De São Paulo, SP.
Ainda que lentamente, o susto com a pandemia vai ficando para trás enquanto empresas e fundos de pensão ensaiam a retomada das atividades.
Você deve ter notado nesse retorno, que organizações de todos os tipos andam fazendo questão de demonstrar na mídia a preocupação com a saúde dos empregados. O assunto ganhou mais destaque do que as projeções de receita, discussões sobre perda de participação de mercado ou mesmo risco de crédito numa economia global cambaleante.
Um dos impactos do Covid-19 sobre as organizações foi um cuidado maior na comunicação de suas ações sociais para todas as partes interessadas, os chamados stackeholders. A mídia foi inundada com artigos e posts sobre iniciativas corporativas para proteger os empegados contra o vírus, focar no seu bem-estar e adequar o local de trabalho ao distanciamento. Uma mudança e tanto
A letrinha “S” no ESG, que significa Social, repentinamente foi ampliada para além das tradicionais discussões em torno de diversidade, igualdade de gênero, cuidado com minorias e assuntos afins.
Em 1970 o New York Times publicou um ensaio do economista Milton Friedman no qual ele argumentava que os acionistas são o único grupo com o qual uma empresa precisa ser socialmente responsável. O objetivo das empresas, dizia Friedman, seria maximizar o lucro para os acionistas e esses poderiam, então, decidir por si mesmos de qual iniciativa social tomariam parte.
Friedman entendia não caber a um executivo, apontado pelos acionistas para tocar o negócio, decidir qual questão social a empresa deveria privilegiar. Um executivo que gasta dinheiro da empresa em causas sociais está, na verdade, gastando dinheiro dos outros para atingir seus propósitos pessoais. A doutrina Friedman ou teoria do acionista, que chamou a atenção para um ponto ainda não resolvido da ética nos negócios, aparentemente deixava de fora os empregados de uma empresa e os participantes de um fundo de pensão.
A verdade é que o mundo evoluiu e daqui para frente será menos relevante a quem cabe decidir, se executivos ou acionistas, como uma empresa trata as questões ESG. O importante mesmo, vai ser “o que” a empresa está fazendo e por isso começa a ganhar importância a comunicação e o reporte dessas medidas.
A comunicação com a sociedade terá que ser repensada e as posições adotadas pelas organizações em relação às questões ambientais, sociais e de governança terão que ser reportadas fidedignamente. Empregados, consumidores e ______ (complete com a categoria que achar importante) inevitavelmente irão comparar as empresas.
Existe uma demanda vinda principalmente dos investidores institucionais, por maior padronização no reporte pelas empresas de informações sobre esses aspectos. Apesar de não haver uma abordagem única, existem algumas diretrizes para as organizações reportarem, com certo grau de padronização, o que andam fazendo em prol de sua sustentabilidade no longo prazo.
Iniciativas como as do SASB – Sustainability Accounting Standards Board, do TFCFD - Task Force on Climate-related Financial Disclosure e do GRI – Global Reporting Initiative, fornecem um norte para que as empresas reportem os fatores ESG que consideram mais importantes para elas. Investidores institucionais como BlackRock, BNP Paribas e State Street, vem requerendo que as empresas divulguem suas iniciativas de acordo com esses padrões, para que seja possível comparar o perfil ESG de cada uma.
Materialidade dinâmica e dupla materialidade dos fatores ESG
As empresas preocupadas com a sustentabilidade dos negócios no longo prazo, geralmente, revisam em ciclos de um ou dois anos a materialidade dos aspectos ESG que as afetam. O ano de 2020, porém, mostrou que os fatores ESG podem mudar de repente e passar a incluir aspectos que não vinham sendo considerados, como capital humano e pandemias.
