De São Paulo, SP.
Daqui a oito anos estaremos em 2030 e se tudo que está acontecendo nesse exato momento se desenrolar da maneira certa, aquilo que sustenta nossa economia, que tornou possível a existência de nossos fundos de pensão e que é o pilar de nossa civilização, o dinheiro, será irreconhecível.
Estamos à beira de uma enorme transformação em uma das maiores e mais duradouras criações da humanidade, uma inimaginável revolução no status quo ao qual estamos acostumados, no qual o dinheiro é emitido e controlado por governos e bancos centrais.
As mudanças não têm nada a ver com fintechs, neobanks e aplicativos digitais que tornaram serviços bancários e processos de fundos de pensão um pouco mais fáceis e convenientes. Isso tem a ver com uma disruptura da mesma magnitude do tratado de Bretton Woods que transformou o dólar americano na moeda global das reservas soberanas, após a II Guerra Mundial.
Existem três forças ou megatendências com objetivos e fins vastamente diferentes, que não podem ser detidas e estão em rota de colisão: 1) Uma sociedade digital mais assertiva e livre – quem assistiu “The Social Dilemma“, na Netflix, sabe o que isso significa a antítese disso; 2) Países e seus estados poderosos, querendo controlar digitalmente a tudo e a todos; e 3) Corporações globais que almejam ser donas e mandar em toda nossa existência no mundo digital.
Para as novas gerações a reinvenção do dinheiro significa uma chance para se livrarem do controle de governos e grandes corporações. Para o establishment é a oportunidade de estender ainda mais os tentáculos que dominam atualmente o mundo dos negócios - empresas como Facebook e Goldman Sachs são apenas dois exemplos de firmas gigantes de olho na reinvenção do dinheiro. Finalmente, para os governos é uma forma ou de defender o status quo, como os EUA querendo manter o dólar como padrão mundial ou no caso da China, criar uma nova hegemonia com sua moeda digital.
Mega-Tendência # 1
A adoção cada vez maior pelo grande publico e a disseminação de incontáveis soluções baseadas em tecnologias emergente, como o blockchain, estão lançando as bases de uma nova infraestrutura que permite a digitalização de todas as classes e tipos de ativos, a mais importante delas: o dinheiro.
O bitcoin, que emergiu de dentro da sociedade civil e totalmente fora do controle de governos e grandes corporações, pavimentou o caminho para a reinvenção do dinheiro. Blockchain e cryptoativos farão pelo dinheiro, para os mercados e virtualmente para qualquer tipo de ativo, o mesmo que a Internet fez para músicas, filmes, jornais e TV quando digitalizou sua existência e sua distribuição.
Mega-Tendência # 2
O domínio econômico global está se deslocando dos EUA para a China e nos últimos anos a tensão tem crescido entre as duas superpotências mundiais. A guerra fria tecnológica vem acrescentado medo e incerteza e o século XXI vai ser definido pela relação adversaria desses dois gigantes econômicos, principalmente no reino do dinheiro.
A China saiu na frente e está fazendo teste piloto com sua moeda digital, enquanto os EUA está se arrastando no desenvolvimento de seu dinheiro digital. A visão dos dois países sobre CBDC – Central Bank Digital Currency (dinheiro digital do banco central, em tradução livre) não poderia ser mais diferente. Os EUA querem proteger o papel do dólar como dinheiro das reservas globais e a China quer usar a moeda digital para exportar seu modelo econômico para o mundo, enquanto a usa internamente para apertar o controle de cada passo de seus cidadãos dentro de casa.
Todos deveriam compreender o que está em jogo com esse embate e suas consequências, porque o vencedor passará a ter grande controle, domínio e influência sobre os demais países, economias e pessoas no mundo todo.
Mega-Tendência # 3
As big tech atingiram valor de mercado de trilhões de dólares pela primeira vez na história das corporações. Gigantes como Microsoft, Alphabet (Google), Amazon e Tesla, a maioria do Vale do Silício, entraram de cabeça nos serviços de pagamento, empréstimos e financiamentos, produtos que tradicionalmente eram exclusivos dos bancos.
Estão agora de olho na reinvenção do dinheiro e correm para se tornar os senhores de nossas jornadas e controlar nossas vidas no mundo digital e no mundo real.
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O cataclisma que vai emergir desse embate, da colisão entre essas forças, seja para o bem ou para o mal, vai remodelar nosso mundo para sempre. Nosso futuro será moldado pela força vencedora desse embate.
Em um artigo publicado em 1989 Francis Fukuyama escreveu que a queda da União Soviética sinalizava o “Fim da História” (título posterior de seu livro) e defendeu a tese de que a humanidade havia chegado ao ponto final de sua evolução ideológica, com o triunfo da democracia liberal sobre o fascismo e mais contemporaneamente sobre o comunismo, vitoriosa na Europa Ocidental e em expansão pela Ásia.
Hoje sabemos que não foi bem isso que aconteceu e que não se deve proclamar algo assim.
No entanto, podemos assumir que a década de 2020 venha a ser uma das mais importantes e transformadoras na história, porque o desafio global que enfrentamos hoje vai mudar nosso futuro para sempre.
Essa década em curso marca o início do fim do longo século XX, na medida em que estamos sendo forçados a repensar e remodelar nossas instituições, nossa economia, nossas empresas, nossos fundos de pensão, nosso trabalho, nosso contrato social e nossos conceitos fundamentais, incluindo o dinheiro.
