Da próxima vez que você estiver na fila do banco e ouvir duas pessoas debatendo na sua frente se as instituições que vendem PGBL e VGBL são entidades de previdência ou seguradoras, pode interromper a conversa e concluir: “Não, são apenas gestores de investimentos”.
Gestores de investimentos? Pode apostar.
Nem sempre as empresas controem suas estratégias de atuação em torno de suas atividades fim. Veja a Apple, por exemplo.
Um desavisado poderia pensar que o sucesso da Apple se baseia em tecnologia ou em design, mas na verdade o que o Steve Jobs vende é “precificação”.
Jobs é mestre em usar iscas de preço, ancoragem, venda empacotada e atuar de forma obscura para fazer crer que aqueles brinquedos de alumínio brilhante são um bom negócio.
Basta prestar a atenção na estratégia de lançamento dos produtos da Apple. O popular iPod Touch Media Player (iTouch) foi lançado nos EUA com três patamares de preço – US$229, US$299 e US$399 – todos acima do preço do iPhone, que faz tudo que o iTouch faz e ainda é um telefone.
Preste atenção na Apple e poderá aprender alguns truques de precificação para seu próprio negócio.
Primeiro, entenda que jogar com o preço é vital para a Apple, porque a competição é acirrada no setor de tecnologia e as novidades são efêmeras.
O iPad custa hoje nos EUA US$ 499 em sua configuração mais simples, comparado ao Archos 7 Home Tablet que sai por US$ 189 ou ao Dell Streak vendido por US$ 299 (com contrato de dois anos da AT&T).
Além disso, os competidores do iPad estão correndo para agregar mais funcionalidades aos seus produtos, por centenas de dólares a menos. O tablet Streak tem uma camera de video acoplada a um telefone, algo que os iPads ainda não oferecem.
A tela sensível ao toque da Apple está perdendo em inovação rapidamente e mesmo que os produtos da empresa, inevitavelmente, venham a adicionar novos dispositivos, o iPhone de hoje será a comodite de amanhã.
Vejamos as estratégias de precificação usadas pela Apple para se defender:
Iscas de preço
Um jornal de Taiwan, o Economic Daily News, em uma edição de agosto de 2010 informou que a Apple havia começado a produzir uma versão menor do iPad - com tela de sete polegadas – para ser lançada no Natal daquele ano.
Se você está se questionando porque cargas d’água eles lançariam mais um produto com potencial para canibalizar sua linha de iPods, iTouchs, iPads, laptops e computadores, perceba que essa nova engenhoca é apenas uma “isca”.
Iscas, em marketing, são produtos, serviços ou patamares de preço nos quais uma empresa não quer realmente que você embarque. As iscas são usadas como referências, para fazer um outro produto parecer melhor.
O economista comportamental Dan Ariely, autor de “Previsivelmente Irracional”, fornece o exemplo clássico do corretor que te mostra uma casa cujo telhado precisa ser trocado, logo após mostrar para você uma casa com preço maior, que ele realmente quer que você compre.
É difícil saber se uma casa colonial por R$ 400 mil é um bom negócio – mas comparada a uma por R$ 380 mil que precisa de concerto, parece que sim.
Considere, agora, US$ 499 por um iPad. Bem, comparado com um iPad menor que tem menos dispositivos, de repente o de US$ 499 parace um ótimo negócio.
As iscas explicam porque a Apple costuma vender cada produto usando uma série de preços, como no exemplo do iTouch com diferentes capacidades de memória, comercializados por US$229, US$299 e US$399.
Você poderia pagar alegremente US$229 para ter um “media player” bacana, achando que é um bom negócio comparado com a versão mais cara, sem ao menos pensar num piscar de olhos que poderia comprar um iPhone 4 pelo preço infinitamente menor de US$199 e com muito mais funcionalidades.
