quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Série Neurociência & Previdência – A força da reciprocidade e o processo de adesão


De São Paulo, SP.

Você já recebeu pelo correio uma medalhina religiosa? Ou cartões de natal com desenhos de crianças órfãs? Ou “presentes” similares que você nunca pediu, acompanhados de um envelope com porte pago e um boleto em branco pedindo uma doação? Diante da impossibilidade de devolver o mimo não solicitado, você se sentiu na obrigação de doar algo?

Já provou um pedaço de linguiça, presunto, queijo ou outro quitute qualquer oferecido por aquelas moças no supermercado e se sentiu forçado a comprar um pacote depois da explicação do lançamento do novo produto?

O efeito da reciprocidade é central para muitos métodos de persuasão. Se você faz um favor para alguém, mesmo que seja um pequeno favor, esse alguém se sentirá pressionado a retribuir esse favor.

Estudos sobre o “efeito da reciprocidade” indicam que as pessoas sentem-se mais inclinadas a fornecer informações, dinheiro, ajuda e qualquer outra coisa, para alguém que as ajudou.

Um experimento feito pelo Professor Dennis Regan, da University of Cornell, ilustra muito bem esse efeito. Em seu estudo, dois indivíduos foram colocados em uma sala por um motivo sem ligação com a experiência sendo conduzida. Um deles não tinha conhecimento do que seria testado, pois assim agiria e se comportaria de forma natural, enquanto o outro era colaborador da pesquisa.

Ao longo da experiência, um dos indivíduos (o colaborador) deixou a sala durante um intervalo dos testes. Após dois minutos, ele retornou com um par de latas de coca-cola, uma para ele e outra para o outro indivíduo.

“Eu perguntei ao coordenador da experiência se poderia pegar um refrigerante para mim e ele disse que tudo bem, então eu também trouxe um para você”.

Na parte de controle da experiência, um colaborador também deixava a sala, mas dessa vez retornava sem coca-cola.

Após terminado o ”suposto teste”, o colaborador pedia um favor ao colega. Ele estava vendendo tiquetes de rifa e quanto mais vendesse, maior seria a chance dele (colaborador) ganhar um prêmio.
“Pode comprar quantos quiser, mas quanto mais melhor prá me ajudar”.

Resultado?

O indivíduo que recebeu a coca-cola acabou comprando duas vezes mais tiquetes da rifa do que os indivíduos que não ganharam um refrigerente. Ou seja, um simples favor (dar um refrigerante) feito anteriormente, aumentou em 100% o comportamento de compra dos indivíduos. 

Então, a experiência foi repetida. Só que dessa vez, os indivíduos tinham que preencher um formulário no final do teste indicando o quanto tinham gostado do colega (o colaborador). O Prof. Regan estava curioso para saber o quanto o colaborador era apreciado e o grau de influência disso sobre o comportamento de compra da rifa pelo outro indivíduo.

No cenário em que a coca-cola era dada como um favor, o comportamento de compra da rifa teve forte e direta correlação com o grau em que o colaborador era “bem quisto”. Nenhuma surpresa aqui ...

Mas vejá só: “Para aqueles que deviam um favor, não fazia diferença se o outro indivíduo havia ou não gostado do colaborador; eles simplesmente se sentiam na obrigação de pagar o favor e assim o faziam”.

Outro exemplo da força da reciprocidade foi demonstrado pela seita “Hare Krishna”, uma organização religiosa de origem Hindú que floresceu nos anos 70 usando uma técnica espalhafatosa para receber doação de fundos.

A imagem inicial da seita não era muito favorável aos olhos da sociedade, devido a sua estratégia excêntrica. Indivíduos com a cabeça totalmente raspada, usando batas coloridas, cantando músicas esquisitas e queimando insenso pediam doações nas esquinas das grandes cidades.

