quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Demografia, Destino e Mercado Financeiro
De São Paulo, SP.
Um fenômeno menos visível e que se move com muito mais lentidão se coloca na frente da recuperação estrutural da economia global, enquanto os países desenvolvidos patinam para reencontrar o ritmo do crescimento, restabelecer a integridade das finanças públicas, regular o sistema bancário e recuperar a perda de empregos no mercado de trabalho.
Apesar das projeções demográficas sobre a expectativa de vida e a fertilidade humana não estarem livres de erro, o acelerado envelhecimento da população mundial não deixa dúvidas: nosso destino está nas mãos da demografia.
As discussões em torno do rápido aumento da longevidade nos últimos 30 anos tem se concentrado nos impactos sobre os sistemas públicos e sobre “quem tomará conta da vovó”.
A atual população mundial de 6,5 bilhões de pessoas deverá aumentar mais 2,7 bilhões até 2050, o que tem gerado um debate paralelo, mais contencioso e neo-Maltusiano, envolvendo a ameaça de uma superpopulação que avança sobre os recursos naturais do planeta e que decorre igualmente do aumento da expectativa de vida.
Porém, o envelhecimento populacional tem outras conseqüências econômicas, sociais e políticas que começam a emergir das sombras escuras protagonizadas pela crise financeira.
Surge agora a percepção de que longevidade extrema está ameaçando a eficiência dos mecanismos de recuperação da economia, que se mostra incapaz de resgatar os níveis anteriores de emprego diante de uma força de trabalho envelhecida, estagnada e declinante.
A reconstituição dos níveis de poupança pública e privada se mostra vital no pós-crise para fortalecer nossa capacidade de financiar uma sociedade que envelhece, mas difícil de se obter sem que os governos imponham aos nossos filhos e a nós mesmos, níveis punitivos de impostos e taxas.
É difícil prever o impacto das mudanças demográficas sobre o mercado financeiro, cuja sensibilidade responde a incontáveis variáveis econômicas e financeiras.
Mas parece haver uma indicação de que chegou ao fim a era da apreciação contínua nos preços de ações e imóveis, que teve início nos 80 e durou até a crise global aparecer.
Esse longo período de bonança resultou da entrada da geração pós-guerra na força de trabalho. Um número de mulheres, sem precedentes, começou a trabalhar. Com nível de educação superior ao de seus pais, aumentou não apenas a quantidade, mas também a qualidade da mão-de-obra.
O consumo agregado cresceu e a poupança agregada também. Na maioria dos países, exceto talvez no Japão, essa poupança foi direcionada para o mercado de ações. Nos EUA e na Inglaterra, essa poupança também tomou a forma de investimentos em imóveis.
A época de ouro caracterizada por investimentos em ascensão e crescimento econômico acelerado, experimentada pelas economias ocidentais nos últimos 30 anos, ocorreu num momento histórico peculiar.
Foi um período de transição, chamado por alguns especialistas de “bônus ou dividendo demográfico”. A fertilidade em queda diminuiu a taxa de dependência infantil (nº pessoas entre 0-14 anos / nº pessoas entre 15-64 anos) num momento em que se expandia a população economicamente ativa (idades entre 15-64), mas antes que começasse a crescer significativamente a taxa de dependência do idoso (nº pessoas com mais de 65 anos / nº pessoas entre 15-64 anos).
Hoje, porém, os baixos índices de fertilidade estão colocando em cheque a oferta de mão-de-obra enquanto as despesas para cuidar do elevado contingente de idosos começa a pesar no orçamento das famílias.
Os padrões de consumo deverão mudar, compras espontâneas e de produtos de marca darão lugar a compras mais regulares e simples.
A poupança agregada vai declinar com o tempo e a migração na alocação de ativos de renda variável para renda fixa poderá fazer cair o preço das ações.
No mercado imobiliário a crise continuará por algum tempo a ser o principal determinante dos preços. Por outro lado, a faixa de idade entre 20 e 44 anos, constituída pelos consumidores que compram sua primeira casa, nos países desenvolvidos, deverá encolher entre 10% e 20% nas próximas duas ou três décadas (30% na Espanha e na China e 40% na Coréia do Sul).
Então, quando os últimos indivíduos da geração pós-guerra atingirem os 80-90 anos de idade lá por volta de 2025-2035, quem vai comprar as casas que eles venderão para pagar suas despesas com saúde e subsistência?
Perdendo os direcionadores do crescimento
Devemos girar os gráficos de cabeça para baixo e antecipar um longo período de declínio no preço dos ativos? Isso seria atribuir somente à demografia toda a valorização dos ativos nos últimos 30 anos, algo absurdo e que ignoraria os efeitos da desregulamentação econômica, da inovação e da virulenta expansão do crédito que ocorreram.
Mas, como tendência de longo prazo, é razoável prever que o ambiente econômico e o mercado financeiro serão definidos pela combinação única do aumento da expectativa de vida com as baixas taxas de fertilidade de hoje.
A menos que o efeito do envelhecimento populacional seja atenuado por fortes mudanças nas políticas em nível micro e macro, estaremos perdendo um importante direcionador do crescimento econômico.
