terça-feira, 22 de março de 2011
Série Neurociência & Previdência – O custo cognitivo da expertise e os especialistas em previdência complementar
De São Paulo, SP.
Nos anos 40 o Psicólogo Holandês Adrian de Groot desenvolveu um estudo sobre experts em xadrês que se tornou uma referência.
Apesar de ser um ávido jogador - De Groot era membro de vários clubes amadores de xadrês – ele se frustava bastante com sua inabilidade em competir com jogadores mais talentosos.
Disposto a entender suas fraquezas ele procurou identificar a qualidade mental que lhe faltava.
Sua hipótese inicial considerava que os experts em xadrês tinham como dom uma memória fotográfica. Essa lhes permitiria lembrar de jogadas obscuras dos oponentes e explorar pequenos erros que cometiam.
A primeira experiência que De Groot e sua equipe elaboraram pareceu confirmar essa teoria. Eles colocaram 20 peças diferentes num tabuleiro de xadrês, imitando a configuração de um jogo real.
Então, pediram a jogadores com variados níveis de experiência, de amadores a grandes mestres, para dar uma rápida olhada no tabuleiro e tentar memorizar a localização de cada peça.
Conforme esperado, os jogadores amadores quase não lembravam a localização das peças, enquanto os grandes mestres facilmente reproduziram a exata disposição delas no jogo.
A equação parecia simples: memória é igual a talento.
Então, De Groot realizou um segundo experimento que mudou tudo! Ao invés de colocar as peças numa disposição que refletisse um jogo real, ele aleatóriamente espalhou bispos, peões, torres e outras peças no tabuleiro, sem que rerpoduzissem um jogo que fizesse sentido.
Se os melhores jogadores de xadrês tinham memórias privilegiadas, ponderou, então a localização das peças não importaria: um peão continuaria sendo um peão.
Para surpresa de De Groot, no entanto, a vantagem dos grandes mestres simplesmente desapareceu nessa segunda experiência. Eles não conseguiam mais se lembrar onde as peças haviam sido colocadas.
Para De Groot essa falha foi uma revelação, mostrando que o talento nada tinha a ver com memória – tinha a ver com percepção.
Os grandes mestres não tinham uma lembraça melhor do tabuleiro do que os jogadores amadores. O que eles tinham era a capacidade de “enxergar” melhor o tabuleiro, traduzindo instantaneamente a disposição das trinta e duas peças de xadrês num conjunto de padrões que fazia sentido. Eles não focavam o bispo branco ou o peão preto, mas sim agrupavam o tabuleiro em estratégias e estruturas maiores, como a “Defesa Francesa” ou o”Mate Pastor”.
Esse processo mental é conhecido como “fragmentação” ou “quebra” e é um elemento crucial da cognição humana. Conforme demonstrou De Groot, os grandes mestres de xadrês ordenam o tabuleiro automaticamente em um conjunto de padrões conhecido, permitindo que fragmentem instantaneamente os detalhes complicados do jogo.
A fragmentação não é usada apenas pelos experts em xadrês: enquanto você lê essa frase, seu cérebro está ordenando as letras e sem fazer muito esforço, agrupando os símbolos em trechos que façam sentido.
Você não precisa analisar cada sílaba ou reproduzir a fonética de todas as palavras, seu cérebro alfabetizado é capaz de pular esse estágio de percepção transformando tudo automaticamente em algo que faça sentido.
Expertise é isso: a habilidade de se basear em padrões já aprendidos para compensar as limitações inerentes ao processamento das informações pelo cérebro humano.
Conforme um trabalho publicado em 1956 por George Miller, da Princeton University, nós só conseguimos em dado momento prestar a atenção de forma consciente a sete pedaços ou bits (+/- dois) de informação.
A “fragmentação” nos permite escapar dessa armadilha cognitiva.
Agora a má notícia: a expertise também pode vir acompanhada por um lado negro, porque todos aqueles padrões aprendidos tornam mais difícil incorporarmos um conhecimento interiamente novo.
Um trabalho científico recente investigou a performance mneumônica dos motoristas de táxi de Londres. No mundo da neurociência os taxistas de Londres são mais conhecidos pela demonstração da plasticidade estrutural do hipercampo – uma área do cérebro dedicada, em parte, à memória espacial.
