quarta-feira, 31 de março de 2010

Questões envolvendo a nova tábua atuarial brasileira e os consumidores de seguros e previdência


De São Paulo, SP.

Fui orador da minha turma de Ciências Atuariais, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em dezembro de 1986.

Em meu breve discurso, citei como exemplo de desconhecimento da profissão a definição de atuário encontrada em um dos dicionários mais famosos daquela época. Estava escrito, erroneamente, o seguinte:

“Atuário - empregado de companhia de seguros”.

Passados quase 24 anos, a profissão de atuário permanece desconhecida para a maioria das pessoas. Talvez por ser uma profissão eminentemente técnica e ainda por cima, envolver o horror dos mortais que é a matemática.

Contudo, os consumidores - principalmente os de seguros e previdência complementar - são afetados de várias maneiras pelo trabalho dos atuários.

Vamos procurar lançar alguma luz para os atuais e futuros consumidores, sobre o significado da nova tábua atuarial brasileira para os produtos de seguro de vida e previdência complementar.

 Antes de mais nada, vamos explicar para as pessoas o que é afinal, uma tábua atuarial. A definição da versão em inglês da Wikipédia, a enciclopédia livre, traduzida para o português, é a seguinte:

“Na ciência atuarial, uma tábua de sobrevivência (também chamada de tábua de mortalidade ou tábua atuarial) é uma tabela que mostra, para cada idade, qual a probabilidade de que uma pessoa daquela idade morra antes do próximo aniversário. A partir desse ponto, uma série de estatísticas pode ser obtida e também incluída na tabela: (i) a probabilidade de se sobreviver a uma idade qualquer; (ii) a expectativa de vida restante para pessoas em diferentes idades; (iii) a proporção de pessoas da população original que ainda se encontra viva ...Tábuas de sobrevivência são normalmente construídas separadamente para homens e mulheres, por causa de suas taxas de mortalidade substancialmente diferentes“.

Nota: Apenas por curiosidade, a primeira tábua de mortalidade construída sobre princípios realmente científicos foi elaborada por Edmund Halley (aquele do cometa) em 1693, com dados da cidade de Breslaw, atual Wroclaw, na Polônia.

Podemos resumir toda essa tecnicidade indo direto ao ponto: seguradoras e entidades de previdência usam as tábuas atuariais para estimar o preço de seus produtos, considerando por quanto tempo um indivíduo de determinado sexo e com uma idade específica, deverá viver (ex.: espera-se que um homem com 40 anos hoje viva até a idade de 83,5 anos).

A nova tábua atuarial brasileira é um marco e deve mesmo ser festejada. Por outro lado, é preciso atenção paras se evitar usos distorcidos.

Seguem alguns pontos para reflexão.

1.    1. Aprovação da nova tábua por instituição independente
Tenho sido um crítico constante da inexistência da carreira de atuário no serviço público. Já escrevi artigos apontando para a incongruência dessa lacuna em órgãos como os Ministérios da Fazenda, do Trabalho, da Saúde e principalmente, o Ministério da Previdência.

Considerando que a nova tábua terá impactos significativos sobre os preços e condições dos produtos de seguro de vida e previdência, até para evitar conflitos de interesse, tirante os patrocinadores dessa iniciativa, FENAPREVI – Federação nacional das Entidades de Previdência Aberta, SUSEP – Superintendência de Seguros Privados e o Laboratório de Matemática Aplicada da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, envolvidos diretamente no assunto, pergunta-se:

A nova tábua foi analisada e aprovada por alguma instituição independente, como é o caso do IBA – Instituto Brasileiro de Atuária?

2.    2. Tábuas para seguros e tábuas para previdência

Seguradoras e entidades de previdência complementar trabalham com riscos diferentes e opostos. Um indivíduo que vive muito é um “risco bom” para uma seguradora, que ganhará dinheiro por mais tempo até ter finalmente que pagar o seguro quando o cliente falecer. Ao passo que para uma entidade de previdência complementar esse mesmo camarada é um “risco ruim”, já que esta terá que pagar o benefício de aposentadoria por mais tempo, enquanto o cliente estiver vivo.

A antiga preocupação de morrer cedo está, vagarosamente, cedendo lugar ao medo de viver “demais”. Talvez por isso, existam hoje nos EUA tábuas atuariais desenvolvidas para finalidades específicas. Veja alguns exemplos:

  •  RP – Retirement Pensioners Mortality Table: desenvolvida a partir da experiência com a mortalidade exclusivamente de participantes de planos de aposentadoria. É usada nos cálculos dos planos de previdência, em geral, sem fins lucrativos - Uninsured Pensioners - equivalentes aos fundos de pensão brasileiros;
  • GAM – Group Annuity Mortality Table: desenvolvida com base na experiência das seguradoras, para avaliação das respectivas reservas de seguro de vida e previdência, normalmente, com fins lucrativos. Como as seguradoras precisam ser extremamente conservadoras, a versão mais usada da GAM (a static) inclui uma margem de 7% para desvios na mortalidade de diferentes grupos. Para uma seguradora, uma margem de 5% proporciona 95% de intervalo de confiança num grupo de 3 mil vidas;     
  • GAR – Group Annuity Reserving Mortality Table: também desenvolvida para avaliação das reservas das seguradoras, porém, adotando ajustes geracionais. As tábuas com ajustes geracionais, mais modernas, refletem anualmente a melhoria esperada na expectativa de vida para cada geração (dependendo do ano de nascimento).