Tirando a oferta de mão-de-obra, tudo que resta no momento para alavancar o crescimento econômico é um estoque de capital estagnado e um incerto e seguramente menor, aumento da produtividade. Isso não é nada bom.
Se olharmos para a força de trabalho veremos que há proporcionalmente menos pessoas jovens e um maior número de pessoas mais velhas. Trabalhadores mais velhos, quando desempregados ou subempregados tendem a permanecer assim.
Isso tudo é má-notícia quando se precisa recuperar o número de empregos e fazer as pessoas voltarem para o mercado de trabalho privado o mais rapidamente possível, antes que uma nova desaceleração econômica se inicie.
A perda dos direcionadores do crescimento representada por uma menor oferta de mão-de-obra e pela característica atual do mercado de trabalho, não significa que o valor das ações vai certamente e persistentemente declinar. Mas sugere que a taxa de retorno das ações deverá cair se comparada com a das últimas décadas.
O capitalismo, simplesmente, recompensa a escassez. Se a oferta de mão-de-obra diminui em relação a disponibilidade de capital, os retornos recompensarão o primeiro.
Para os trabalhadores especializados e altamente capacitados isso é uma boa notícia. O contrário para aqueles que não são, já que uma produção dependente de tecnologia demanda capital humano cada vez mais capacitado.
Estamos sem parâmetros que indiquem o que nos aguarda, visto que o envelhecimento populacional do século 21 não tem precedentes. No entanto, parece razoável esperar menores taxas de retorno nos países em que a oferta de mão-de-obra passa por um aperto significativo e supor que a direção do mercado de ações continuará a depender de fatores como gestão macroeconômica, lucros, inovação e governança.
Perdendo nossa capacidade financeira
Dar apoio financeiro para uma sociedade que envelhece será uma tarefa cada vez mais difícil e levantará questões sobre a adequação da poupança individual e da continuidade dos sistemas públicos de previdência e saúde.
As pessoas não economizam o suficiente para a aposentadoria. Um estudo recente na Inglaterra mostrou que um quarto daqueles que podiam poupar não o faziam e metade dos homens e mais da metade das mulheres que poupavam, não economizavam o suficiente. Isso ocorre em praticamente todos os países.
Nos EUA uma pesquisa do FED - Banco Central americano - revelou que as pessoas próximas da aposentadoria possuem uma poupança em torno de R$ 90.000, excluindo o valor (hoje questionável) de suas casas.
De forma macabra, aqueles nascidos imediatamente antes da crise não poderiam ter escolhido melhor “timming” já que terão mais tempo para poupar para a aposentadoria.
O paradoxo, claro, é que se todos começarmos a poupar mais, será enviado um forte viés deflacionário para a economia capaz de desequilibrar os mercados de ações e o imobiliário, a menos que os governos possam usar seus recursos para contrabalancear esses efeitos.
O problema é que não podem. Nunca em tempos de paz tantas economias desenvolvidas enfrentaram gigantescos problemas fiscais ao mesmo tempo.
Parte da razão para estarem nesse verdadeiro buraco negro fiscal se deve a explosão nos passivos estruturais relacionados ao envelhecimento. De acordo com o FMI, o valor presente dos custos com previdência e saúde, projetados até 2050, ultrapassa em todo lugar o custo da recente crise bancária.
Tendo por base os compromissos existentes na metade de 2009, esse montante é superior a 600% do PIB na Espanha e Grécia, 500% do PIB nos EUA, 335% do PIB na Inglaterra e entre 200% e 300% do PIB nas maiores economias européias.
O número preciso desse passivo é menos importante do que sua ordem de grandeza e as implicações para as políticas públicas. Sob pressão orçamentária governos estão sendo forçados a aumentar a idade de aposentadoria, congelar temporariamente o benefício da previdência social, aumentar as contribuições dos funcionários públicos para sua previdência e elevar os impostos para financiar a saúde.
Não há esperança?
As respostas para todos essas questões econômicas e financeiras não são coisa do outro mundo, mas a vontade política e a criatividade para se fazer alguma coisa a respeito, estão em baixa.
As mudanças demográficas farão surgir novos produtos e novos consumidores, causarão mudanças significativas nas áreas da informação, biologia e matéria-prima, novas tecnologia de materiais poderão revolucionar os processos de produção, trarão mudanças na medicina e no tratamento de doenças, farão surgir novas formas de ativo e seguros, sem esquecermos do próximo bilhão de consumidores.
As características demográficas dos mercados emergentes ainda lhes dá, em grande parte, um bônus demográfico. Mesmo na China, o pool de migrantes rurais deve compensar, ainda por algum tempo, a diminuição da população economicamente ativa.
É nos mercados emergentes, com suas demandas massivas de infra-estrutura e capital, que os retornos serão os maiores a despeito dos trancos e barrancos.
Certamente ajudaria se os países relativamente pobres, com fracos sistemas de previdência social, aprendessem com a experiência do mundo rico aquilo que funciona e o que não funciona quando se trata de destino.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: Adaptado de Investor’s Insight.com - George Magnus
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