De São Paulo, SP.
Quando a I Guerra Mundial começou, Ludwig Wittgenstein, um jovem austríaco, era estudante de filosofia em Cambridge – Inglaterra, cujo talento era evidente.
Wittgenstein tinha ideias avançadas e sofisticadas, mas acreditava ser preciso desenvolve-las melhor, por isso se recusava em coloca-las no papel. Um trabalho imperfeito de filosofia, pensava ele, não serviria para nada, seria inútil publicá-lo.
Seu mentor, Bertrand Russell, tinha o hábito de fazer anotações sobre as conversas dos dois, temendo que aquela genialidade fosse perdida ou que um episódio trágico pusesse fim a vida de seu protégé – Wittgenstein às vezes cogitava o suicídio.
Ele estava visitando a família na Áustria e atendeu a um chamado do exército. Assim, aos 25 anos de idade, foi enviado para a frente oriental para defender o Império Austro-húngaro e foi envolvido pela guerra.
“Se eu não viver para ver o fim dessa guerra, devo estar preparado para que todo o meu trabalho não dê em nada”, confidenciou a um amigo na frente de batalha. Finalmente, resolveu escrever suas ideias.
Um livro que mudou a história da filosofia
Wittgenstein foi capturado e enviado para um campo de prisioneiros de guerra. Quando foi liberado, graças ao tratado de paz assinado em Versalhes, suas anotações se resumiam a algumas dúzias de páginas, respingadas de lama, guardadas em sua mochila.
Ele encontrou uma editora em 1921 e publicou o “Tractatus Logico-Philosophicus”, um livro fino, com menos de 100 páginas, elaborado a partir do trabalho de Gottlob Freg, um renomado estudioso de lógica alemão.
Revolucionário em sua ingenuidade, Wittgenstein perguntou simplesmente: “O quê é a linguagem?”. Por quê e como os grasnidos que uma pessoa emite e os rabiscos que desenha, conjuram tudo que existe no mundo?
A simplicidade dos instintos de Wittgenstein foi comparada por Anthony Quinton, um filosofo Britânico, àquela de Isaac Newton, que se deu ao trabalho de perguntar por quê as pedras caem no chão enquanto os outros se contentavam em dizer: ”Elas simplesmente caem”.
A resposta de Wittgenstein a sua própria pergunta foi o desenvolvimento da teoria pictórica da linguagem, uma bela demonstração da relação entre as palavras e o mundo real.
Na teoria, ele argumenta que todos os pensamentos significativos que as pessoas têm são arranjos pictográficos, que, quando expressos através da linguagem na forma de proposições, podem ser comunicadas para os outros.
Wittgenstein foi inspirado por um artigo de jornal relatando um acidente de carro, algo novo para a época. Ao ler sobre a estratégica do advogado do caso, que usou carrinhos de brinquedo e bonecas para explicar o acidente, ele percebeu a base pictórica da linguagem.
Ele aplicou sua visão aos problemas centrais que vem deixando filósofos perplexos por milênios: Deus, moralidade e beleza. Considerando, concluiu ele, que a filosofia discute largamente coisas que não são demonstráveis no mundo real e, portanto, não podem ser retratadas, muitas das suas proposições não tem significado. Pelo contrário, muitas filosofias são “tolices”.
Então ele preferia focar nas poucas áreas que poderiam ser discutidas com a linguagem de forma significativa. Isso levou a sua proposição final e definitiva: “Do que não se pode falar, deve-se calar”. Ou conforme ele coloca em vários trechos de seu “Tractatus”: “os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo”.
Tractatus Futurum-Oeconomus Securitatis
Por um século os leitores do “Tractatus” têm sido deslumbrados e intrigados pela ousadia de Wittgenstein, não apenas pela originalidade de suas ideias, mas pela forma direta e concisa como as expressou.
Tudo condensado num livro com menos de 100 páginas, estruturado em torno de sete declarações enigmáticas começando por: “O mundo é tudo que vem ao caso” e seguidas por pontos suplementares para os quais Wittgenstein oferece poucas justificativas e quase nenhuma evidência, pois não queria ser contestado.
Em 1929 Ludwig Wittgenstein era o filosofo mais badalado no mundo. John Maynard Keynes correu ao seu encontro a caminho de Londres: “Deus chegou, encontrei-o no trem de 5:15”, escreveu Keynes para um amigo. O jovem Alan Turing assistia suas aulas em Cambridge. O cara era badaladíssimo!
Wittgenstein morreu em 1951 sem jamais ter publicado um segundo livro e seu “Tractatus”, que pela concisão com que foi escrito pode ser considerado modernamente um tweet filosófico, deixou um legado complexo para o campo da filosofia.
Assim como Wittgenstein, cuja marca profunda na filosofia se deu por conta de uma pergunta simples, está na hora de questionarmos no segmento de previdência: “O que é segurança financeira futura?”
Nosso Tractatus Futurum-Oeconomus Securitatis (Tratado da Segurança Financeira Futura) deveria se debruçar em questões tipo: Por quê, como e quanto aquilo que as pessoas juntam durante a vida, irá lhes assegurar um futuro financeiro mais seguro e por quanto tempo?
Wittgenstein prenunciava o fim de ramos da filosofia cujos debates não tem significado. Podemos argumentar, da mesma forma, que não tem significado falar de uma previdência complementar que passou de um papel coadjuvante a ator principal diante da debacle da previdência social.
Nosso Tractatus Futurum-Oeconomus Securitatis, da mesma forma que seu congênere filosófico, também não precisa ser extenso, nem ocupar longas páginas com discussões infindáveis e efêmeras.
Podemos pegar carona na abordagem de Wittgenstein e desencadear as discussões partindo de umas poucas declarações do tipo: “Sua riqueza não é tudo que você consegue ver”; “Saúde vem antes, não depois”; “Trabalho nos trás riqueza ou nos tira tempo?”; "O valor do tempo hoje não é o mesmo valor do tempo amanhã".
Muitos dos ramos da filosofia que Wittgenstein pensou que morreriam, pela falta de significado, acabaram florescendo como a filosofia da mente e teoria política. O Tratado da Segurança Financeira Futura não deveria incorrer nesse erro e deveria levar a sério campos emergentes como o da cryptoeconmia e ativos digitais, discussões sobe um novo contrato social incluindo uma renda mínima universal, o futuro das organizações etc.
Ludwig Wittgenstein era um homem enigmático e tinha completo desprezo pelos filósofos acadêmicos, o conceito que esses faziam dele não tinha a menor importância para ele.
Nesse ponto entendo as razões de Wittgenstein. Em vários segmentos de atividade, o mundo acadêmico tem ajudado as sociedades a evoluírem, com aplicações praticas decorrentes de estudos, pesquisas e teorias.
No segmento de previdência, porém, não apenas faltam contribuições práticas, como campeia a escassez de estudos, teorias e pesquisas acadêmicas. Algo ainda pior do que a crítica de Wittgenstein sobre a falta de significado da filosofica acadêmica no mundo real, no caso da previdência, sequer temos o que criticar.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: The rest is silence, The Economist, edição de 22 e maio de 2021
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