Pergunta-se: Os estudos da BR – EMS (Experiência do Mercado Segurador Brasileiro), nome da nova tábua, juntaram consumidores de seguros com participantes de previdência? A nova tábua incorpora alguma margem de segurança, seja ou não do mesmo tipo da usada nas tábuas americanas da série GAM Static?

3.    3. Seguros massificados e a nova tábua

Conforme divulgado, os técnicos da UFRJ estudaram a experiência de mortalidade dos participantes de planos de previdência complementar aberta e de consumidores de seguro de vida de 23 seguradoras brasileiras, 95% do atual mercado de vida e previdência no país.

Foram 32 milhões de CPF de pessoas pertencentes, em sua maioria, às classes A, B e C. Indivíduos com emprego formal, renda acima da média brasileira e morando nas regiões Sul e Sudeste.

Esse perfil foi, inclusive, uma das justificativas para a expectativa de sobrevida dos brasileiros (leia-se, da população estudada) ter resultado maior do que a dos norte-
americanos. Veja abaixo.

Expectativa de vida aos 40 anos
Tábua/Sexo
AT-2000
BR-EMS
Diferença
Mulheres
78 anos
86 anos
8 anos
Homens
74 anos
80 anos
6 anos






Pergunta-se: Nesse momento o mercado segurador fala de uma nova fronteira para os seguros em geral, incluindo vida, representado pelos segurados de baixa renda. Os consumidores que pertencem às classes C e D não foram considerados no estudo da nova tábua, já que esse é um mercado ainda inexistente. Como serão precificados os produtos para os novos consumidores dos seguros massificados (microseguro)?

4.    4. Atuais contratos de previdência complementar 

Consumidores de seguro de vida, ao renovarem suas apólices nos próximos anos poderão, potencialmente, experimentar alguma redução no preço do produto.

Por outro lado, compradores de planos de previdência aberta, daqui para a frente, receberão rendas de aposentadoria menores do que pagavam os planos antigos ou terão que postergar a aposentadoria, contribuindo por mais tempo, se quiserem ter o mesmo valor de benefício.

O mais importante, porém, vai ser o tratamento dado pelas seguradoras aos consumidores que compraram seus planos de previdência complementar antes de 2009 (inclusive).

Estes fizeram projeções e planejamento pessoal considerando a tábua atuarial que estava em vigor no momento da compra do produto. Seria extremamente injusto mudar os contratos, por sinal atos jurídicos perfeitos, no meio do caminho.

Pergunta-se: Se uma seguradora / entidade de previdência aberta oferecesse a mudança voluntária para um novo produto aos clientes que compraram seus planos de aposentadoria no passado, embutindo no novo produto a mudança da tábua atuarial, os clientes seriam capazes de avaliar as vantagens e desvantagens de tal mudança?


Conclusão

Nos anos 90, quando surgiram os PGBL, muitas seguradoras atraíram para o novo produto os clientes dos antigos planos FGB. Estes ofereciam garantia de rentabilidade de IGPM + 6%aa, em alguns casos creditando inclusive o excedente de rentabilidade acima dessa garantia e adotavam a tábua atuarial AT-1949. Muitos clientes migraram para o PGBL e abriram mão de condições excepcionais....

O fato das seguradoras perseguirem uma rígida gestão de risco é desejável para a saúde financeira dos negócios. Natural, portanto, que adotem de tempos em tempos, premissas mais conservadoras, mas essas devem valer apenas para os novos contratos.

Considerando que as reservas de seguro de vida do mercado brasileiro somaram em 2009 algo como R$ 14 bilhões, contra R$ 180 bilhões das reservas de previdência complementar aberta, uma proporção de 13 para 1, caso a mudança para a nova tábua tivesse ocorrido indistintamente para todos os consumidores em 2009, teria havido muito mais perdedores - cerca de 20 milhões de pessoas – do que ganhadores...

Forte Abraço,
Eder.

Um comentário:

Anônimo disse...

Prezado Eder
Gostei muito do seu texto falando sobre a BR-EMS. Estou fazendo um curso de Especialização em seguros e previdencia, e gostaria justamente de falar sobre esse tema no meu TCC (O impacto da nova tabua sobre os planos de seguro e previdencia). Se voce puder me indicar alguma leitura neste sentido agredeco muito. Abraços.
JOESCOSTA@HOTMAIL.COM

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