terça-feira, 3 de novembro de 2020

Previdência e segurança financeira futura: o quê é que assusta de verdade?




De São Paulo, SP.


No sábado passado, em meio a todo aquele clima de comemoração do dia das bruxas, me lembrei de um seriado que eu e meus irmãos curtíamos muito durante nossa infância, mas que 99% dos leitores do LinkedIn são jovens demais para lembrar.

The Munsters, que no Brasil foi chamado de “Os Monstros”, era uma serie de televisão criada pela rede de TV CBS. Foi ao ar pela primeira vez em 24 de setembro de 1964 numa época anterior a televisão à cores, portanto, os capítulos eram todos transmitidos em preto e branco.

Assista a um episodio completo, dublado, aqui (24:25 de duração): 

Os Monstros eram uma família excêntrica. Igual as típicas famílias trabalhadoras de classe média americana dos anos 60, vivia no subúrbio de uma grande cidade. A casa em que moravam se parecia com uma mansão gótica de estilo vitoriano. O chefe da família era Herman Munster, mas quem tomava as decisões era a esposa Lily. Herman possuía a aparência clássica do Frankenstein, muito forte e de mentalidade infantil, trabalhava numa funerária. Assim como Lily, o vovô era um vampiro que se vestia como o Conde Drácula dos filmes antigos. O vovô vivia com o casal, fazia bruxarias e as vezes arrumava algum trabalho para ajudar nas despesas. 

O filho Eddie era um lobisomem mirim ainda na escola e havia também uma adolescente muito bonita, Marilyn, sobrinha do casal, a única de aparência humana normal. Quando ela trazia um namorado para casa, o que acontecia com frequência, a aparência da família os fazia fugir. Herman e a própria Marilyn achavam que isso acontecia por ela ser "muito feia".

A família era muito amável e se integrava bem na comunidade, mas não entendia por que os vizinhos agiam de forma estranha com eles. Assustavam todos os que os viam pela primeira vez.

 Assim com Os Monstros, muitos filmes de terror tipo “Frankenstein” escrito por Mary Shelley e “Night of The Living Deads”, produção independente dirigida por George Romero que não passou no Brasil, sugerem que as pessoas “normais” podem ser mais assustadoras e nefastas do que o bicho papão.

Essa pode ser uma boa forma para entender melhor o nível de segurança financeira futura fornecida pelos planos de previdência complementar, comparado a visão que os participantes têm sobre a tranquilidade que sua poupança previdenciária fornecerá para eles.

Os Monstros podem ser uma metáfora apropriada para explicar o que acontece hoje com a previdência corporativa e a personagem mais importante para essa discussão é Marylin, a sobrinha adolescente do patriarca Herman.

Ela não é monstro de forma alguma e toda ironia gira em torno dos demais membros da família implicarem com a aparência de Marylin. Até ela mesmo se culpa quando os namorados saem correndo quando conhecem um membro da sua família.

Da mesma forma que Marylin Munster, os planos de previdência corporativos se sobressaem diante da assustadora hipótese de se chegar à aposentadoria sem nenhuma segurança financeira.

O monstro do futuro garantido

Durante muito tempo, poupar para ter um amanhã mais seguro fez parte de um esforço individual. O que os planos corporativos de previdência trouxeram de novo foi a ajuda das empresas para a formação dessa poupança.

A proposta de valor da previdência corporativa, que se disseminou junto com a oferta de inúmeros benefícios pelas empresas no pós-guerra, foi garantir integralmente a segurança financeira futura de seus participantes, anteriormente bancada diretamente pela folha de pagamento das empresas na base do caso-a-caso.

Essa previdência mais democratizada precisou ser segregada da folha das empresas e isso fez surgir uma previdência complementar corporativa gerida por fundos de pensão. A previdência social foi introduzida na equação, aliviando um pouco o custo das empresas na complementação do benefício de aposentadoria, que seguia igual a 100% do último salário da ativa.   