Elevando a conversa sobre os fundos de pensão na economia digital
O segmento de fundos de pensão sempre foi visto como uma das verticais mais conservadoras do sistema financeiro, mas agora vemos instituições veneráveis do setor mudando de nome, de marca e de lado, i.e., passando a vender planos de previdência individuais ao invés de administrar um benefício corporativo – FCESP para VIVEST, HP PREV para VALUE PREV, ODEPREV para VEXTY, PREVI-ERICSSON para E-INVEST e por aí vai...
Poupar com ajuda da empresa visando segurança financeira futura está passando por uma revolução. Novos entrantes no setor de fundos de pensão estão dispensando a busca por clientes empresariais e buscando prioritariamente por pessoas físicas através de vínculos associativos.
Na Europa e nos EUA a poupança para o futuro está sendo oferecida hoje por soluções da economia digital criadas por players que sequer estão no setor de previdência complementar, sem que quase ninguém tenha percebido ou dado importância para isso.
Liquidity pool, staking, crypto earning, mineração de cryptomoedas, há um mundo correndo por debaixo da economia tradicional, que segue longe das vistas, incompreensível para conselheiros, CEOs e diretores de investimentos de fundos de pensão, criados no sistema financeiro tradicional.
A definição de banco, prestador de serviços financeiros, corretora de valores e fundo de pensão está ficando turva na medida em que os clientes vão sendo engajados por meio de novas tecnologias e de parcerias desenvolvidas em torno da integração de dados.
Erra quem persegue apenas a transformação digital, conforme muito bem colocado por Roman Regelman, Vice-Presidente da BNY Mellon:
“Não tem nada a ver com comprar ou vender um sistema ou um projeto, tem a ver com (desenvolver) soluções, conectadas por tecnologias, buscando o modelo de negócios certo e à prova de futuro. Essas parcerias têm um único objetivo: entregar ao cliente uma proposta de valor holística”
Responsabilidade e sustentabilidade em fundos de pensão
O setor de previdência complementar, assim como diversos outros segmentos de negócios, está sendo pressionado a abraçar níveis maiores de sustentabilidade e responsabilidade social.
Mas ao invés de vermos medidas simples e práticas nessa direção, vemos muita conversa complicada, discussões teóricas e pouca ou nenhuma ação.
Para os fundos de pensão serem mais responsáveis socialmente eles poderiam adotar medidas simples, por exemplo, fomentando a “inclusão previdenciária”, tornando seus planos de benefícios mais acessíveis a comunidades de pessoas que estão hoje sub-atendidas ou inteiramente desatendidos pela previdência complementar.
Poderiam fazer a coisa certa e criar produtos para empregados com renda menor, alterando o desenho de seus planos para permitir contribuições de empregados com salários abaixo do teto da previdência social, disponibilizando um meio para pouparem. Nada a ver com permitir contribuição de 0,5% ou 1% do salário e depois deduzir 0,7% do saldo acumulado a titulo de taxa de administração. Como diria Boris Casoy: "isso é uma vergonha"!
A ideia de que pessoas de baixa renda não poupam não passa de um mito. Nos anos 80 quando a Xerox implantou seu plano de contribuição definida no Brasil, presenciei muitas sobrancelhas se levantarem na unidade da Xerox da Amazônia, em Manaus, diante de um nível de adesão maior no piso de fábrica – leia-se, nas camadas salariais mais baixas - do que no corpo gerencial.
Falta uma mentalidade mais aberta num segmento que é ultraconservador, no qual a comunicação continua funcionando apenas em uma direção. Você não vê fundos de pensão fazendo como o Varo Bank, um banco totalmente on-line sediado no Vale do Silício, em São Francisco, que não cobra taxa de administração nem exige saldo mínimo.
“Nós passamos um ano inteiro apenas falando com nossos consumidores, tentando entender profundamente quais eram os pontos que causavam dor e como poderíamos construir um banco melhor”, explicou o CEO, Colin Walsh. Taí um benchmark que vale a pena fazer.
Uma previdência digital hiper personalizadas
A poupança para o futuro é super importante para prover a segurança financeira das pessoas, permitir que realizem seus sonhos e atinjam seu objetivos de vida.
Porém, ninguém acorda de manhã com a meta de poupar naquele dia. As pessoas querem viver suas vidas e guardar dinheiro suficiente para alcançar seus objetivos, sem que isso crie uma enorme ansiedade. Sem ter que decidir sozinhas, a cada seis meses, onde alocar as contribuições para seus planos de previdência.
A corrida para ajudar o consumidor a ter segurança financeira amanhã passa pelo desenvolvimento de ofertas que atendam à situação individual de cada pessoa, de serviços mais convenientes.
Saber o que as pessoas fazem com o dinheiro delas e aquilo que poderiam fazer para atingir seus objetivos pessoais de forma mais eficiente, requer traçar o caminho do dinheiro.
A economia que vai emergir dessa pandemia vai requerer dinheiro digital, mas de que tipo? Qual será o impacto sobre os investimentos, sobre a poupança, sobre os planos de previdência complementar? Quem vai vencer a batalha pela busca de segurança financeira futura? O que vai acontecer com os fundos de pensão?
Vivemos tempos de mudanças imensas e oportunidades, mas só para quem sabe se adaptar. As transformações já começaram, você está preparado?
Grande abraço,
Eder.
Fonte: Adaptado dos artigos The Three Mega-Trends Shaping the Future of Money, escrito por Alex Tapscott e Future of Money 2021, da Reuters Events
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