segunda-feira, 18 de outubro de 2021

MANIFESTO ATUARIAL - O FUTURO DOS FUNDOS DE PENSÃO COMEÇA AGORA, MAS NEM TODO MUNDO ESTÁ PARTICIPANDO DA FESTA


 Estátua de Diógenes de Sínope.- Foto: Murat Tegmen / Shutterstock.com


De São Paulo, SP.


Nunca deixei de forçar os limites da pergunta não verbalizada sobre os fundos de pensão: “o que vem agora?”. Mesmo assim, parece que nunca perguntamos o suficiente, porque ano após ano esses limites vão se movendo. Mais rapidamente do que conseguimos acompanhar. Mais rapidamente do que poderíamos supor. 

 

Ano após ano todo o setor de previdência complementar se reúne e faz uma pausa para se debruçar sobre as grandes questões que estão frequentemente se movendo mais rapidamente do que nós. Em 2021 isso vai acontecer ao longo dessa semana, com a realização do 42º Congresso de Previdência Complementar.

 

O que as empresas deveriam fazer para a volta aos escritórios depois da pandemia? No futuro teremos ou não dinheiro em papel? Para qual formato evoluirão os contratos de trabalho? Que impacto isso terá nos planos de previdência complementar corporativos? O quê acontecerá com os investimentos dos fundos de pensão quando ativos, bens e direitos pularem para o mundo digital? Como vender previdência?

 

São discussões superadas.

 

Essas questões ficaram para trás, não porque não sejam importantes. Nem mesmo porque tenhamos conseguido solucionar todos esses desafios. Mas porque as transformações e acontecimentos em curso não param de acontecer e não esperam por ninguém, nem jovens, nem idosos, nem fundos de pensão. Os acontecimentos não fazem uma pausa apenas porque estamos tentando fazer senso deles.

 

O mundo está se transformando depressa e enquanto estivermos nos debruçando em torno de cada uma dessas questões nos diversos painéis, plenárias e eventos do congresso, vai surgir à nossa frente uma nova incerteza, com implicações que superam as anteriores.   

 

Implicações muito além das que podemos imaginar

 

Depois que perdi meu emprego tradicional com vínculo permanente e contrato de trabalho por tempo indeterminado, em junho de 2019, veio a pandemia e todo mundo ficou enclausurado em casa.

 

Então eu passei os últimos 24 meses lendo e pesquisando sobre as transformações sociais e tecnológicas em movimento no Brasil e ao redor do mundo. Participando de webinars e congressos internacionais, fazendo cursos (grátis), sobre longevidade, cryptomoedas, blockchain, neuromarketing, ESG, demografia, revoluções tecnológicas, política, economia, governança, como se diz em inglês: “you name it” (em tradução livre: “sobre tudo”).

 

Tentando entender o que essas coisas significam. Em qual direção estamos caminhando enquanto sociedade. Qual a arte do possível no nosso segmento de previdência complementar e que tipo de fundo de pensão emergirá disso tudo. 

 

Até escrevi um livro no ano passado sobre como revolucionar os conselhos dos fundos de pensão, porque meu foco é na evolução, no futuro, na colisão de paradigmas que se desenrola em tempo real diante dos nossos olhos. 

 

A luta entre o velho e o novo e para onde as novas tecnologias poderão levar nosso setor é algo em que, francamente, já tem gente demais pensando. A tecnologia está evoluindo mais depressa do que os próprios processos humanos que as utilizam. Então, enquanto o ser humano não conseguir alcançar a evolução da tecnologia e fizer uso dela em benefício de todos, mais inovação não vai servir para muita coisa. 

 

Isso coloca a tecnologia em perspectiva e a torna menos importante quando olhamos o que está por acontecer com o mundo em geral e a previdência complementar em particular. Tira da cena os cashbacks, os chatbots e a superação do atraso digital, como próximo capítulo dos fundos de pensão. 

 

Eu não consigo entender e preciso ser persuadido de que tudo se resume apenas ao fomento e crescimento da poupança de longo prazo, em como proteger as pessoas delas mesmos fazendo com que “voluntariamente” guardem dinheiro para o futuro, para o seu próprio bem. Simplesmente não enxergo apenas dessa forma o que vem depois, no futuro dos fundos de pensão.