Wikipidia - Mneumônica é um auxiliar de memória. São, tipicamente, verbais, e utilizados para memorizar listas ou fórmulas, e baseiam-se em formas simples de memorizar maiores construções, baseados no princípio de que a mente humana tem mais facilidade de memorizar dados quando estes são associados a informação pessoal, espacial ou de carácter relativamente importante, do que dados organizados de forma não sugestiva (para o indivíduo) ou sem significado aparente.
Por serem obrigados a memorizar todo o mapa urbano da cidade de Londres, a prova para taxista na Inglaterra é considerada uma das mais rigorosas do mundo. O hipercampo posterior dos taxistas aumenta e se expande, levando a mudanças permanentes no cérebro.
O conhecimento molda a matéria.
No entanto, os mesmos pesquisadores que documentaram a expansão do hipercampo estão agora documentando o que ocorre em troca de toda essa informação espacial.
O problema com a fragmentação cognitiva é que ela molda de forma permanente e inflexível os padrão que passamos a impor ao mundo – o que significa que esses padrões tendem a ser resistentes a mudanças repentinas, como um desvio na mão de uma rua no centro de Londres.
Esses padrões também são hábitos praticados e tendemos a nos basear neles mesmo quando eles podem não ser aplicáveis (um grande mestre enxadrista precisa tomar cuidado ao aplicar a fragmentação no xadrês quando joga damas).
Christian Jarret, resumui muito bem o preço da expertise num artigo da BPS Research Digest: Um estudo testou a habilidade (dos taxistas) em aprender rotas não familiares que foram integradas em áreas de Londres que já lhes eram familiares. Os taxistas tiveram muita dificuldade nessa tarefa quando comparado a sua performance em aprender rotas inteiramente novas.
Responsáveis pelo estudo, Woollett e Maguire especularam que, nesse caso, a expertise dos motoristas estava interferindo no aprendizado da nova rota:
“Quando colocados diante de uma nova informação que precisam aprender, mas que é similar a um conhecimento já aprendido, sua performance ruim pode ser o reflexo da inflexibilidade de alterar seu conhecimento e da incapacidade em inibir o acesso às representações da memória existente (que agora é competidora).
O resultado desse estudo foi confirmado anos depois na vida real, quando vários taxistas tiveram dificuldade em incorporar ao conhecimento já adquirido, o novo layout em torno do Distrito de Canary Wharf.
A grande lição disso tudo é que nosso cérebro é uma máquina de pensar, cheia de trocas cognitivas, que forçamos profundamente e cujos resultados são uma conta de soma zero.
Os profissionais de xadrês e os taxistas de Londres conseguem desempenhar façanhas mentais aparentemente sobrehumanas ao fragmentar seu mundo em padrões que conseguem memorizar.
Não obstante, esse mesmo talento faz com que sejam ruins em enxergar além de seus fragmentos e de transformar em algo que faça sentido, jogos e lugares que não conseguem entender facilmente.
Um grande exemplo dessas trocas mentais ou do preço do talento é dado pelo neurocientista Stanislas Dehaene, que ajudou a lançar luz sobre a anatomia da leitura em nosso cérebro.
A habilidade de fazer as palavras fazerem sentido ocupa uma porção significativa do cortex visual, na medida em que células cerebrais anteriormente destinadas a reconhecer objetos são usurpadas pelo alfabeto (Dehaene refere-se a esse processo como “reciclagem neural”).
Dehaene especula que “aprender a ler induz a grandes ganhos cognitivos”, mas também vem acompanhado de um custo mental oculto: por termos grande parte de nosso cortex visual devotado a alfabetização, somos menos capazes hoje de “ler” os detalhes do mundo natural – imagine todas as coisas que você conseguiria notar se não fosse capaz de ler essa frase.
Portanto, tenha orgulho se você é um expert: Você aprendeu a perceber o mundo de uma forma útil. Seu treinamento mudou a estrutura do seu cérebro. Mas não esqueça de pensar nos seus pontos cegos, ou seja, em todos aqueles novos padrões que você não conseguirá enxergar com facilidade.
Se você é cliente de firmas que prestam serviços em previdência complementar, saiba que a NKL2 reconhece o custo da expertise e por isso, faz sempre um grande esforço para não cair na armadilha cognitiva que acabamos de descrever.
Forte Abraço,
Eder.
Fonte: Adaptado do artigo “The Cognitive Cost Of Expertise”, de Jonah Lehner, publicado no Blog Frontal Cortex. Crédtio de imagem: www.wired.com/wiredscience/frontal-cortex/
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Neurociência
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