A “isca” de US$399 obscurece seu julgamento e a Apple leva a melhor nos dois mundos – cria demanda por produtos que parecem barganhas e ganha com as iscas vendidas por preços mais altos. Sim, algumas pessoas pagam US$399 por um tocador de música com tecnologia apenas ligeiramente superior e a Apple obtem margens ainda maiores.
Criar uma “âncora” ou referência de preço
Outro economista comportamental, Richard Thaler, percebeu que os consumidores são muito ruins em tomar decisões que envolvem valor e constantemente precisam de um “preço de referência”, chamado de âncora, para comparação.
Um vestido custa R$80. Isso é muito? Não, se a etiqueta mostra um desconto de 50% em relação ao preço original de R$160. O truque é que o preço artifical de referência, de R$160, pode nem existir.
A Apple joga esse jogo de forma maestral lançando produtos, como o iPhone, por preços artificalmente elevados – o iPhone que custava US$599 no lançamento nos EUA, teve o preço rapidamente reduzido. Atualmente, a US$199 o preço de um iPhone parece roubo....
A Apple, em última instância, usa o preço de lançamento como uma referência para fazer o preço de seus produtos atuais parecer mais acessível. Você poderia estar na dúvida, no início do ano, se valia a pena comprar um iPad por US$499, mas se o preço cair para US$399 no dia dos namorados, você não terá a impressão de que chegou o momento de comprar?
Obscurecer o preço de referência
Esse truque da Apple é ainda mais esperto. Ao invés de dar aos consumidores um preço de referência, uma âncora, ela simplesmente esconde toda a precificação.
Ao tirar qualquer possibilidade de comparação do produto com outras alternativas, a Apple elimina a “referência de preço”. O que eles fazem é obscurecer possíveis referências, impedindo comparações.
Será que a nova Apple TV box é um bom negócio a US$99? Difícil dizer, já que não há nada comparável no planeta terra.
Empacotar componentes no preço para esconder o que se quer
Compre um produto da Apple e você vai desembolsar dinheiro adicional mais adiante. Para cada iTouch, iPhone ou iPad vendido, a Apple conta com você para continuar comprando músicas ou alugando vídeos no futuro.
A atraente Apple TV não armazena nada, então, você terá que pagar para assisitir aos programas. Essa estratégia não é uma novidade. Quase todo smartphone, por exemplo, tem parte de seu custo amortizado pelas contas mensais de telefone, torpedos e troca de dados ao longo dos 12 ou 24 meses de duração do contrato.
Esse ”pacote de serviços”, significa que o preço ao longo do tempo será muito maior do que aquele que você pensou estar pagando pelo dispositivo da Apple no momento da compra.
Todas essas estratégias da Apple são brilhantes. Ao encenar a venda de uma série de inovações tecnológicas e depois adicionar iscas de preço, ancoragem, venda empacotada de soluções e obscurecer os valores, a Apple nos faz querer pagar mais e mais para fazermos a mesma coisa que fazíamos há 30 anos: ler revistas, datilografar mensagens, assisitir programas ou fazer ligações telefônicas.
As inovações tecnológics geralmente nos iludem, mas com aquelas telas iluminadas e aqueles aparelhos tão desejados nas mãos, quem se importa com o quanto custam?
O exemplo da Apple nos remete de volta aos PGBL e VGBL vendidos no mercado brasileiro.
As entidades abertas de previdência complementar, que nada mais deveriam ser do que seguradoras autorizadas pelo governo a comercializar planos de aposentadoria privada, abdicaram do seu papel de intermediários de risco. Deixaram de ser seguradoras.
Os PGBL e VGBL que vendem adotam bases técnicas ultra conservadoras, isolando os riscos que deveriam intermediar e impondo um verdadeiro desequilíbrio na relação de consumo com o participante.
Resultado, as entidades abertas transferiram seu foco para as receitas auferidas com a gestão dos investimentos e praticamente não assumem riscos na fase de concessão (pagamento) dos benefícios de renda vitalícia.
Esse é o papel de bancos, não de seguradoras...
Voltaremos a esse assunto.
Forte abraço,
Eder.
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