 

O que vai acontecer depois da discussão das coisas chatas? Me refiro às transformações da sociedade humana, assustadoras e excitantes ao mesmo tempo. 

 

Se quisermos entender o futuro da previdência complementar, precisamos dar conta do que realmente significa a moeda digital para nossas vidas, para as pessoas, para o ser humano.

 

Esqueça a função de pagamento, as transações financeiras. Isso é coisa mecânica, operacional. Enquanto precisarmos guardar algo de valor hoje para trocar por bens e serviços amanhã, haverá meios que nos permitam fazer isso. 

 

Mas o quê trocamos por bens e serviços, como guardamos a reserva de valor e quem está envolvido no processo, isso é uma história bem diferente. 

 

O quê usamos como item de troca e como guardamos, essa é a parte fascinante, porque moeda digital | ativos digitais são, na essência, bits e bytes, linhas de programação, softwares em última instancia.

 

Sabe o que isso significa? Quais as implicações do dinheiro e dos ativos programáveis? Qual a verdadeira mudança?

 

Significa que vai ser possível para o emissor do dinheiro, seja ele um governo ou a iniciativa privada, assim como para o guardião dos ativos, programar seu uso.

 

O dinheiro digital pode ser programado, por exemplo, para ser impossível de usar em certos países, de certas maneiras, para determinados fins, em determinados prazos. Pode ser programado para ser impossível de usar em jogos de azar, em álcool, em fumo. Na Coreia do Norte, na Bolívia, na China ou na França. 

 

Pode ser programado para você não poder comprar um artigo de luxo ou um carro novo, antes de você pagar seus impostos, ou a educação dos filhos. Os ativos digitais podem ser programados para não poder ser vendidos antes de determinado prazo, para ficarem investidos durante determinado período, com determinado ganho. 

 

O PIX está aí em nossos celulares e sequer sabemos que uso fará o governo, a receita federal, os bancos e sabe-se lá mais quem com acesso aos dados de cada transação financeira que fazemos. Entregamos nossa privacidade, nossa individualidade, assim, de mão beijada.

 

Você pode estar pensando: ah, por que alguém iria querer fazer tudo isso?

 

Porque a maioria das experiências começa pequena e evolui. Quando se tornam grandes, já provocaram um monte de acontecimentos que não haviam sido previstos, colocaram em movimento um monte de engrenagens difíceis de parar e também porque o inferno está cheio de boas intenções.

 

O futuro dos fundos de pensão já está em marcha, mas nem todo mundo está participando da festa.

 

A previdência complementar surgiu como uma iniciativa do setor privado para amparar aqueles desatendidos pela previdência do estado, provendo uma renda melhor nas idades mais avançadas. Porém, mais de vinte anos do novo milênio adentro, chegamos aqui com um mercado mal atendido – apenas 8% da população tem um plano de previdência complementar no Brasil.

 

Temos também um grande contingente de desatendidos. Um exército de trabalhadores que compõem uma gigantesca economia informal, segue à margem do sistema financeiro, sem acesso a um plano de previdência complementar, sem acesso sequer uma conta bancária. Há 1 bilhão de pessoas no mundo todo excluídas do sistema. No Brasil devem ser milhões.

 

Mas a coisa é ainda pior. O teto do INSS - que chegou a ser de 20 salários-mínimos em 1974 - está hoje em 6 salários-mínimos e continua em queda livre, com a mais recente cajadada vinda da reforma da previdência social que reduziu o benefício subliminarmente, na surdina, de forma perversa, através da fórmula de cálculo, tornando impossível para qualquer mortal atingir o teto.

 

Essas são as facetas mais visíveis de uma realidade que precisa mesmo mudar, na qual é difícil, quase impossível, uma alma honesta conseguir um emprego tradicional depois dos 50 anos, o que torna a previdência complementar na reta fina da carreira um esforço único e exclusivo do individuo.

 

Isso diante de um mundo em que a expectativa de vida ao nascer ultrapassa os 100 anos, em que a quantidade de supercentenários - pessoas com idade superior a 110 anos - aumenta a cada ano e o limite da vida humana foi empurrado para os 123 anos por uma simpática velinha do interior da França, a Madame Jeanne Louise Calment.

