mesmo que você consiga evitar o pior da biologia, o verdadeiro assassino é a matemática. Um plano de contribuição definida que parece perfeito aos 65 anos, começa a balançar aos 85 e desmorona completamente aos 95.
Os planos de previdência complementar dos fundos de pensão são projetados para pagar rendas de aposentadoria por 25, 30 anos.
Funcionam bem se você falecer aos 88 anos, mas deixam de funcionar se você ainda estiver vivo quando seus bisnetos estiverem aprendendo a dirigir.
A renda do INSS nāo vai manter, num passe de magica, o poder de compra para cobrir seu aluguel até 2090. A renda vitalícia já foi extinta na previdência complementar, tanto aberta (seguradoras) como fechadas (fundos de pensão).
PGBLs funcionam como um cassino, onde a banca sempre ganha e o plano CD do seu fundo de pensão - se você teve sorte da sua empresa ter um – não foi desenhado para te deixar tranquilo por 40 anos.
Tente retirar um percentual do saldo de conta acumulado no seu plano CD, aos 98 anos e me diga se a longevidade é uma benção.
O segmento de previdência complementar finge ter a resposta:
“Basta poupar mais, aumente suas contribuições mensais”, dizem.
Como se o trabalhador médio tivesse milhares de reais sobrando depois de ter pago as despesas da casa, plano de saúde, escola dos filhos, conta de luz ...
A matemática é brutal: cada ano extra de vida, acrescenta um item a mais na lista de despesas. Viver até os 100 nāo testa apenas a durabilidade dos seus joelhos, testa até onde os juros compostos podem te levar.
Deserto social
Viver mais significa viver além das pessoas que você ama. Amigos desaparecem, irmãos se vāo até os filhos podem morrer antes de você.
Um século de existência não garante um seculo de companhia. A longevidade expande o tempo, mas também estende a solidão.
Jeanne Marie Calment, uma senhora francesa - o ser humano que comprovadamente mais viveu até hoje - viveu até os 122 anos, nāo tinha fotos de família em casa: “não tenho fotos das pessoas queridas, pois me faz ficar triste, todas as pessoas que estão nelas morreram”.
Estudos mostram que a solidão mata tanto quanto o fumo. Longevidade sem convivência comunitária é punição disfarçada de prêmio.
Viver até os 100 tem mais a ver com uma loteria genética do que com tomar coquetéis de vitaminas. Você pode mitigar fatores de risco, mas não pode enganar a entropia.
Longevidade não é a mesma coisa que vitalidade e com certeza não é a mesma coisa que felicidade
Compressão da morbidade
As culturas que respeitam o envelhecimento nāo dāo a mínima para atingir os 100 anos, elas se importam com sabedoria, continuidade e conexão.
Tem um conceito em gerontologia chamado de “compressão da morbidade”. É a busca pelo Santo Graal do envelhecimento:
Encurtar os anos de declínio para que você viva bem até perto do fim e depois decaia rapidamente.
Não se trata de chegar aos 100. Trata-se de viver até os 85 em boa forma e morrer aos 86 sem ficar preso por 15 anos num corpo que não coopera mais com você.
A compressão da morbidade alinha saúde, dinheiro e dignidade. Nāo é glamorosa. Ninguém comemora chegar aos 86, mas é a versão da longevidade que realmente preserva a qualidade de vida.
Viver até os 100 anos de idade é manchete. Viver bem até os 85 anos é viver a vida.
Entāo, qual a alternativa?
Reformular o objetivo e nāo desistir. Esqueça os 100 anos, esqueça os 95, esqueça a obsessão com chegar a um seculo de vida. Ao invés disso, foque em fazer valer a pena os anos que você ainda tem.
Maximize sua expectativa de saúde, não sua expectativa de vida. Priorize seus relacionamentos, não seus suplementos vitamínicos.
Poupe o suficiente para viver, não para impressionar seu planejador financeiro com seu desafio às tábuas atuariais.
Chegar aos 100 anos nāo é uma conquista. Viver 70 anos que importaram, é.
Grande abraço,
Eder.
Opiniões: Todas minhas | Fontes: “Why Living to 100 Sounds Great Until You Do the Math”, escrito por Troy Breiland





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