Com o passar do tempo, uma previdência social pagando benefícios cada vez menores, pessoas vivendo cada vez mais e regras contábeis amarrando verdadeiras bolas de ferro no balanço das empresas, a complementação integral dos salários prometida pelos fundos de pensão através dos planos BD foi se tornando uma conta impagável.

Para tornar curta uma longa história, os planos corporativos de previdência complementar de hoje ajudam, às pessoas que tem a sorte de participar de um deles, a poupar para o futuro, mas longe dos seus primórdios ninguém hoje sabe ao certo que benefício terá no futuro.

Nada disso é para dizer que os planos corporativos estão acabando ou que não cumprem o seu papel na formação de poupança. Os fundos de pensão indubitavelmente agregam valor e tem o seu espaço reconhecido.

O problema é que os participantes pensam estar com o futuro garantido apenas por participarem de um fundo de pensão e vão deixando de lado outras iniciativas individuais de poupança. O pior de tudo, sequer acompanham anualmente o nível de renda com o qual poderão contar no futuro, algo que os próprios fundos de pensão poderiam (e deveriam) ajudar os participantes a fazer, bastando distribuir todo ano extratos de projeção dos benefícios.

Como se estivessem possuídos, igual a Linda Blair no filme “O Exorcista”, os participantes seguem com a certeza de um futuro garantido.     

Os monstros dos investimentos, da inflação, da longevidade ...

Uma característica dos planos de previdência corporativos atuais é a dependência do retorno dos investimentos na determinação dos benefícios. 

Da mesma forma que acontece com dinheiro em espécie, se o participante perde no retorno dos investimentos, sua poupança pode ir embora pelo ralo. Cabe ao seu fundo de pensão manter os investimentos dos participantes seguros.

Porém, conforme já abordei em artigos e apresentações anteriores, as políticas de investimentos são feitas para proteger os participantes dos riscos, mas não das incertezas. 

Frank Knight, da Universidade de Cornell, ganhou o Nobel de Economia em 1916 com sua tese de doutorado Risk, Uncertainty e Profit. Foi o primeiro a conceituar a diferença entre risco e incerteza. Risco é um evento aleatório cujas probabilidades de ocorrência podem ser conhecidas, portanto, podem ser mensuradas e gerenciadas. Incerteza é um evento aleatório cujas probabilidades de ocorrência são desconhecidas, portanto, não podem ser medidas e certamente não podem ser gerenciadas. 

Nem a melhor teoria de risco dos investimentos é capaz de proteger participantes de fundos de pensão do Leviatã de um futuro incerto, sempre a espreita.

Tem ainda os monstros da inflação e da longevidade, que juntos com o monstro dos investimentos e dos demais monstros que você possa imaginar, tornam os atuais planos corporativos de previdência uma experiência moderna em andamento. 

* * * * *

Dependendo como você o defina, o dinheiro está entre nós há pelo menos 5.000 anos. Estamos em um momento em que esse conceito milenar vai se transformar completamente com a chegada da moeda digital com implicações para as poupanças de longo prazo.

Esse desconhecido é algo que por si só desencadeia outros terrores, como a eventual necessidade de compartilhamento de dados pessoais sensíveis no mundo digital comparado ao anomimato de possuir um punhado de notas no bolso.

Ainda mais arrepiante são as previsões de taxas de juros zero ou negativas por anos a frente e economias cambaleantes, nocauteadas pelo Covid-19, nas quais nossas previdências corporativas terão que ser apreciadas. Pior para aqueles cuja vez de se aposentar está chegando rapidamente...

 

Falar de monstros dá arrepios em qualquer um, mas as vezes somos distraídos pelo medo e não prestamos atenção àqueles que são os verdadeiros pesadelos, igualzinho ao que acontece na serie da família Monster. 

 

Não deixe de acompanhar e projetar seu plano de previdencia corporativa se não quiser enfrentar no futuro, monstros bem mais reais do que as criaturas imaginárias que a ficção nos oferece.  


Feliz dia das bruxas de 2021 e além!


Grande abraço,

Eder. 


Fonte: “Ghouls, Goblins and Shibboleths”, escrito por Michael J. Casey.



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