
De Sāo Paulo, SP.
Uma das grandes lacunas da previdência complementar no Brasil – já há algum tempo – é que os trabalhadores de empresas pequenas e dos setores informais da economia, simplesmente não têm acesso aos fundos de pensāo.
Diante disso, trago aqui um olhar que vale a pena considerar, um benchmak de inovações internacionais — como o modelo adotado em grande parte dos estados americanos — e pensar em criar algo semelhante para o estado de São Paulo e também para os demais estados brasileiros.
1. O que sāo os Auto-IRAs nos EUA?
Nos Estados Unidos, os “State-facilitated Individual Retirement Accounts (IRA)” — também chamados de “Auto-IRAs” — são programas de poupança individual voltada para aposentadoria, promovidos por governos estaduais.
Seu propósito é oferecer acesso à poupança de aposentadoria para trabalhadores de empresas que não oferecem planos de previdência complementar corporativos.
Numa explicação simples:
Muitas empresas nos EUA, igualzinho no Brasil, não oferecem planos de previdência complementar para seus empregados, especialmente as milhares de empresas de micro e pequeno porte.
Por isso, diversos governos estaduais americanos criaram um programa que exige que essas empresas “ofereçam” aos seus empregados uma conta individual de aposentadoria (IRA – Individual Retirement Account), com dedução automática das contribuições na folha de pagamentos (salvo se o empregado optar por sair — opt-out) ou outra forma de adesão simplificada.
O estado atua como facilitador: supervisiona, regula e contrata provedores de serviços privados para operacionalizar a gestão dos investimentos e a administração do programa de aposentadoria.
O objetivo é ampliar a cobertura previdenciária para trabalhadores de baixa renda, que hoje “ficam de fora” dos fundos de pensāo.
Mais de vinte estados e cidades americanas já implementaram ou aprovaram esse tipo de programa, como California, Colorado, Delaware e Maine, só para citar alguns exemplos.
Limitações: os state-facilitated IRAs geralmente não permitem contrapartida de contribuições do empregador (i.e., não há “matching”), o que limita o montante acumulado — algo que uma solução brasileira poderia permitir.
Eles não substituem os planos individuais de previdência complementar, mas servem como “rede de segurança” para trabalhadores sem acesso aos fundos de pensāo.
Funciona como uma iniciativa pública-privada, com o estado criando e regulando um mecanismo padrão de previdência complementar individual, obrigatória para empresas que não oferecem alternativa própria, com o intuito de universalizar o acesso à poupança para aposentadoria.
2. O programa do estado do Maine, como exemplo
Em 2021, o estado americano do Maine aprovou uma lei chamada Act To Promote Individual Retirement Savings through a Public-Private Partnership, que estabeleceu um programa estadual de previdência complementar com contas individuais de aposentadoria e contribuições descontadas na folha de pagamento, para empregadores (empresas) que não oferecem um fundo de pensāo.
O programa chama-se MERIT (Maine Retirement Investment Trust).
A lei exige que os empregadores com 05 ou mais empregados cumpram o programa, a menos que já ofereçam um plano para os empregados. Em outras palavras, empregadores que já oferecem um plano de previdência complementar corporativo estão isentos desse requisito estadual.
O desconto padrão na folha de pagamentos a titulo de contribuição de cada empregado é de 5 % do salário, com possibilidade de ajuste voluntário desse valor pelo trabalhador (para mais ou para menos).
A contribuição pode aumentar automaticamente até um teto em incrementos anuais de até 1 %, mas sempre com possibilidade do trabalhador optar por cancelar os descontos e sair do programa (“opt-out”) ou ajustar os valores das contribuições.
Empregadores não são obrigados, nem autorizados, a “fazer matching”, ou seja, nāo há contribuições da empresa em contrapartida às contribuições individuais do empregado.
Penalidades por não cumprimento: o programa estabelece multas por empregado que não for inscrito no programa pelo empregador ou para o caso do empregador não transferir para o programa de previdência complementar os valores deduzidos da folha.
O programa também permite que trabalhadores independentes (autônomos / contratados) participem, se quiserem.
O MERIT foi concebido como uma parceria público-privado: o estado supervisiona a gestão, mas contrata prestadores de serviços privados para administração e investimento.
Há a intenção, agora em 2025, de ampliar a cobertura: estuda-se uma nova legislação exigindo que empresas com apenas 03 ou mais empregados se inscrevam no Auto-IRA estadual se não oferecerem plano próprio.
3. Pontos de destaque
Faseamento: o Maine adotou um limite (empresas com ≥ 5 empregados), mas pretende baixar esse limite para 3 empregados. Isso mostra que o programa pode escalar aos poucos a cobertura em direção a universalização dos fundos de pensāo.