O Covid-19 reforçou o conceito de “materialidade dinâmica”, segundo o qual o impacto material dos fatores ESG para uma empresa e suas partes interessadas, evolui com o tempo. Além disso, o episodio causado pelo Sars-Cov-2 fez as empresas perceberem que a avaliação e o reporte dos impactos sobre os negócios advindos das questões ESG, não podem se limitar somente à materialidade financeira.
Cresce o consenso de que as empresas precisam adotar o conceito de “dupla materialidade”, criado em 2017 por uma diretriz da Comissão para Reportes Não-Financeiros da Comunidade Europeia (EU Commission’s 2017 Non-Financial Reporting Directive). A ideia, essencialmente, é expandir as definições básicas de materialidade financeira e passar a considerar os impactos das empresas para a sociedade e o meio ambiente.
As informações adicionais que investidores, firmas que votam por procuração nas assembleias de acionistas e agências de rating estão requisitando das empresas, englobam aspectos ligados à inquietação social pipocando em países desenvolvidos.
Eu faço o que eu digo
Reportar iniciativas que buscam igualdade de gênero e diversidade étnica da força de trabalho já fazia parte das melhores práticas de empresas norte-americanas e britânicas.
Nos países desenvolvidos uma empresa que se posiciona como preocupada com aspectos ESG e sequer demonstra em seus relatórios sociais que adota políticas para promover diversidade e igualdade de gênero, nem é levada a sério.
O disclosure padronizado das iniciativas das empresas, demonstrando em seus relatórios financeiros e sociais as medidas adotadas na prática em defesa dos princípios ESG, permitirá que os stackeholders separem as sérias daquelas que estão apenas fazendo “greenwashing” ou “purpose-washing”.
“Greenwashing” ou banho verde: termo que aponta para pessoas ou organizações que se apropriam de virtudes ambientalistas mediante técnicas de marketing e relações públicas, o famoso “jogar para a galera”.
“Purpose-washing” ou banho nos propósitos: semelhante ao banho verde, são declarações feitas por empresas ou indivíduos de forma inteligente e chamativa, na tentativa de convencer o mundo de que o planeta, as pessoas e os princípios ESG, vem antes dos lucros.
Veja o tipo de informação que vem sendo requerida por investidores institucionais, acionistas e agências de rating:
Investidores – Estão prestando atenção no reporte de informações pelas empresas sobre suas iniciativas de diversidade e inclusão e demandando mais métricas relacionadas ao assunto. Alguns investidores estão de olho em empresas cujo CEO andou fazendo declarações sobre planos de diversidade para saber as medidas concretas embasando tais declarações. Além disso, os investidores querem reassegurar que as empresas tenham processos de recrutamento que evitem viés racial e querem ver as metas, métricas e dados por trás dessas políticas.
Acionistas – As grandes firmas que votam por procuração, representando acionistas, tem demandado que as empresas divulguem informações sobre a composição étnica de seus conselhos e diretorias executivas. Vários investidores institucionais estão usando dados compilados por essas firmas para orientar seus votos nas assembleias e começam a votar contra a recondução de boards nas empresas que avaliam ter diversidade insuficiente.
Agências de rating – Algumas das maiores agencias de rating estão aplicando questionários específicos sobre as medidas adotadas em relação ao Covid-19, na avaliação das empresas. A S&P, por exemplo, incluiu aspectos sociais relativos a desigualdade e injustiça social em suas avaliações.
Fica bem claro que a pandemia ressaltou a relevância dos aspectos ESG para as empresas. Em um primeiro momento, aquelas que se preocupam com questões ambientais, sociais e de governança estão sendo recompensadas. Pelo andar da carruagem, em um segundo momento, ao invés da recompensa para as que adotam esses princípios, virá punição para as que não adotam.
Seu fundo de pensão, está atento a tudo isso?
Grande abraço,
Eder.
Fonte: Adaptado do artigo "ESG Communications FAQ: How to Build Back Better?", escrito por Heather Keough e Chris Plath.
Credito de Imagem: https://www.elevatelimited.com
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