Precisando de uma nova estratégia, os Krishnas passaram a abordar as pessoas oferecendo um “presente” para elas. Geralmente uma flor, que a pessoa abordada não podia devolver de jeito nenhum. “Não, queremos que fique com ela, é nosso presente para você”.

Uma vez que a vítima, ainda que relutantemente, aceitasse o “presente” o Krishna rapidamente pedia uma contribuição.

Isso funciona?

Mais do que você imagina. Por mais de uma década essa foi a maior fonte de receita dos Hare Krishna e ajudou a seita a construir templos, casas, abrir negócios e adquirir propriedades em 321 centros nos EUA e ao redor do mundo. 

A flor era rapidamente descartada pela vítima, ao dobrar a esquisa, demonstrando o quanto o “presente” era indesejado. Mas as flores descartadas eram imediatamente recolhidas pelos Hare Krishnas, que iam de uma lata de lixo para outra, na área, recolhendo e reciclando as flores, sabe-se lá quantas vezes, para usá-las no mesmo processo novamente.

O senso interior de gratidão causado pelo efeito da reciprocidade, faz frequentemente com que o favor pago pelo recebedor tenha um valor muito superior ao do presente recebido. O efeito da reciprocidade dispara em nosso subconsciente um grande débito de gratidão, como que uma força poderosa.

Num dos mais incríveis experimentos sobre esse efeito, denominado “Using Computers to Elicit Self-Disclosure from Consumers”, publicado no “The Journal of Consumer Research” no ano 2000, o Prof. Youngme Moon fez diversas pessoas responderem a perguntas sobre sí mesmas formuladas por um computador.

O computador perguntava coisas como “o que você não gosta sobre a sua aparência?”, ou então “o que você mais se arrepende de ter feito na vida?”

Fazer as pessoas responderem perguntas pessoais pode ser desafiador, mas o Prof. Moom descobriu que usar a “força da reciprocidade” ajudava. Ou seja, quando o computador revelava algo “pessoal” sobre ele próprio, as pessoas tinham maior inclinação a fazer o mesmo.

O computador formulava perguntas como:

Você deve ter notado que esse computador se parece com qualquer outro PC no campus. De fato, 90% dos computadores dessa Universidade são bege, portanto, esse computador não tem uma aparência muito diferente dos demais. O que você não gosta na sua aparência física?

As pessoas se demonstravam muito mais abertas a revelar detalhes pessoais sobre sí mesmas quando defrontadas com uma revelação “pessoal” do computador. Ao revelar algo sobre si, o computador levava as pessoas a agirem reciprocamente.

O mais interessante sobre esse caso é que as pessoas foram afetadas pelo efeito da reciprocidade mesmo quando não estavam interagindo com outra pessoa de carne e osso. Estavam apenas respondendo perguntas numa pesquisa.

O efeito da reciprocidade fornece uma excelente ferramenta para pesquisadores que precisam de informações sensíveis dos participantes. Mas também pode ser usado para fins nefastos em ações inescrupulosas de telemarketing que precisam de dados pessoais.

Pensei sobre algumas aplicações desse efeito no mundo da previdência complementar. Uma possibilidade a ser testada seria o profissional de RH fornecer aos empregados recem admitidos, principalmente pessoas jovens, um brinde de boas vindas – algo singelo como um chaveiro, um mouse pad etc..

Na sequência, seria entregue o formulário de adesão ao plano de previdência, com o pedido do profissional de RH: 

"... me ajude a aumentar o nível de adesão ao nosso plano de previdência. Estou sendo avaliado por isso e gostaria de ficar bem perante meu chefe...."

Será que funciona? O resultado obtido com a abordagem adotada hoje, nós já sabemos, não custa tentar algo diferente!

Forte abraço,
Eder.


Fonte: Adaptado dos artigos "The Power of Reciprocity", escrito por Zach Davis e “What you'll reveal to a computer”, escrito por Daniel Simons.
 
Crédito de imagem: Eder C. da Costa e Silva


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