 

A legitimidade do capitalismo depende da capacidade de fazer a busca por riqueza individual, resultar em benefícios para todos.

 

Vamos ser francos, as pessoas não conseguem hoje nem chegar a um acordo sobre qual a melhor maneira de se viver. Do extremismo religioso às divisões profundas nas sociedades democráticas, há mais polarização do que jamais tivemos em tempos de paz. 

 

O propósito ao qual se presta a previdência complementar vai diferir dramaticamente, dependendo para quem você faz a pergunta, mas o que mais assusta é que nem estamos fazendo essa pergunta.

 

O setor vem evoluindo ao longo do tempo e já caminhamos uma enorme distância. Os responsáveis pela regulamentação e pelas políticas publicas estão sempre lidando com o próximo problema que tem pela frente.

 

Apesar de estarem fazendo um bom trabalho, eles não são filósofos da ética e estão cuidando de um sistema que surgiu no pós-guerra para acelerar a recuperação da economia incentivando o mercado de trabalho através da oferta de benefícios. É assim que os fundos de pensão sempre foram enxergados. 

 

Estamos agora na iminência de uma disruptura induzida pelo futuro do dinheiro, que será digital, programável e radicalmente diferente do que era no passado. 

 

Cabe a nós assegurar que o dinheiro digital que chegará junto com a digitalização dos ativos, bens e direitos - ao invés de nos levar para um mundo distópico, ao invés de ser usado como um meio de controle e poder de um modo assustadoramente pior, mais abrangente e insidioso do que a riqueza têm servido até agora àqueles que a detém – seja, ao invés disso, um meio mais barato, fácil e eficaz de alcançar e integrar todas as pessoas na sociedade, na economia mundial e nos planos de previdência complementar, sem deixar para trás os menos favorecidos.


É disso que se trata o debate em torno do futuro dos fundos de pensão e da previdência complementar. Pelo menos, deveria ser ....

 

Grande abraço,

Eder

 

 

Fonte: Adaptado do artigo “Sibos 2021: The future of money starts now”, escrito por Leda Glyptis 

 

  

https://www.fintechfutures.com/2021/10/sibos-2021-the-future-of-money-starts-now/

 

 

 

 


Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Cuidados na Portabilidade

Hora no Mundo?

--------------------------------------------------------------------------

Direitos autorais das informações deste blog

Licença Creative Commons
A obra Blog do Eder de Eder Carvalhaes da Costa e Silva foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não-Comercial - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.
Com base na obra disponível em nkl2.blogspot.com.
Podem estar disponíveis permissões adicionais ao âmbito desta licença em http://nkl2.blogspot.com/.

Autorizações


As informações publicadas nesse blog estão acessíveis a qualquer usuário, mas não podem ser copiadas, baixadas ou reutilizadas para uso comercial. O uso, reprodução, modificação, distribuição, transmissão, exibição ou mera referência às informações aqui apresentadas para uso não-comercial, porém, sem a devida remissão à fonte e ao autor são proibidos e sujeitas as penalidades legais cabíveis. Autorizações para distribuição dessas informações poderão ser obtidas através de mensagem enviada para "eder@nkl2.com.br".



Código de Conduta

Com relação aos artigos (posts) do blog:
1. O espaço do blog é um espaço aberto a diálogos honestos
2. Artigos poderão ser corrigidos e a correção será marcada de maneira explícita
3. Não se discutirão finanças empresariais, segredos industriais, condições contratuais com parceiros, clientes ou fornecedores
4. Toda informação proveniente de terceiros será fornecida sem infração de direitos autorais e citando as fontes
5. Artigos e respostas deverão ser escritos de maneira respeitosa e cordial

Com relação aos comentários:
1. Comentários serão revisados depois de publicados - moderação a posteriori - no mais curto prazo possível
2. Conflitos de interese devem ser explicitados
3. Comentários devem ser escritos de maneira respeitosa e cordial. Não serão aceitos comentários que sejam spam, não apropriados ao contexto da dicussão, difamatórios, obscenos ou com qualquer violação dos termos de uso do blog
4. Críticas construtivas são bem vindas.




KISSMETRICS

 
Licença Creative Commons
This work is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Brasil License.