segunda-feira, 4 de setembro de 2023

OS COGUMELOS DA FINLÂNDIA, O PARADOXO DO MONTE E OS MECANISMOS DISTÓPICOS EMBUTIDOS NA MOEDA DIGITAL BRASILEIRA

 



De Sāo Paulo, SP


Na Finlândia há uma lei que garante o direito de qualquer cidadão poder passear pelas florestas e coletar cogumelos e frutas silvestres, mesmo que a floresta esteja dentro de uma propriedade privada.

É uma lei inusitada sob a ótica do brasileiro, porque aqui as pessoas não podem simplesmente entrar numa propriedade privada para passear numa floresta, pegar gravetos e madeira caídos no chão, colher frutas silvestres e coletar cogumelos.

Na Finlândia a lei garante a qualquer individuo o direito de entrar numa floresta, independentemente de quem seja o proprietário das terras.

Você pode até acampar nela, desde que não abandone nenhum lixo e não deixe nada para trás. A única restrição é que você deve manter certa distância de qualquer habitação privada eventualmente construída ali, tipo, uns 100 metros.

Isso faz com que as vastas florestas da Finlândia sejam livres para qualquer um que queira nelas passear e explorar o ambiente. Como resultado, no outono, as pessoas passeiam pelas florestas e colhem cogumelos e frutinhas de todo tipo que possam encontrar.

Ao longo dos anos, as pessoas vão aprendendo a identificar e distinguir os cogumelos comestíveis dos venenosos. Como o Cantarelo (Cantharellus cibarius), de cor amarelo-canário e odor de abricó, que cresce no musgo e muitas vezes é chamado de a “rainha dos cogumelos”. Ou o Lactarius torminosus, considerado venenoso se comido cru, mas apreciado pelos nórdicos por seu sabor picante depois de cozido.

Cogumelo Cantarelo (Cantharellus cibarius)


Tudo que é cogumelo ou frutinha comestível que você encontrar, você pode não apenas colher, mas também vender, sem que precise pagar nenhum imposto ou declarar a renda obtida.

Esse é um direito dos finlandeses que você normalmente não vai encontrar em nenhum outro país Europeu. Adolescentes podem colher, por exemplo, baldes de Mirtilo (Blueberry), vender e ficar com o dinheiro, sem precisar declarar imposto de renda. Dinheiro no bolso, nenhuma pergunta, nenhum problema.

Isso é garantido legalmente, o que nos remete a uma discussão sobre controle financeiro e vigilância dos cidadãos.

Organizações como o FATF - Financial Action Task Force, como o ECB – European Central Bank (Banco Central Europeu), como o BIS – Bank of Internacional Settlements, provavelmente não gostam muito da lei finlandesa.

Ao longo dos anos, essas e inúmeras outras organizações similares ao redor do mundo vem reprimindo as atividades financeiras privadas dos cidadãos, aí incluídos o Banco Central do Brasil, o COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras e similares.

Chegamos ao ponto de, na Suíça, os adolescentes que quiserem depositar a mesada em sua conta bancária serem obrigados a dizer ao banco a fonte, a origem do dinheiro.

Estamos falando de crianças colocando €$ 10 ou €$ 20 no banco, tendo que explicar de onde veio o dinheiro, o que provavelmente vão responder dizendo: “minha mãe me deu” ou “meu avô me deu” e pronto.

Isso é bastante intrusivo. De modo similar, na Australia, se você quiser tirar dinheiro em espécie da sua própria conta bancária, o banco é obrigado legalmente a te perguntar: qual a finalidade dessa retirada, você vai gastar o dinheiro em quê?

Tudo isso é feito sobre o auspicio de combater o terrorismo e prevenir a lavagem de dinheiro. Agora, francamente, não vejo como vai ajudar a coibir essas atividades, questionar adolescentes de 16 anos como eles conseguiram vinte euros.

No mundo da computação isso é chamado de “Teatro da Segurança”, ou seja, a prática de adotar medidas de segurança apenas para fornecer a sensação de uma segurança aprimorada, mas que pouco ou nada contribuem para alcançá-la.

Como resultado disso tudo as autoridades vêm impondo mais e mais controles sobre os cidadãos, sobre os indivíduos, através do sistema financeiro.

Recentemente escrevi um artigo alertando para os perigos embutidos na programação do dinheiro digital brasileiro, que o governo optou por chamar de DREX (parece nome de dinossauro) ao invés de “Real Digital”.

Mencionei como um desenvolvedor de blockchain descobriu no código fonte do “Real Digital”, funções que permitem ao governo congelar fundos, aumentar ou reduzir saldos de usuários, congelar e descongelar contas, movimentar moedas entre carteiras eletrônicas, criar dinheiro digital em um endereço específico etc.

A programação do Real Digital dá ao governo o poder de te impedir de sacar todo o seu dinheiro de uma só vez da sua carteira digital. Você vai ter que cumprir regras imposta pelo BACEN para ter acesso ao seu próprio dinheiro, sejam elas quais forem.

O dinheiro digital dos governos, chamado de CBDC – Central Bank Digital Currency ou em português traduzido para Moeda Digital do Banco Central, é um eufemismo para controle e vigilância.

Vamos ter que esperar para ver por quanto tempo mais os finlandeses terão o direito a colher cogumelos e frutas silvestres e poderem vender, sem ter que passar pelo pé no s@co que é declarar imposto de renda e dar satisfação ao governo.

A Comunidade Europeia, com o tempo, certamente vai pressionar a Finlândia a rever suas leis, porque os sistemas financeiros caminham para mais e mais controles.

O tipo de restrição e regulamentação que os governos estão criando sob o auspicio de prevenir atividades ilícitas, surgem com argumentos contra os quais é difícil se contrapor. Ninguém é a favor de terrorismo, nem de lavagem de dinheiro, então, é difícil ir contra essas medidas, ninguém vai querer que os terroristas transfiram dinheiro livremente.

Mas o resultado é que todos somos impactados e acabamos num mundo em que milhões de pessoas tem que tirar o sapato para entrar num avião porque 20 anos atras um camarada falhou ao tentar acionar explosivos que carregava no sapato dele.

É nesse tipo de mundo que você quer viver? Talvez ainda possamos fazer algo individualmente para não deixar esse mundo ficar insano. No meu caso, escrevo e faço as pessoas pensarem.

Para aqueles que tem dúvida sobre estarmos perto ou longe do mundo distópico, descrito por George Orwell no clássico livro “1984”, vale a pena refletir sobre o Paradoxo do Monte.

Criado pelo filósofo grego Eubulides de Mileto, que viveu no Século IV a.c., o paradoxo tem a ver com definições vagas e as tensões entre pequenas mudanças e grandes consequências. O paradoxo é o seguinte:

Monte de areia

Considere um monte de areia do qual você tira, individualmente, um grão de areia de cada vez. Um monte de areia sem um grão de areia, continua sendo um monte de areia. A cada vez que você remove um grão de areia, você fica com um monte de areia menos um grão. Se fizer isso continuamente, eventualmente, você vai ser forçado a concluir que um monte pode ser composto de apenas um grão de areia.   

Deixo para você, caro leitor, colocar nos comentários a sua opinião sobre o que pode ser feito para não abrirmos mão do que resta de nossa privacidade. Quantos grāos de areia ainda falta tirar desse monte?


Grande abraço,

Eder.


Fontes: “Are mushrooms the last defense against financial censorship?”, video de Keir Finlow-Bates.


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