De São Paulo, SP.
Administrar um fundo e pensão não é uma tarefa fácil, muito pelo contrário, é uma responsabilidade enorme e uma função dificílima, seja você um diretor executivo, um conselheiro independente (profissional), um membro do conselho nomeado pela patrocinadora ou um representante eleito pelos participantes para o conselho.
Então, quanto deveria ser pago para um conselheiro?
Apesar dessa discussão nunca ter sido tratada às claras pelos fundos de pensão e suas patrocinadoras aqui no Brasil, não dá mais para ficarmos cochichando por trás das cortinas sobre isso.
A pandemia do COVID-19 mostrou que já se foi a era em que os conselheiros se juntavam ao colegiado de um fundo de pensão trazendo na bagagem apenas boa vontade ...
Quer seja durante uma crise grave ou na época em que tudo acontece no ritmo “normal”, o papel de um conselheiro que cuida de bilhões de reais em investimentos e do destino futuro de milhares de pessoas, não pode continuar sendo tratado da maneira que vem sendo.
As exigências legais só fazem crescer, ano após ano. Novas regulamentações, nacionais e internacionais, infindáveis regras de compliance, exigências de reporte, tudo precisa ser acompanhado e seguido. Tem ainda o risco de reputação do profissional, quanto maior o fundo de pensão, maior o escrutínio da mídia, dos participantes, das autoridades, dos políticos, do papa, dos bispos ...
Os membros nomeados pelas patrocinadoras para o conselho dos fundos de pensão, como regra, não são remunerados. Eles têm que participar das reuniões e sessões de treinamentos e precisam encaixa-las nas atividades diárias que exercem nas patrocinadoras. Quando muito, as despesas são reembolsadas.
De uns anos para cá os grandes fundos de pensão brasileiros, que demandam maior comprometimento dos conselheiros, passaram a remunera-los. O nível de pagamento, porém, varia muito e não existem parâmetros nem pesquisas de remuneração das grandes empresas de consultoria de RH que serviam de balizador.
Pelo mundo – Reino Unido
Na prática, quanto mais tempo um conselheiro precisa dedicar ao fundo de pensão maior será sua remuneração. A pesquisa da Winmark mostrou que os presidentes dos conselhos deliberativos que dedicam um ou dois dias por mês aos assuntos do fundo de pensão recebiam em média R$ 248.830 (£$ 34.464) por ano. Já aqueles que dedicam cinco ou mais dias por mês, eram pagos anualmente em média R$ 402.010 (£$55.680). Gráfico abaixo.
No fundo de pensão multipatrocinado da Universidade de Londres, chamado de SAUL - Superannuation Arrangements of the University of London, cujo patrimônio é da ordem de R$ 26BI (£$ 3,6BI), 12 dos 16 conselheiros são independentes. O relatório anual de 2018-2019 mostrou “emolumentos” totais de R$ 2.173.220 (£$ 301.000) pagos aos conselheiros o que equivale a uma remuneração anual média para os independentes de R$ 180.500 (£$ 25.000).
Os quatro conselheiros não-independentes são empregados das patrocinadoras e podem requerer apenas o reembolso das despesas. Numa espécie de inversão, são as patrocinadoras que recebem uma compensação pelo tempo que seus empregados (os conselheiros) se ausentam do trabalho. Em 2018-2019 as empresas patrocinadoras receberam um total de R$ 555.940 (£$ 77.000) ou R$ 138.985 (£$ 19.250) por conselheiro.
O maior fundo de pensão do Reino Unido, o USS – Universities Superannuation Shceme, pagou aos seus 12 conselheiros no ano fiscal de 2019-2020, cerca de R$ 4.440.300 (£$ 615.000), o que dá um pagamento anual media por conselheiro de R$ 361.000 (£$ 50.000).
Resultado da pesquisa da Winmark de 2020: aqui.
Pelo mundo – Holanda
Na Holanda, uma pesquisa conduzida pelo TPRA, uma agência de ratings, publicada em outubro de 2019, mostrou uma remuneração anual média de R$ 85.745 (€$ 13.131), aumento de 7% em relação a 2018.
A remuneração de conselheiros de fundos de pensão está passando por um dilema na Holanda, diante da perspectiva de cortes futuros nesses pagamentos. Isso tem dificultado a obtenção de um quadro mais preciso nas pesquisas anuais que buscam identificar a remuneração dos conselheiros.
A despeito do aumento de 2018 para 2019, a remuneração dos conselheiros encontra-se abaixo do padrão recomendado pela federação de fundos de pensão holandesa (Pensions Federation). Em 2011, a recomendação era de um piso anual de R$ 914.200 (€$ 140.000) para fundos com patrimônio acima de R$ 65BI (€$ 10BI) e R$ 653.000 (€$ 100.000) em fundos com patrimônio abaixo de R$ 6,5BI (€$ 1BI).
A pesquisa da TPRA, porém, sugere que esses valores não vêm sendo observados e a remuneração tem sido praticada abaixo desses valores. O fundo de pensão Horeca & Catering do setor hoteleiro, por exemplo, com patrimônio de mais de $ 65BI (€$ 10BI) pagou em 2018 aos seus conselheiros, em média, R$ 163.250 (€$ 25.000).