Desenho com adesão automática: um princípio central é inscrever as pessoas automaticamente, mas respeitando a liberdade individual da pessoa sair caso não queira participar do programa de poupança para a aposentadoria.
Velocidade de implementação e uso de parcerias: o Maine se associou ao programa do estado do Colorado para reduzir custos e acelerar a operação.
Simplicidade no papel do empregador: o empregador só precisa inscrever os empregados e repassar os valores — ele não fica responsável pela gestão ou risco dos investimentos, nem tem responsabilidade fiduciária.
Penalidades crescentes: para os empregadores que não aderirem, o regime legal prevê multas que aumentam ao longo dos anos, de forma a incentivar a adesão, que não tem custo algum para as empresas.
Esse exemplo do Maine é um excelente “benchmark” para o Brasil.
4. Proposta para São Paulo: “Auto-CIP Paulista”
Aqui vai uma proposta, em linguagem simples, de como algo parecido poderia ser estruturado pelo estado de São Paulo e replicado em outros estados.
Propomos a criação pelo estado de Sa9o Paulo do Auto-CIP Paulista ou seja, Contas Individuais de Previdência Paulista - Automáticas (nome provisório):
Elementos centrais
I. Obrigatoriedade condicional para empresas privadas menores:
Empresas que não oferecem plano de previdência complementar corporativo seja em fundo de pensão ou entidade aberta (seguradora) nos contratos trabalhistas deverão aderir ao programa estadual e permitir que seus empregados façam contribuições via desconto em folha.
II. Conta individual padronizada:
Cada trabalhador teria sua conta individual de aposentadoria, administrada por um fundo de pensāo estadual do tipo instituído, sob regras padrão, com portabilidade automática. Em outras palavras, sempre que o trabalhador mudar de empresa a conta “segue o trabalhador”.
III. Contribuição exclusivamente do trabalhador (fase inicial):
No primeiro estágio, apenas o trabalhador contribuiria. Posteriormente, poderia ser admitido que o empregador fizesse “matching” (contrapartida de contribuição) com o estado fornecendo crédito tributário para a empresa como incentivo fiscal.
IV. Investimento moderado, baixo custo e transparência:
O fundo de pensāo deveria aplicar os recursos de forma diversificada, com baixas taxas administrativas e de gestão dos investimentos, fornecendo extratos anuais digitais aos participantes.
V. Supervisão estadual / autonomia fiduciária:
O programa poderia ser gerido por uma entidade pública e semi-autônoma (um fundo de pensāo estadual no modelo SPPREV ou um novo fundo de pensāo instituto) com governança robusta — conselho profissional, com representante dos contribuintes, do estado, dos participantes e metade dos membros independentes.
VI. Incentivo fiscal (se possível):
Incentivar participantes com a nāo-tributação dos rendimentos, semelhante aos VGBLs e incentivos fiscais estaduais (ex.: crédito tributário de ICMS) para estimular adesão das empresas.
VII. Portabilidade nacional / interesse federativo:
Permitir que o modelo seja estendido a outros estados, com compatibilidade entre os regimes estaduais e os fundos de pensāo hoje existentes.
VIII. Integração com SPPREV ou criação de nova estrutura:
No estado de São Paulo, pode-se usar a estrutura da SPPREV (São Paulo Previdência) como plataforma de gestão ou se criar uma nova entidade na forma de um fundo de pensão instituído.
5. Compatibilidade e ajustes legais necessários
Incorporar aspectos do modelo do Maine fortalece a proposta, mas não resolve por si só os impedimentos da legislação brasileira. É crucial fazer adaptações jurídicas:
Análises críticas
O modelo do Maine se encaixa no arcabouço legal americano, no qual os Estados tem competência para criar mecanismos de previdência complementar regionais e a legislação tributária americana (IRS, a Receita Federal deles) aceita IRAs locais. No Brasil não há hoje dispositivo que permita aos estados instituírem contas individuais de previdência complementar para trabalhadores privados. Apesar de não haver dispositivo proibindo isso, seria mais seguro haver previsão legal mais clara em nível federal.
O novo fundo deverá obedecer às Leis Complementares 108 e 109/2001 (regulamentação de entidades de previdência complementar) ou haver lei federal que adapte e complemente essas leis para aceitar novos formatos estaduais de previdência complementar.
A compatibilidade com fiscalização federal (PREVIC) é fundamental, mas deveria ser complementada por fiscalização estadual (Tribunais de Contas do Estado).
O uso de penalidades estaduais exigirá previsão normativa clara para que os estados possam autuar empresas que não cumpram o programa.
