De São Paulo, SP.
Uma mudança de paradigma na disseminação da previdência complementar
Quando confrontados com duas recompensas similares, os seres humanos preferem aquela que receberão mais cedo, do que aquela que obterão mais tarde. É como se as pessoas aplicassem um desconto no valor que receberiam, com um fator de desconto que cresce em proporção ao tempo da demora. Quanto mais distante no tempo estiver a recompensa, menor o valor que a pessoa estará disposta a receber hoje, ou seja, maior o desconto.
Essa inconsistência nas escolhas intertemporais, que distorce o valor relativo das opções e leva as pessoas a preferirem pequenas recompensas recebidas no curto prazo em detrimento a recompensas maiores recebidas no longo prazo, é conhecida por desconto hiperbólico e vem sendo estudada pela economia comportamental já há alguns anos. Os estudos mostram que o desconto que as pessoas tendem a aplicar nos valores, como função da distância no tempo, segue uma curva hiperbólica, dai o nome do viés de comportamento.
O desconto hiperbólico permite entender a razão das pessoas não se interessarem em poupar para o futuro e explica por que os jovens são a faixa etária que menos se interessa por planos de aposentadoria. Especula-se que esse comportamento, programado em nosso cérebro, nos deu uma vantagem competitiva em algum momento de nossa evolução no qual os eventos de curto prazo eram mais importantes para a sobrevivência do que os de longo.
Seja qual for a explicação, nos comportamos dessa forma e isso prejudica a formação de poupança para que tenhamos um futuro financeiro mais seguro. Ah, educação financeira e previdenciária nunca vão conseguir alterar essa programação do nosso cérebro, a evolução deve ter lá suas razões para isso.
Desde sempre, os planos de previdência complementar têm sido “vendidos” para seus potenciais participantes. Isso vale tanto para os planos individuais, os PGBL e VGBL comercializados pelas seguradoras, quanto para os planos corporativos implantados pelas empresas.
Significa que os potenciais participantes precisam ser diretamente convencidos a aderir aos planos de previdência. Graças ao desconto hiperbólico, sabemos hoje o quão difícil essa “venda” pode ser. Na época que criei o primeiro plano instituído por uma associação no Brasil, lá por volta de 2003, descobri como é difícil “vender” previdência individual, algo que deve estar sendo percebido por todos os fundos de pensão que estão implantando um “plano família” nesse momento.
Previdência lego: uma inovação que fará os planos darem um salto quântico
No meio do inverno que terminou resolvemos fazer fondue de carne para o jantar aqui em casa para quebrar o tédio do isolamento imposto pela pandemia do Covid-19. Então, fomos ao supermercado comprar os ingredientes. Levamos uma listinha de compras: filet mignon, vinho tinto para acompanhar, sopa de cebola, creme de leite, ketchup, mostarda, curry e alguns outros itens para fazer os molhos. Na entrada do supermercado havia um enorme banner que atraía a atenção de todos que chegavam para as compras, dizia: “Inverno Gourmet: faça seu delicioso fondue”. Não era apenas uma faixa com uma fotografia caprichada de um fondue. Ao lado do banner havia uma enorme mesa com aparelhos completos de fondue novinhos em folha, álcool em gel especial para réchaud, fosfóros, óleo de soja, temperos, condimentos diversos, carnes refrigeradas, queijos e todos os ingredientes que você pode imaginar para se fazer um fondue de carne ou de queijo. Tudo ali, na entrada da loja, inclusive os vinhos, prontos para essa fantástica experiência gastronômica que surgiu na Suíça francesa.
Nossa lista de compras se alinhou perfeitamente com os itens que estavam dispostos e os colocamos rapidamente no carrinho de compras sem termos que percorrer corredores inteiros da loja em busca de cada item separadamente. O displayme lembrou que eu precisava também do álcool em gel para aquecer o aparelho de fondue, uma parte menos glamorosa, mas absolutamente indispensável para o sucesso do jantar.
Apesar do gel para réchaud ser essencial, não havíamos pensado nele quando decidimos fazer o fondue e esse item ficou fora da lista de compras. Provavelmente teríamos chegado em casa e notado sua falta, implicando em uma segunda viagem ao supermercado para compra-lo. O supermercado tornou mais fácil percebermos - e comprarmos - o gel para réchaud, ao embutir o item na experiência de “Inverno Gourmet” ilustrado no banner e presente na mesa ao lado.
A abordagem do supermercado criou todo um ecossistema de soluções para nossa experiência gourmet ao reunir todos os ingredientes que precisávamos. Essa é uma estratégia eficaz tanto para aumentar as vendas quanto para criar uma experiência agradável para o consumidor, “customer experience” (CX) em inglês.
De fato, estudos de lojas de varejo mostram que o consumidor presta duas vezes mais a atenção aos produtos apresentados em displays promocionais desse tipo do que aos mesmos produtos colocados em prateleiras nas alas internas da loja. Maior visibilidade, sobretudo no contexto de uma experiência engajadora, aumenta grandemente as chances de compra.
Essa estratégia não se limita às compras de varejo. Incorporar a previdência complementar na oferta de outros produtos ou serviços pode se tornar uma estratégia poderosa de marketing e distribuição de planos de previdência complementar. Tirar os planos de previdência das “prateleiras internas” de seguradoras e fundos de pensão e coloca-los na frente dos consumidores no momento que estes avaliam outras ofertas, pode mudar todo o jogo.
A previdência lego pode ser definida como a incorporação de poupança para a aposentadoria e proteções para os riscos de invalidez e morte, na compra de um produto, serviço ou plataforma.
Isso significa que o plano de previdência complementar não é vendido ad hoc, mas sim fornecido como uma característica nativa de uma solução. Como uma peça de um quebra-cabeças mais amplo, daí o conceito de “lego”, de montagem.
Essa é uma maneira extremamente eficaz para superar o fardo centenário que vem atormentando a previdência complementar: a venda de planos de aposentadoria. “Embutir” a previdência muda completamente o paradigma, os planos passam a ser comprados como parte de uma outra coisa, não vendidos.
Essa é a segunda de quatro partes desse
Fique ligado!
Grande abraço,
Eder.
Fonte: Adaptado do webinar “Innovation Trailblazer Series: Digital Ecosystems & The Future of Life, Annuites and Benefits”, da SVIA – Silicon Valley Insurance Accelerator e do podcast “Fintech Can Be a 1.5 Bridge Into 2.0 DeFi, no qual Camila Russo do The Defiant entrevista Simon Taylor da 11:FS.
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