Porque pagar os conselheiros deliberativos no Brasil
Os requisitos de certificação exigindo um mínimo de 30 horas de treinamento por ano e uma regulamentação cada vez mais intrincada e complexa estão tornando menos atrativo a função de conselheiro de fundo de pensão no Brasil.
Para fins de comparação, a autoridade de regulação no Reino Unido chamada TPR – The Pensions Regulator, uma espécie de PREVIC Britânica, em um relatório publicado em fevereiro/2020 inititulado “The Future of Trusteeship and Governance” determina treinamentos anuais de 15 horas para conselheiros não-profissionais e 25 horas para membros independentes, que por definição são conselheiros profissionais.
Como consequência, o papel de conselheiro de fundo de pensão no Brasil vai se tornando crescentemente mais complexo e demandando cada vez maior comprometimento dos conselheiros. Isso vale tanto para membros independentes e profissionais quanto para conselheiros apontados pelas patrocinadoras e eleitos pelos participantes.
Como não são remunerados, a maioria dos representantes de patrocinadora e de participantes nos conselhos é de pessoas que “abraçaram a causa” reconhecendo a importância do benefício de previdência complementar oferecido pela empresa. Elas fazem esse trabalho porque querem, não porque têm que fazer.
Não obstante, também há muitos casos em que os representantes de patrocinadora são alçados ao conselho do fundo de pensão por obrigação.
Seja por opção ou pela falta dela, quando surgem os problemas ou crises, por não serem profissionais do setor esses conselheiros não possuem a experiência e capacitações necessários para buscar as soluções.
A falta de conselheiros profissionais nos fundos de pensão acaba colocando maior pressão sobre os membros não-profissionais do colegiado.
Por fim, vamos convir, compor o board com pessoas que estarão ali sem receber um centavo, com riscos pessoais elevados, tendo que se engajar, dedicar horas do seu tempo para tomar boas decisões e passar por treinamento todo ano, não é a melhor forma de formar o colegiado de um fundo de pensão.
Isso tudo devera fazer a demanda por profissionais para ocupar uma cadeira no conselho deliberativo dos fundos, começar a crescer. Diante da elevada carga de trabalho, estão se tornando escassas as opções para as patrocinadoras apontarem executivos dos seus quadros para desempenhar dupla função.
Quanto pagar
A remuneração de um conselheiro deliberativo vai depender de uma serie de fatores. A composição do conselho, por exemplo, conta com membros independentes (conselheiros profissionais)? Qual a situação financeira da patrocinadora? Há alguma restrição de remuneração de conselheiros no estatuto do fundo?
Os pontos chave são:
- Qual a carga de trabalho, ou seja, quantas reuniões por ano e quantas horas extra-reuniões são requeridas em média de preparação para as reuniões?
- A remuneração será um valor fixo por mês, baseado na expectativa da quantidade de horas de dedicação à função, um valor pago por reunião ou um híbrido desses dois?
- Os requisitos de qualificação do conselheiro vão variar de acordo com o perfil do fundo de pensão, o setor de atuação e a complexidade dos planos
- Geralmente, conselheiros com maiores níveis de experiência e conhecimento demandam maiores remunerações. O que equivale a dizer que conselheiros representantes da patrocinadora e dos participantes, por não serem profissionais, deveriam ter remuneração mais modesta.
Em 2014 conduzi uma rápida pesquisa, com apoio da Gama e da Suporte, sobre a remuneração e composição de conselhos deliberativos e comitês de investimentos dos fundos de pensão brasileiros. Está desfasada, mas fornece um quadro interessante sobre o assunto. Link para os resultados: aqui .
Uma questão de governança
Seja ou não remunerado, uma vez a bordo do conselho um membro deve levar seu trabalho a sério, ser diligente e entregar os resultados que se comprometeu.
Nem toda empresa patrocinadora entende o trabalho de conselheiro de seu fundo de pensão e não valoriza independência e profissionalismo. Porém, há casos em que o problema passa a ser de governança.
Hoje existe uma clara tendência dos fundos de pensão abrirem a porta para empresas sem nenhum vinculo econômico com as demais patrocinadoras, além de criarem planos para familiares dos participantes.
Ao saírem da esfera restrita das patrocinadoras, fundos multipatrocinados e planos instituídos passam a assumir uma grande responsabilidade.
Essa mudança no modelo de negócios dos fundos de pensão terá que vir acompanhada de uma nova governança, mais profissional, com maior capacidade para lidar com problemas e crises e com conselheiros remunerados.
Abrir as entidades “fechadas” de previdência complementar, tornando-as um negócio, com departamentos de marketing e captação de clientes, não acontecerá sem mudanças na sua governança. Pelo menos não para as que quiserem ser bem-sucedidas ...
Grande abraço,
Eder.
Fonte: Adaptado do artigo "Perspective: What is trusteeship worth?”, escrito por Nick Reeve.
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