Ajustes legislativos necessários
a) Lei complementar federal ou emenda às LC 108 e 109/2001)
Que inclua expressamente a faculdade de estados instituírem programas de previdência complementar por adesão voluntaria ou obrigatória para trabalhadores privados, com regras mínimas, compatíveis com a regulação federal.
b) Lei estadual específica instituindo o “Auto-CIP Paulista”
Que defina limite mínimo de empregados para adesão compulsória, regras de governança, penalidades escalonadas, inscrição automática com opt-out, direitos dos participantes etc.
c) Alteração estatutária da SPPREV / lei estadual (se for o caso)
Caso se opte pela adminsitarcao do programa pela SPPREV, deveria haver lei estadual para permitir que a SPPREV administre contas de previdência complementar individuais para o setor privado, não apenas para regime de servidores públicos do estado de São Paulo.
d) Regulamentação da participação obrigatória de empresas
Dispositivo legal estadual que autorize a exigência de que empresas sem plano inscrevam trabalhadores no programa, sob penalidade, compatível com a legislação trabalhista.
e) Regulamentação federal de incentivos fiscais
Para tornar o programa atraente, permitir deduções, benefícios tributários, isenções estaduais federais etc.
f) Regulamentação conjunta com órgão federal (PREVIC)
Para que o programa estadual se submeta a normas sólidas de solvência, alocação de ativos, transparência, auditoria e supervisão.
g) Transição e portabilidade
Normas que permitam migrar os saldos de previdência complementar individual já existentes para o novo programa, sem penalidade excessiva.
Em resumo: o modelo do Maine é viável, mas seria vital criar o arcabouço legal no Brasil que autorize estados a fazerem isso.
6. Proposta pratica e recomendações para São Paulo
A. Faseamento inicial
Comece com pequenas empresas (por exemplo 10+ empregados) e vá reduzindo o limite (5+, depois 3+), aprendendo e ajustando com testes piloto.
B. Design inspirado em Maine
Contribuição padrão automática (5 % do salario), com aumento gradual até determinado teto (ex: 10% ou 12% do salario).
Opt-out permitido com reinscrição automática anual.
Exclusão de exigência de “matching” do empregador (pelo menos no início).
Penalidades crescentes por inadimplência.
C. Estrutura institucional de gestāo
Criar novo fundo de pensão do tipo instituído, constituido pelo estado, como entidade administradora fiduciária; ou
SPPREV ajustado para ser o gestor operacional.
Conselho com participação da sociedade (contribuintes), trabalhadores, especialistas e membros independentes, controle democrático.
D. Legislação estadual / federal
Projeto de lei estadual para instituir o Auto-CIP Paulista.
Advocacia junto ao Congresso para alterar ou suplementar as Leis Complementares 108 e 109/2001.
Propostas de incentivos fiscais estaduais (redução de ICMS, benefício para empresas que aderirem).
E. Parcerias interestaduais / programa nacional
São Paulo poderia buscar parcerias com estados vizinhos ou agregar programas, compartilhando infraestrutura (assim como Maine fez parceria com Colorado).
No futuro, sugerir um padrão nacional de contas individuais suplementares, para interoperabilidade entre estados.
F. Comunicação e educação
Forte campanha de comunicação e informação à população e empresas, explicando o funcionamento do Auto-CIP Paulista e seus beneficios.
Transparência total sobre taxas de gestão, resultados, riscos.
7. Conclusão e chamada ao governador
Caro governador Tarcísio de Freitas, São Paulo tem a oportunidade de se tornar um modelo nacional ao adotar uma “Auto-CIP Paulista” (“Auto-IRA Paulista”), estruturada por meio da SPPREV ou de um novo fundo de pensāo instituido.
Essa iniciativa permitiria que milhões de trabalhadores atualmente desprotegidos tivessem acesso a previdencia complementar organizada, com contas individuais, portabilidade e segurança institucional.
Para viabilizar isso, será necessário aprovar legislação estadual para criar o mecanismo, bem como uma lei complementar federal que autorize estados a gerir fundos de previdência para a iniciativa privada em harmonia com a legislação federal de previdência complementar.
Se bem desenhada e executada, essa proposta não só poderá melhorar a segurança financeira dos trabalhadores como também projetar São Paulo como referência de inovação em previdência social no Brasil.
Alô @TarcisiodeFreitas; @Abrapp; @DevanirSilva; @GovernoSao Paulo; et all:
Fica a dica de um carioca de nascença que, assim como o Governador Tarcisio, adotou Sāo Paulo como estado do coraçāo! Essa é minha retribuiçāo por tudo que essas terras maravilhosas me propiciaram
Grande abraço,
Eder.
Opiniōes: Todas minhas | Fonte: “New Maine law would require employers with 3+ workers to enroll in state auto-IRA program”, escrito por Lynn Cavanaugh.







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